Revisitando Chinatown
Chinatown (Idem) Blu-Ray (Brasil). Policial/Suspense. EUA, 1974.
Produzido por Long Road/Paramount/Robert Evans. Direção de Roman Polanski.
Roteiro de Robert Towne.
Fotografia de John A. Alonzo. Música de Jerry
Goldsmith. Elenco: Jack Nicholson, Faye Dunaway, John Huston, John Hillerman,
Perry Lopez, Diane Ladd, Roman Polanski, Darrell Zwerling, James Hong, Bruce
Glover, Burt Young, Lance Howard. Cor. 130 min Áudio e Legendas: Inglês,
Francês, Português, Espanhol.
Sinopse: Em Los Angeles, em 1937, o ex-policial que era
sediado em Chinatown, agora detetive particular Jake (J.J.) Gittes é
contratado por uma mulher para investigar seu marido que trabalha na Cia que
traz água e força para a cidade. Um caso aparentemente simples que aos poucos se
complica, quando se descobre que ela não é a esposa.
Comentários: Junto com Ladrão de Casaca, estes são
os dois primeiros filmes clássicos da Paramount que estão sendo lançados aqui no
Brasil em Blu-Ray para comemorar o centenário dos estúdios da Paramount. Ambos
têm notável qualidade de imagem e respeito ao original e merecem um lugar na sua
coleção. Eu assisti ao filme pela primeira vez numa viagem a Buenos Aires e não
gostei, já era crítico e não me conformei com minha atitude. Depois fui ver de
novo e percebi que havia reagido como espectador comum, que rejeita um final
não-feliz tradicional, quando este era justamente uma das maiores qualidades do
filme, fugir do convencional. Acabei fazendo a crítica favorável na certeza hoje
comprovada que este era um dos melhores filmes da época, e provavelmente a obra
prima do gênero. Difícil de classificar, meio suspense, meio policial, muito
mais próximo do film noir dos anos 40, até mesmo com sua resolução trágica e
pessimista.
Muitos diretores já sonharam em fazer um film noir moderno, ou seja,
colorido, com técnica atualizada, mas respeitando o clima fatalista e em voga no
cinema americano dos anos 40. Estranhamente, foi um polonês, Roman Polanski, que
chegou mais perto com essa fita. Ela tem uma moral extremamente ousada,
afirmando que “nas circunstâncias certas, qualquer pessoa é capaz de cometer
qualquer coisa, seja crime ou pecado”. Recusando a facilidade, é uma fita
longa, complicada, com uma história cheia de meandros e reviravoltas que nem
sempre o público é capaz de acompanhar. Aliás, exatamente como deve ser um
autêntico film noir.
O título é um pouco enganador, o máximo que se vê do bairro chinês são alguns
letreiros e um pedaço de rua (a Chinatown famosa é a de São Francisco e
não a de Los Angeles onde se passa a história). É muito boa a ideia dos
letreiros em preto e branco com a tela na proporção antiga e não widescreeen,
para só depois passar para o colorido, ainda assim, Polanski usa somente tons
pastéis e cores neutras, como se estas fossem realmente as cores da década de
30, da Depressão.
A música está igualmente bem colocada. O belo tema de amor, só
aparece quando o relacionamento dos personagens se torna mais sério. Aliás, se
sabe hoje que o diretor recusou a trilha musical original, por sugestão de seu
amigo compositor Brosnilau Kaper que a achava muito ruim. Contrataram o famoso
Jerry Goldsmith, que fez a trilha em apenas nove dias, de uma incrível
simplicidade, basicamente apenas um tema de pistom. Mas que marcou o filme.
Trechos da trilha original de Philip Lambro ainda podem ser ouvidos no
trailer do filme. A direção de Polanski é sem truques, limpa, direta e ganha
muito quando se fixa nos atores. Ele gosta de cenas longas com poucos movimentos
da câmera, mas adota sempre o ponto de vista do herói, quase sempre só sabemos o
que ele sabe e vê. Por isso que Jake é filmado com tanta frequência de costas.
Há algumas cenas que se tornaram antológicas: o momento de amor no banheiro, a
confissão aos tapas (que foram dados de verdade, quando não dava certo de outra
maneira), o tiroteio final. John Huston, que na década de 40 fez a reputação em
fita do gênero como A Beira do Abismo e Relíquia Macabra,
interpreta o velho Noah, como se fosse quase como uma homenagem a ele.
O roteiro mistura corrupção política com crimes misteriosos, capangas
sanguinários e finais surpreendentes. O detetive particular Jake Gittes, está na
tradição do gênero: é honesto, tem seu código de honra e uma amargura no
passado. Mas também é ingênuo (embora se ache muito esperto). É curiosa a ideia
de fazê-lo usar um curativo no meio da cara em grande parte da fita.
Gosto
particularmente da frase final: “Esqueça, é Chinatown!” Mas as revelações finais
foram na época chocantes, tornando o filme um estudo sobre as aparências. Nada é
aquilo que parece ser, por trás de cada rosa, há o estrume que a faz crescer.
Tal profundidade, tal fatalismo é fácil de se entender vindo de uma figura tão
sofrida, tão soturna como Polanski. Este foi o filme que consagrou
definitivamente Nicholson e trouxe outro belo trabalho de Faye Dunaway superando
uma maquiagem ingrata e um personagem difícil (ela orientalizou seu rosto,
enfeiando-o, usando um tipo de maquiagem que ela copiou de sua própria mãe). Ao
ver o filme, a gente sente exatamente a emoção de se perder um amor, seja aqui
ou em Chinatown.
Conta o roteirista Robert Towne (que fez depois Shampoo, Dias de
Trovão, Missão Impossivel 1 e 2) num featurette nesta edição que a
ideia do filme surgiu quando conheceu um policial que era sediado em
Chinatown, mas tinha ordens de não intervir ou interferir em nada. Por
isso que escolheu o lugar para ser pano de fundo. Certa época ele e Jack
Nicholson haviam morado juntos e trocaram muitas ideias sob o projeto que
originalmente seria uma trilogia sobre a cidade de Los Angeles, começando em
1937 e terminando em 1953. A intenção é que elas fossem feitas com o intervalo
certo entre elas (ou seja, os atores envelheceriam assim como os personagens).
Mas cada vez que pesquisava o assunto, Towne ia descobrindo mais absurdos e
escândalos, na administração de LA (que sempre foi famosa por ser muito
corrupta, tanto na policia quando dentre os políticos).
Para se ter uma ideia, nesta edição há um extra de uma hora e quinze sobre o
tema, dissecando o assunto e mostrando Town e visitando o aqueduto original.
Basicamente, houve uma negociata. Os políticos resolveram ir buscar águas nas
montanhas de Sierra Nevada/Owens Valley e trazerem a água para a cidade,
tornando o lugar original um deserto e lesando os fazendeiros locais (de quem
compravam as terras a preço de banana). É isso que o filme denuncia e que pode
ser complicado para o leigo entender. O documentário é longo demais e tem uma
trilha muito chata, mas ao menos deixa tudo muito explícito. Era nesse tipo de
jogada que está envolvido no filme Noah (Huston), o pai da heroína. Dizem mesmo
que o roteiro foi aprovado pelo município porque eles tinham certeza de que o
filme nunca conseguiria ser feito. Considerando que Los Angeles fica entre o
oceano e o deserto a água é de fundamental importância até hoje. Ou ainda mais
hoje em dia.
Towne afirma que sua motivação não foi política, mas poética, pois sentia a
falta dos odores, das coisas da infância que a cidade perdeu. Uma história sobre
a futilidade das boas intenções. Towne na época recusou fazer o roteiro da
adaptação de O Grande Gatsby, do produtor Robert Evans
(Chefão) e o convenceu a fazer este projeto (ajudou que todos eram
amigos próximos) trazendo de volta aos EUA o diretor Roman Polanski, que não
queria voltar aos Estados Unidos porque lhe trazia lembranças da sua mulher
Sharon Tate que fora assassinada quatro anos antes. Com relutância veio e aos
poucos se envolvem na historia. Fechou-se durante seis semanas com Towne e assim
mexeram no script. Eles não concordavam em algumas coisas. Polanski insistiu num
encontro amoroso do casal para que tivessem intimidade e num final que não fosse
feliz.
Na verdade, no original havia uma narrativa em off por parte do Detetive (que
foi eliminada) e no clímax Faye matava o pai. (CUIDADO SPOILER). Foi Polanski
que impôs que a cena final fosse em Chinatown (o que provocou a frase
famosa) e terminasse daquela maneira (uma das coisa mais fortes do filme é a
resolução da trama, coisa rara no cinema mesmo hoje em dia, ou, principalmente
hoje em dia onde tudo ficou mais careta e moralista).
Na cena final, a de transição teve que ser improvisada por Jack na última
hora. Como diz Polanski, na vida real, muitas vezes o culpado sobrevive e não há
justiça. Se fosse um final feliz, tudo seria esquecido no jantar depois do
cinema. Desta forma, o espectador sai pensando perturbado e nunca vai esquecer o
filme. Deu algo para eles pensarem.
Polanski elogia nas entrevistas todo o elenco inclusive Faye Dunaway com quem
teve brigas homéricas. Ela se comportava como Diva, mas o clímax foi quando na
cena do jantar no Brown Derby havia uns fios de cabelo que ficavam espetados e
atrapalhavam a fotografia. Ele acabou por arrancá-los e Faye fez um escândalo e
gritaria que forçou o fim das filmagens naquele dia. Polanski lembra também que
ele começou a rodar com o veterano Stanley Cortez que foi mandado embora porque
era lento demais e substituído por John Alonzo. Mas que ele não se incomoda
muito com iluminação, só faz questão absoluta de que fazer os enquadramentos,
para ele a coisa mais importante do filme.
Voltando a Faye, ela não aprovava os métodos grosseiros do polonês e ele
reclamava dela por causa dos atrasos da maquiagem e mudanças no diálogo. Ali
MacGraw estava prevista para estrelar o filme, mas quando largou o marido
produtor Robert Evans por Steve McQueen foi despedida da fita. Jane Fonda
recusou o papel. Polanski que era ator desde os tempos de moleque na Polônia faz
uma ponta marcante e eficiente como o gângster, todo vestido de branco e é
chamado de anão e corta o nariz do herói (no making of explica como foi feita a
cena).
Nicholson, conseguiu fazer em uma única tomada, a famosa cena em que ele é
levado pela água do reservatório. Robert Towne ganhou o único do filme, o de
roteiro. A fita foi também indicada como Melhor Filme, Direção, Fotografia,
Música, direção de arte, figurino, montagem, trilha musical, Som Ator e Atriz.
Ganhou Bafta de ator, direção e roteiro, Globo de Ouro de filme, ator, direção e
roteiro. Este foi o último filme de Polanski nos EUA, antes que pudesse
completar outro, teve que fugir do país para não ser preso pela sedução de uma
menor (e até hoje nunca mais pisou lá, morando desde então em Paris).
Chinatown todos concordam não conseguiria ser feita hoje em dia. Os
produtores obrigariam a ter um final feliz e uma conclusão mais amena. O
próprio Jack Nicholson estrelaria e dirigiria a continuação tardia em 1990,
A Chave do Enigma (The Two Jakes) que foi um grande fracasso.
Eis o que eu pensei do filme: A Chave do Enigma (The Two
Jakes, 1990).137 min.Cor.Paramount.Diretor: Jack Nicholson
Elenco: Jack Nicholson, Meg Tilly, Madeleine Stowe, Harvey Keitel, Frederic
Forrest, Ruben Blades, David Keith, Eli Wallach, Richard Farnsworth ,Perry Lopez
,Tom Waits.
Sinopse: Depois da Segunda Guerra, o investigador particular
Jake Gittes enriqueceu, ficou mais respeitado e ainda honesto. Encontra um
cliente chamado também Jake (daí o título original, Os dois Jakes) que
deseja dar um flagrante na esposa infiel. Mas há surpresas.
Comentários: Decepcionante continuação do clássico
Chinatown (1974), de Polanski, que durante anos foi planejada e
finalmente realizada pelo astro Nicholson (em seu terceiro e último filme como
diretor). Mas errou a mão. O roteiro de Robert Towne, o mesmo do original, é por
demais confuso e enrolado, quase impossível de acompanhar na mistura de nomes e
fatos.
Quem não viu o primeiro terá dificuldade de entender bem as reviravoltas da
trama. Parece que Jake Gittes nunca esqueceu o amor de Evelyn (Faye Dunaway que
morreu no fim da outra fita). O outro Jake mata o amante da esposa (que também
era seu sócio) e começa a suspeita de armação, com a polícia pedindo para
entregar uma gravação e a suspeita de que o caso envolva também a filha de
Evelyn. Não é difícil descobrir sua identidade (a cena final é dispensável, mas
o filme teve várias sequências refeitas, talvez impostas pelo estúdio). Mesmo o
elenco está irregular numa fita decepcionante, difícil de seguir e que foi
fracasso. Destaque para a bela fotografia e direção de arte, que conseguem
passar um clima de época.
Curiosidades:
Roman Polanski recusou o tom avermelhado e escuro no estilo Chefão
que o produtor Evans quis impor. A frase “Esquece Jake, é Chinatown” foi votada
como a 74ª frase mais famosa do cinema pelo American Film Institute.
Na lista dos melhores de todos os tempos ficou em vigésimo primeiro e no
gênero mistério ficou em segundo lugar.
Alguns elementos do roteiro original foram incorporados ao filme Roger
Rabitt, que deu uma visão de fantasia do mesmo material.
Só duas cenas fotografadas por cortes estão no filme (a luta no laranjal e a
volta de carro para Los Angeles no pôr-do-sol).
O título enigmático já foi explicado como querer dizer “fracasso, má sorte,
ou uma coisa que você não consegue entender direito”.
O roteiro hoje em dia é considerado um dos mais perfeitos e usados em escolas
e seminários.
Na época da filmagem Jack Nicholson estava de caso com a filha dele, Anjelica
Houston. Numa cena, Noah (Huston) pergunta para Jack “o senhor dorme com minha
filha?”.
Polanski não queria cortar seu cabelo longo para sua cena no filme.
Voltando à edição, ela tem muitos extras além dos mencionados: Chinatown
: Começo e o Fim, Filmando Chinatown, O Legado de
Chinatown. Mais comentário do roteirista com o diretor David Fincher,
trailer de cinema e uma avaliação.
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