Charlie Sheen e as Falhas da “Nova Imprensa”
Sensacionalismo, despreparo e uma postura surpreendente marcam o “Caso Charlie Sheen”, novo alvo da imprensa mundial.
por Fábio M. Barreto, de Los Angeles
Há cerca de três anos fiz um perfil de Charlie Sheen, ou melhor, Carlos Irwin Estevez, para a antiga versão da Revista da TVA. Foi um bom momento para se falar sobre o filho do sr. Charlie, afinal, finalmente vivia momentos de bastante sucesso e apagava os fiascos profissionais com os milhões de salário por Two and a Half Men. Como todo perfil, é preciso entender a vida do objeto para não dar nenhum furo e, claro, excluir o que não interessa à matéria. Tinha duas escolhas: falar sobre ele ser um maluco por teorias conspiratórias ou entrar na vida pessoal, mergulhando no casamento fracassado com a gostosa, mas péssima atriz, Denise Richards, por exemplo e ficar explorando dramas pessoas. Sinceramente, não precisei pensar muito para cortar essa segunda parte. Por que? Meu trabalho refere-se ao profissional, ao sujeito visto pelas lentes das câmeras e o resultado daquilo que ele faz. Escolhas referentes à atuação me interessam, a misteriosa briga com Oliver Stone também, assim como seus filmes toscos, já o que ele faz no seu dia-a-dia, dentro de sua casa, é coisa de tablóide, coisa de jornalista desesperado ou acomodado demais para não buscar emprego melhor. Entretanto, essa postura soa saudosista e romântica e tudo que se vê agora é sensacionalismo barato, perseguição a celebridades e, infelizmente, a luta de uma imprensa desesperada ao tentar transformar Charlie Sheen no novo “Caso Lindsay Lohan”.
Vamos aos fatos: Charlie Sheen usa drogas pesadas; contrata prostitutas caríssimas; acredita que os ataques de 11 de Setembro tiveram participação do Governo; é (era) o ator mais bem pago da TV norte-americana, com US$ 1.2 milhões por episódio em Two and a Half Men; é amado pelo público.
Sim, amado. Algumas piadas locais inclusive brincam com o fato de que ele e, por exemplo, Justin Long sempre consigam novas chances mesmo não tendo feito um bom trabalho. Foi Bill Maher, apresentador da HBO, quem ilustrou isso – em forma de brincadeira – da melhor maneira possível: “Mesmo que Charlie Sheen apareça assando um cachorro ou torturando uma criancinha, vamos amá-lo mesmo assim, afinal, é o Charlie!”.
Pois bem, eis que Charlie Sheen cumpriu a profecia sem chegar ao extremo inaceitável proposto por Maher, mas fez o máximo dentro do que suas liberdades permitem. Exagerou, surtou, comprou briga com o alto comando da Warner TV, mandou os chefes às favas, inclusive Chuck Lore – criador da série – e surpreendeu com seu comportamento. Surpresa é o termo chave aqui, pois quando a TV, os abutres do TMZ, os papagaios de pirata da internet – oi Terra! – e os veículos impressos foram para cima dele para “investigar” seus exageros e “desmascarar” sua vida libertina, o que encontraram não foi um sujeito subindo pelas paredes ou um coitadinho arrependido – né, Tiger Woods?. Charlie Sheen fez algo sem precedentes na história recente das celebridades, ele manteve sua postura e defendeu cada uma de suas atitudes. Nada de chorar pelos cantos, nada de tentar gerenciar a crise – que seria o sono de consumo de todo relações públicas que se preze. Sheen soltou o verbo, tem falado com praticamente todos os canais de TV, emissoras de rádio e grandes jornais que solicitaram entrevistas. Sem papas na língua, o ator criticou o comando da Warner sem dó nem piedade e com personalidade. Claro, é o dead men’s speech, ou seja, o cara que não tem mais nada a perder falando as verdades. Não há mais volta em termos de Two and a Half Men, não depois de tudo isso, entretanto o mais surpreendente é o termo escolhido por Charlie Sheen: sou um vencedor! Numa de suas inúmeras entrevistas, a seguinte declaração me chamou atenção: “Por que tenho que me envergonhar da minha vida? Estou feliz, faço o que quero e sou diferente; sou especial. Não vou viver do jeito que os executivos querem”. Mesmo eu não concordando com uso de drogas ou gente que gosta de Twilight, é impossível não concordar com o argumento. Afinal, podemos “amar” o personagem, mas o ator faz o que bem entende.
Essa questão de liberdade foi bastante explorada com Lindsay Lohan, que ouviu de grandes especialistas até blogueiros inexpressivos o que deveria fazer, ou não, como deveria fazer, o que deveria dizer. Muitas situações condicionais numa dinâmica formadora de opinião – veja bem, não dá mais para se referir como “jornalística”, isso virou prática e consumo de elite – dedicada a julgar baseada nas descobertas de outros, replicar cada nova informação sem checagem ou crivo crítico e cujo objetivo não é mais o Prêmio Pullitzer ou o cargo no New York Times, mas sim o reconhecimento online e a audiência. Por mais repulsivo que o TMZ seja, eles, pelo menos, investigam suas reportagens e conseguem fontes. É feio, mas dá resultado e, depois de Michael Jackson, eles mostraram que tem credibilidade. Já os “blogs especializados” e, principalmente, sites internacionais – Brasil-sil-sil-sil – entram na rabeira, comem todas as bolas possíveis e vão continuar pisando no tomate enquanto não encontrarem um balanço entre sensacionalismo e responsabilidade. Olha, assim como Charlie Sheen.
Blogs são ótimas fontes para coisas acontecendo no círculo social do blogueiro, por exemplo, nos casos recentes do Egito, Irã e Líbia. É um canal inovador nas comunicações mundiais, mas tem limitações gritantes quando não estão diretamente envolvidos no acontecimento em si e, no fim das contas, só aumentam a força da bola de neve gerada pela informação errada. O mais curioso disso é notar que, no atual formato, em termos de noticiário internacional um grande portal tem as mesmas condições de trabalho que um blog. A diferença é que num deles o sujeito ganha para fazer e, no outro, torce para atrair audiência e ganhar no futuro. A transição do jornalismo profissional foi muito mal feita nesse aspecto e não há mais diferencial, afinal, se é para ler algo errado tanto faz entrar no UOL, no Terra ou no G1 ou dar hit para algum amigo que cubra a área sem remuneração.
Sheen pode fazer e dizer tudo que pensou até deixar seus chefes irritados e a bomba explodir. E, completando o paralelo, nesse momento, nossos “portais” também falam o que querem, sem se dar ao trabalho de investigar, até que alguma grande bomba explod…. ok, não vai acontecer.
Comentários críticos não faltam, condições de fazer o trabalho direito também, entretanto, é preciso investir e é cômodo pagar um bando de estagiários para traduzir e fazer copy/paste. Os erros são constantes, a responsabilidade é nula, as consequências são inexistentes. A mesma imprensa brasileira que entrou na dança do “Malhe o Charlie Sheen” é vítima do mesmo exagero egocentrista pelo qual Sheen passa. Concordo que ele seja um vencedor – ele se diz “especial” – e demonstra controle impressionante perante esse levante da mídia e o julgamento público, mas vai pagar um preço. Seu emprego já era e ele sabe disso, tanto que se preocupa em sempre dizer que vai lutar pela vitória absoluta, ou seja, garantir o pagamento de 10 episódios para seu elenco e equipe, antes mesmo de tentar receber seu próprio dinheiro. Como é o ditado? As estrelas brilham mais forte antes de se extinguirem? Pode ser o caso.
Charlie Sheen mostra a verdadeira Hollywood, aquela que tanto cobro, sem respostas prontas, sem puxa-saquismo, sem faz de conta fora das câmeras. O mais próximo disso que cheguei foi nas três conversas que tive com Michelle Rodriguez. Ela fala o que dá na telha, mas, claro, toma certo cuidado. Mesmo assim, é autêntica e dá porrada em quem merece. O modo e o contexto da situação de Sheen podem não ser as melhores, mas sua postura é exemplar perante a mídia. Não tem medo de perguntas diretas e é rápido em esculachar repórteres que tentam fazer perguntas politicamente corretas e não usar termos possivelmente ofensivos, como a moça da ABC que levou uma invertida ao perguntar quando foi a última vez que ele “usou”. A resposta foi hilária: “eu uso o liquidificador, o microondas, o aspirador de pó… agora se você quer saber da última vez em que eu ingeri substâncias químicas ou drogas, foi… “. Não há mais barreiras.
Magro, aparentemente debilitado e cansado, mas sem pestanejar em suas declarações, Sheen não é um modelo. Nunca foi. Gosto de lembrar quando Jason Isaacs me disse que “atores criam personagens e nossa responsabilidade acaba quando as filmagens terminam, não entendo essa relação de estender o que o personagem fez à nossa vida pessoal, assim como não entendo a imprensa [e os atores que assim se comportam] querendo saber de política, economia ou o destino do mundo de gente que não tem formação para opinar sobre esses assuntos”. Charlie Harper pode ter se transformado num ícone e, até certo ponto, modelo para quarentões com síndrome de Peter Pan. Convenhamos, com o dinheiro que o personagem tem, quem, naquela situação, não aproveitaria com o mesmo estilo? Mas Sheen nunca foi tão bonzinho ou controlado quanto seu alter ego televisivo.
Há uma realidade: um ator cujo estilo de vida é exagerado brigou com seus executivos, ofendeu publicamente e perdeu o emprego. Daí para a frente é exploração, desespero da mídia e esmiuçamento de um assunto tão irrelevante quanto as idas e vindas de Li-Lo à Corte de Los Angeles. Difícil não expor a situação, mas, veja só, estou, de certo modo, fazendo o mesmo ao escrever sobre o assunto. Entretanto, tenho a certeza de não criar grande estardalhaço, afinal, a internet atual só funciona na base do título bombástico, da emoção falsificada no vlog, da discussão idiótica sobre Big Brother, da quantidade de “leitores” que amou e compartilhou a piada.
Não há mais vozes reais; apenas ecos de uma mesma mensagem conformista, criada para atrair e entreter as massas. Falar fora dos padrões resulta em exclusão social e profissional.
Mel Gibson que o diga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário