Amy Winehouse parecia ter, dentro daquele corpinho frágil, quebradiço, uma negona americana, dessas que soltam o berreiro no gospel ou se esgoelam no melhor rhythm & blues.
Experimente ouvir de olhos fechados Mr. & Mrs. Jones, que está no álbum de maior sucesso dele, Back to Black (de 2006). E também Rehab. E tantas outras. Ninguém haveria de dizer que a voz vem de uma criatura tão esquálida, tão dramaticamente indefesa, tão desesperadamente carente – uma inglesinha criada num bairro periférico de Londres, de família de classe média baixa e limitadas perspectivas de vida.
Southgate, o bairro em que ela nasceu e que a explica bastante, a ela e à música dela, fica no norte de Londres, apesar deste South, Sul, aí do nome. Tem um setor agradável, arborizado, de casas afluentes, e um centro movimentado, de mistura étnica e atmosfera proletária.
O bairro tem sua peculiaridade no número de sinagogas (Winehouse era de origem judaica), de maçons, de indianos ricos e de pubs, e olha que estamos falando de Londres, a capital mundial dos pubs.
Andei pesquisando as fotos dela. Não há uma única em que ela apareça sorrindo de forma plena, espontânea. “A menina triste” (como a imprensa inglesa a chamou, nos necrológios prontos com enorme e previsível antecedência) não conseguiu suportar a luminosa explosão de seu próprio talento e o preciosismo radicalmente atormentado que, se serviu de alimento para sua feroz criatividade, também acabou por levá-la à autodestruição.
O bicho da depressão a comeu por dentro. E a exigência que ela – de aparência tão desleixada – tinha consigo mesma.
Amy Winehouse deixa obra pequena se comparada a outras estrelas pop que partiram cedo como ela, Jim Morrison, Kurt Cobain, Janis Joplin. Mas, na qualidade, faz parte do primeiro time.
Vermeer não chegou a pintar 40 quadros em toda a sua vida e os holandeses o colocam no mesmo nível de Rembrandt e de Van Gogh. James Dean fez três filmes, e está no panteão de Hollywood. Elizabeth Bishop desponta entre os três maiores poetas americanos do século 20 tendo escrito apenas 50 poemas.
Amy Winehouse nunca chegou a divulgar o tão prometido terceiro álbum.
A arte não se mede por centimetragem.
FONTE: http://noticias.r7.com/blogs/nirlando-beirao