Avaliação: NOTA 5
 
 

Por que insistir com a franquia “Carros”? Por mais que a Pixar já tenha provado que sabe como fazer continuações (vide “Toy Story 2” e “Toy Story 3”), não há respostas plausíveis, com justificativas que abordem apenas o ponto de vista da qualidade cinematográfica, para a pergunta acima. A indiscutível potencialidade comercial, que supera a de qualquer outro filme do estúdio, parece ter sido o principal motivo para esta sequência. Infelizmente. E as baixas expectativas se confirmam, com uma animação que prima pela técnica, deixando sua história de lado, mais aparentando ser uma produção da DreamWorks pela falta de originalidade.

A impressão é de que a direção de John Lasseter e, principalmente, o roteiro de Ben Queen pouco se esforçaram para consertar os erros do longa anterior, promovendo escassas mudanças. E mesmo algumas delas não funcionam, sendo cruciais para o decepcionante resultado final. A maior dessas falhas, sem dúvidas, é a mudança de protagonista. Certo que Relâmpago McQueen nunca foi um personagem carismático. Mas isso não significa dizer que o melhor coadjuvante do filme de 2006, o extrovertido e “matuto” Mate, possa assumir o lugar do melhor amigo sem qualquer tipo de cerimônia, dando a impressão de que estamos assistindo a uma animação feita diretamente para lançamento em DVD (alguém falou “Mate em aventuras pela Europa”?).

Dessa forma, torna-se no mínimo estranho ver McQueen servindo de alavanca para que Mate brilhe com suas piadas e sotaque acentuado. No entanto, tudo seria amenizado se a história permanecesse em território americano, principalmente em Radiator Springs, apostando na simplicidade. O roteiro, porém, não só decide que o carro-guincho viaje pelo mundo, como também faz com que ele vire um espião, ainda que atrapalhado. Isso mesmo, “Carros 2” é um filme de espionagem, com direito a supertecnologias, os mais diversos disfarces e um vilão que só será revelado no últimos momentos de projeção.

O pior é que nem mesmo a trama policial demonstra-se atraente e bem arquitetada. Querendo promover rasas reflexões sobre o mau uso dos combustíveis (para pouco depois, numa única frase, contradizer-se completamente), o roteirista entrega perseguições, torturas e sabotagens que circundam um mistério que nunca demonstra-se intrigante. Na verdade, a única resposta que o infantil script prefere esconder do espectador é exatamente a identidade do verdadeiro líder do bando maléfico, algúem já identificável no segundo ato do filme. Escolher uma falsa câmera como principal arma deles também não ajuda, assim como criar “incríveis” artimanhas tecnológicas para livrar os mocinhos.

Nesse quesito, faltam limites para “Carros 2”. Se você acha que os automóveis não podem nadar ou voar, está extremamente errado. Pelo menos no universo inventado por John Lasseter, tudo isso pode acontecer, de uma forma que até James Bond ficaria com uma pontinha de inveja. Logo, torna-se desanimador ver Mate e companhia safarem-se do cerco inimigo num piscar de olhos, dispensando a inteligência e colocando os recursos técnicos em evidência. Por falar em companheiros de Mate, nenhum deles cativa, emociona ou faz ri, nem mesmo os mais novos rostos.
Se os parceiros de espionagem não acrescentam nada de surpreendente (falhando, inclusive, na tentativa de fazer nascer um envolvimento amoroso), os antigos colegas passam ainda mais despercebidos. A ausência de Relâmpago McQueen busca ser compensada com a inclusão de uma crise na sua amizade com o carro-guincho. Mas a falta de coração do longa impede que ele se torne marcante. O único que se destaca é Francesco Bernoulli, o adversário italiano de McQueen, sempre com uma frase provocativa na ponta da língua. E quando a chatice se destaca, é sinal de que algo está muito errado.

As risadas também são escassas e não vem de fatos causados pelos próprios personagens. As versões automobilísticas de situações iminentemente humanas se encarregam mais uma vez de fazer o esboço de um sorriso nascer no rosto do espectador. Vê-los indecisos sobre qual banheiro utilizar e ainda constatar que o papa existe no mundo deles é realmente interessante. Mas nada além. Mate também motiva gargalhadas, mas elas cessam quando nos cansamos das situações embaraçosas que o roteiro faz com que ele se meta.

Em termos técnicos, “Carros 2” não pode ser criticado. É realmente impressionante ver Paris, Roma e Tóquio retratadas com extrema fidelidade, assim como se deparar com a grandiosidade das plataformas de petróleo em pleno mar, dentre outras sequências estupendas. Mas a Pixar nunca deu à técnica uma função primordial. Era um complemento necessário. Desta vez, porém, ela toma o lugar do roteiro criativo e vira o atrativo principal. Um erro crucial. Permaneçamos quietos desta vez, porque a Pixar finalmente errou pra valer. Guardemos as palmas para uma próxima oportunidade.
____
Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.