Em Busca do Tempo Perdido
Por André Rodrigues
Aos 40 anos, Alessandra Negrini reflete sobre a passagem dos anos, celebra a nudez, revela angústias e diz que um sorriso na cara é necessário para combater a eterna fama de mulher difícil
Foto: Daniel Aratangy
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É domingo à noite, e Alessandra Negrini está 20 minutos atrasada. Nosso encontro se dará em um restaurante da moda nos Jardins - há velas acesas em todas as mesas, fazendo com que o ambiente adquira um ar romântico. Sinto o efeito oposto: as sombras na parede e o pesado candelabro no teto indicam mais que estou em uma masmorra, próximo de encarar a forca. Reportagens em outras revistas e depoimentos de colegas jornalistas me levaram a acreditar que em breve estaria diante de Alessandra, a Terrível. Como na história da esfinge, se não decifrasse seu enigma, com certeza seria devorado.
A fama de difícil e inquisidora alimentou um mito em torno dessa atriz de 40 anos, paulistana, criada em Santos. A boataria sobre o lado entojado de Alessandra chegou ao pico há quatro anos, quando protagonizou uma novela das 8 da Rede Globo e pegou logo as duas personagens principais - a gêmea boa (Paula) e a gêmea má (Taís) em Paraíso Tropical, de 2007. Desde então, fez participações em séries, alguns filmes e peças. Como esse tempo longe do centro das atenções teria afetado seu humor? Para enganar a ansiedade, repasso a carreira da atriz e me concentro, como talvez qualquer homem faria, nas cenas em que ela aparece... nua. E são muitas.
Mas Alessandra enfim chega. Toda de preto, jaqueta, bolsa, cabelo, tudo. "Desculpe o atraso... É o trânsito", ela tenta se explicar. Sei que o apartamento que comprou em São Paulo fica muito próximo do restaurante onde estamos, porém nada comento. Ela quebra o silêncio: "É brincadeira! Eu moro aqui do lado", ri como uma garota levada que acabou de pregar uma peça. Mas logo fica séria, afunda o rosto no cardápio e me pergunta gentilmente se quero comer algo. Observo os gestos miúdos, a tranquilidade, e vejo que terei de descobrir se aquele monstro das revistas de fofoca é pura ilusão ou se na verdade Alessandra Negrini enviou uma gêmea boa para dar a entrevista em seu lugar.
Ela havia acabado de voltar de um giro pela Europa, passando pelo Festival de Cannes, onde foi assistir à estreia mundial de seu filme mais recente, O Abismo Prateado, de Karim Aïnouz - que deve ser lançado no Brasil ainda este ano. Baseado na canção "Olhos nos Olhos", de Chico Buarque, o longa conta a história de uma mulher abandonada pelo marido. "Foi muito difícil. Muito difícil", ela reflete. "Um dia na vida dessa mulher. Você fica muito exposto, né. E se eu errei? Sempre dá uma insegurança." Mudamos de mesa para evitar uma suposta corrente de ar que estaria a deixando ainda mais resfriada. Alessandra pede uma taça de vinho rosé, filé, vegetais na chapa e purê de batata. Como irá confirmar depois, gosta de comer e beber. São prazeres que não sacrifica apenas para manter a boa forma. Além de Abismo..., também aguarda a entrada no circuito de Dois Coelhos, primeiro filme de Afonso Poyart, em que faz uma advogada corrupta. Ela ainda não viu a obra finalizada, mas o trailer indica uma linguagem rápida, com sequências em animação e referências do universo dos quadrinhos para atrair os jovens.
Mas a molecada que atualmente frequenta os cinemas multiplex - e seria o público-alvo de Dois Coelhos - não tem ideia da comoção que os seios de Alessandra Negrini causaram em 1995, quando a minissérie Engraçadinha - Seus Amores e Seus Pecados foi exibida na TV Globo. A personagem de Nelson Rodrigues teve a sua fase jovem interpretada pela atriz, no que foi seu primeiro papel de destaque na televisão. Sua simples presença em cena fazia homens uivarem de desespero. Com um olhar sedutor, provocava, espezinhava e atormentava até mesmo a mente do padre mais resoluto. Quem acha Megan Fox o limite máximo da sensualidade em cena com certeza não viu Engraçadinha em ação. Na época com 25 anos e apenas duas participações em novelas, Negrini virou a "namoradinha sacana" do Brasil. Foi o papel que não apenas a lançou para a grande massa como também a desnudou, o que se tornaria uma constante em sua carreira.
"Todo filme que eu fiz, eu fiquei nua. Mas eu não me sinto nua, mas vestida pela linguagem", ela argumenta. Solteira, prestes a completar 41 anos no dia 29 de agosto, tem dois filhos (Antônio, 14, e Bettina, 6) e é uma das atrizes de sua geração que mais usam o corpo como instrumento de trabalho no meio audiovisual brasileiro. "Talvez eu fosse meio despudorada mesmo. Não me sinto mal em ficar nua. Tem gente que não gosta, né? Eu até gosto", ela fala fitando meus olhos, o que me deixa constrangido, já que alguns minutos antes a imaginei tomando banho num riacho na pele de Isabel Olinto, a perturbada personagem que criou na minissérie A Muralha (2000).
Você lê esta matéria na íntegra na edição 58.
FONTE: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/58/textos/em-busca-do-tempo-perdido/
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