(100 anos de Paramount)
100 anos de Paramount. Revisitando Ladrão de Casaca.
Lançamento Brasil em Blu-ray: Ladrão de Casaca (To Catch a Thief).
Áudio: Inglês, espanhol, português, francês. Leg: Port, espanhol, inglês, francês. Suspense.
Widescreen 1.85:1. 106 min. Cor. 1955. EUA.
Paramount. 14 anos. Direção: Alfred Hitchcock
Elenco: Grace Kelly, Cary Grant, Jessie Royce Landis,
Brigitte Auer, Charles
Vanel, John Williams, Georgette Anys, Jean Martinelli, Roland Lesaffre.
Sinopse: John Robie, o Gato, é um ladrão de joias aposentado
que vive na Riviera Francesa. Torna-se suspeito quando começam a acontecer
assaltos usando seu estilo e é obrigado a voltar à ativa para provar sua
inocência.
Comentários: Este foi o primeiro filme de Hitchcock
(1899-1980) que realmente me marcou quando ainda era bem criança. Já tinha
assistido outros filmes dele , em particular Janela Indiscreta,
imediatamente anterior e que hoje considero sua obra-prima.
Mas este era mais aventura, mais suspense, rodado em locações autenticas na
Riviera francesa e tinha perseguições e fazia jus ao apelido dele de mestre do
suspense. Incluindo um final inesperado (hoje, claro, que nem tanto) e a
presença deslumbrante de uma Grace Kelly (1929-82), no auge da beleza, charme e
elegância.
O filme foi dos primeiros rodado pelo processo de Widescreen (o inicial foi
Natal Branco, mas este aqui foi feito com muito exterior na Europa!), o
Vistavision (que era a resposta do estúdio ao Cinemascope da Fox).
O segredo dele era fazer a película correr horizontalmente (e não na
vertical) e assim aumentava o campo fotografado (dava até para dois fotogramas
por vez).
O resultado era que o foco não ficava apenas naquilo que era fotografado num
primeiro plano, mas também todo o background. E justamente por causa disso que
ele resulta tão bem agora em Blu-ray.
A imagem está nítida, clara, e só senti um pequeno problema numa ceninha
(quando Cary Grant está no telhado já no fim do filme). Mas, em geral, até as
cenas de back-projection (projeção de fundo) estão funcionando e não parecem
falsas (talvez seja bom explicar que, na época, para cenas de diálogos, os
diretores preferissem rodar esses momentos mais íntimos, que exigem melhor
qualidade de som no conforto de um estúdio, com uma tela projetando as imagens
que dão a impressão de movimento). Em filmes posteriores de Hitchcock como
Marnie, ele ficou descuidado.
Mas aqui metade do filme foi feito em externas e outra metade na própria
Paramount.
Um dos extras mais interessantes desta edição mostra um “travelogue”, com um
mapinha da região (que vai de Nice a Cannes, enquanto Mônaco só é mostrado de
longe). E localiza os lugares onde foi feito o filme dando também alguns
detalhes turísticos.
Como eu fui muitos anos ao Festival de Cannes, em geral, eu chegava um pouco
mais cedo e aproveitava para viajar naquela redondeza e conheci justamente tudo
que o filme mostra. Nice, a maior cidade da região (e que me lembrava a Santos
de minha infância!), a estrada muito estreita e perigosa que eles chamam de La
Grand Corniche, a ponte de Eze (caminho já para a Itália), toda a região
montanhosa do rio Loup (Lobo) onde se plantam flores para fazer perfumes, a
cidade de Cagnes Sur Mer (onde foi feita a cena do cemitério). E principalmente
Cannes.
Este é um dos filmes onde melhor mostra o hoje lendário e centenário Hotel
Carlton, onde são usados também os salões e saguão de entrada.
Cheguei mesmo a me hospedar no Carlton e durante esses anos estive com
frequência lá acompanhando palestras e entrevistas, às vezes também na faixa de
areia (que não mudou muito do que mostra o filme, aliás, numa cena com Grace e
Cary Grant dá pra se ver atrás o antigo Palácio do Festival, que foi derrubado
absurdamente). Ou seja, me provoca saudade e até certa melancolia.
Hitchcock escolheu justamente aquela região porque ele desde quando ainda
morava na Inglaterra habitualmente passava férias por lá.
A rodagem seriam quase férias pagas pelo estúdio, quando aproveitava a
qualidade da comida mediterrânea local (Hitchcock era um gourmet e se pode
confirmar isso, por alguns detalhes: as frequentes conversas em seus filmes
sobre comida e seu ódio por ovos (fritos em particular) que ele detestava e que
aqui surgem duas vezes (numa delas, Jessie apaga um cigarro neles).
A maior falha desta edição (que usa extras também das anteriores de 2009 e
2002), é nem sequer mencionar o fato histórico e celebre de que foi por causa
deste filme que Grace visitou a região e acabou conhecendo o Príncipe Rainer e
se tornaria mulher dele e Princesa de Mônaco (na verdade, foi por causa de uma
reportagem para a revista Paris Match e bolada por Pierre Galante, marido da
estrela Olivia de Havilland).
Enfim, os dois se conheceram e Rainer queria uma figura famosa para casar e
que ajudaria na divulgação do pequeno principado que vive do jogo no famoso
Cassino de Monte Carlo (nome que também designa o lugar).
O resto é histórico, Grace largou o cinema depois de O Cisne e
Alta Sociedade (56) e nunca mais voltaria (Hitchcock nunca se conformou com
isso e o resto da vida passou tentando convencer Grace a retornar, quase
conseguiu isso com Marnie.
Mas teve que voltar atrás quando os cidadãos de Mônaco foram contra. Então
procurou uma nova Grace Kelly na figura de Tippi Hendren, que nunca chegou a
seus pés.
Grace havia substituído Ingrid Bergman no coração de Hitchcock e fez com ele
três filmes (Janela, este e o anterior Disque M para Matar).
Era uma atriz delicada e ganhou um Oscar discutível por Amar é Sofrer
(dizem que Judy Garland que deve ter levado o prêmio).
Outra coisa que a edição não mostra é que a morte de Grace Kelly, num
acidente de carro ocorreu justamente ao lado do lugar onde ela faz o piquenique
com Grant e louva a beleza da vista (também estive lá e na verdade fica num
perigoso barranco e foi milagre o carro não despencar).
A versão oficial da tragédia diz que Grace teve um AVC que provocou o
acidente do carro e a morte. Não parece ser verdade a versão de que a filha
princesa Stephane estivesse dirigindo sem habilitação. Enfim, sua morte
prematura confirmou a lenda da única estrela/princesa americana.
Por tudo isso que este filme tem a fama de ser o trabalho que Hitch menos
gostava simplesmente porque lhe fez perder a sua estrela preferida, por quem
estaria até secretamente apaixonado. Foi chamado de “Champanhe Hitchcock”, uma
fita de romance e suspense, rodada num estilo que lembrava fitas de ladrões
galantes como Arséne Lupin e que depois seria imitado em filmes como Charada
e Arabesque, ambos de Stanley Donen.
Cary Grant aos 50 anos já pensava em se aposentar mas o sucesso do filme deu
novo vigor a sua carreira (na época o estúdio tinha medo de ter um romance entre
ele e uma garota com metade da idade, o que nem passa pela cabeça do
espectador, até porque é sempre ela que dá em cima dele).
Grant faz o herói com seu charme habitual, um americano que era de circo e se
tornou famoso ladrão, depois membro da resistência anti-nazista, passou tempo na
prisão e se reformou.Vive isolado numa casa na montanha e se aborrecer quando
alguém comete crimes usando seus métodos.
Quem faz o dono de restaurante que era velho amigo dele é o muito veterano
ator francês Charles Vanel (1892-1989), famoso por O Salário do Medo.
Ele dizia os diálogos foneticamente e teve que depois ser dublado por outro.
Também tem papel importante a francesa Brigitte Auber (1928), que nada a ver
com a Bardot, que não fez a carreira que pretendia mas chegou a aparecer em
O Homem da Máscara de Ferro, com Di Caprio em 98).
É curioso que, na cena do mar, Grace insiste que Brigitte é muito mais nova
que ela. Quando na verdade, a francesa tinha um ano e meio a mais e aparentava
isso! Quem rouba o filme é a atriz de teatro que faz a mãe de Grace, a divertida
Jessie Royce Landis (1896-1972), que mais tarde seria a mãe de Grant em
Intriga Internacional, também de Hitchcock. Uma mulher muito engraçada
que deveria ter tido melhor chance em outros filmes.
O filme é valorizado por um roteiro sofisticado de John Michael Hayes
(1919-2008) que fez também fez Janela Indiscreta, O Homem que Sabia Demais,
A Caldeira do Diabo, Infâmia, Disque Butterfield 8. Seu forte eram os
diálogos e Hitchcock brigou muito com a censura para conservar várias frases e
momentos de duplo sentido.
Um deles em que Grace pergunta se prefere coxa ou peito foi improvisado pelo
casal. Mas não outros que hoje dão ao filme um tom de screwball comedy (comédia
maluca) dos anos 30. Tem vários desses momentos marcantes: quando Grace da um
beijo inesperado na porta do seu quarto, quando provoca Grant mostrando apenas
suas joias, quando os dois se beijam e os fogos explodem como se fossem orgasmos
(desde sua estreia era muito clara a metáfora superimitada posteriormente).
O título original confesso que nunca tinha me dado conta é inspirado no
velho Axioma: "É preciso ser ladrão para prender um ladrão”, que por sinal é bem
ilustrado pelo filme.
Outro ponto alto do filme é a fotografia em technicolor de Robert Burks
(1909- 68), que por este filme ganhou um Oscar da Academia e que consegue criar
clima e emoção, principalmente nas famosas cenas de perseguição pelos telhados e
logo no começo com imagens subliminares do verdadeiro gato. Burks foi também dos
primeiros a usar imagens fotografadas por helicóptero (que funcionam lindamente
no filme).
Basta dizer que este foi o quinto filme dele com Hitchcock e que também
iluminou Janela Indiscreta, Um Corpo que Cai, Pacto Sinistro, Intriga
Internacional, Os Pássaros e o filme com o diretor Marnie. Ou seja, um
gênio.
A minha surpresa foi constatar como é boa a trilha musical do filme embora
tenha sido feita por um compositor quase desconhecido chamado Lyn Murray
(1909-89) – que nunca fez nada de extraordinário, nem com As Pontes de Toko
Ri, tendo trabalhado mais para a teve (como em Dragnet).
Ele foi também a pessoa que apresentou Hitchcock para aquele que viria a ser
seu compositor mais marcante, Bernard Hermann (logo a seguir). Uma curiosidade:
na sequência do mercado das flores havia no roteiro uma perseguição ainda com
uma espécie de desfile de Carnaval e Cary se escondendo dentre de um carro
alegórico com a cabeça de Netuno.
Mas iria custar muito caro e foi cancelada. A ponta tradicional do diretor
desta vez é dentro de um ônibus de interior onde entra Cary, senta-se na última
fileira do lado de uma gaiola com passarinhos, a câmera corrige para a direita e
lá está Hitchcock.
Falando de pássaros, a neta dele conta que os periquitos que aparecem no
filme The Birds, Hitch deu de presente para ela. Mas os dois se odiavam
e acabaram se matando, voando pena para tudo que é lado!!
A edição traz ainda um featurette sobre Edith Head, a brilhante figurinista e
recordista de Oscars (ganhou oito e aqui foi apenas indicada embora algumas das
roupas de Grace tenham se tornado ícones). Edith usava sempre óculos escuros com
a desculpa de que com eles podia ver em tom azul o que ajudava em filmes em
preto e branco.
Outro bem interessante Uma Noite com Hitchcock, mostra uma
entrevista com a filha única de Hitchcock e sua neta na Universidade de Southern
Califórnia com o professor Drew Casper.
Entre outras coisas, elas dizem que o filme favorito dele era A Sombra de
uma Dúvida, que este admirava Cecil B. De Mille e Steven Spielberg, que o
adorava contar piadas sujas, que realmente preparava tudo antes, que era um
péssimo motorista, que não lia críticas que só se importava com que o público
pensava e que era um excelente pai e homem de família. E que imaginem só ele
quase que fez Confidências a Meia Noite, com Doris Day!
Houve ainda uma terceira indicação ao Oscar para direção de arte, feita pela
equipe do estúdio.
Traz ainda como extras: A Censura em Hollywood (sobre como funcionava o
sistema de auto censura na industria do cinema), Cary Grant e Grace Kelly (sobre
a carreira dos astros), Alfred Hitchcock – Uma Avaliação/ Writing and casting
of To Catch a Thief (escrevendo e escolhendo o elenco do filme),
Making-of featurette Alfred Hitchcock e Ladrão de Casaca
(todos com depoimento da filha e neta dele, estudiosos), trailers, galerias
de foto, o featurette uma Apreciação e o comentário em áudio do professor
Casper.
RUBENS EWALD FILHO
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