Assalto ao Banco Central: filme mergulha no humor involuntário
O longa é mais engraçado que alguns exemplares recentes do humor nacional. A tragédia é que o filme não é uma comédia.
Avaliação: NOTA 2
O verdadeiro furto que aconteceu ao Banco Central em Fortaleza foi algo hollywoodiano. Cerca de R$ 164 milhões sumiram do cofre do prédio sem que um tiro sequer fosse disparado. A complexidade do túnel cavado para o crime impressionou até mesmo profissionais da engenharia. A trama tinha tudo para gerar um filme espetacular. Esse não é o caso de “Assalto ao Banco Central”.
Ficcionalizando os eventos reais, os roteiristas focam sua história em um “gênio do crime” conhecido apenas pela alcunha de Barão (Milhem Cortaz). Após ter a ideia do furto, ele e sua amásia, Carla (Hermila Guedes), passam a contratar uma equipe para ajudá-lo no ataque, em uma sequência que lembra muito “Onze Homens e um Segredo”, diga-se de passagem, inclusive com apresentações engraçadinhas para alguns membros da quadrilha.
A partir daí, acompanhamos em paralelo as investigações do Delegado Amorim (Lima Duarte) e de sua especialista forense Telma (Giulia Gam), com o longa adotando uma montagem não-linear para intercalar as duas narrativas, com o planejamento do furto e Amorim interrogando os suspeitos do crime. É, exatamente como em “O Plano Perfeito”, de Spike Lee.
Um dos grandes problemas do filme é sua falta de identidade, roubando diversos elementos de produções conhecidas, o que resulta em uma completa falta de tom próprio. Utilizar ideias de outros trabalhos é algo comum. O que mata é quando essas referências impedem a produção de encontrar uma voz, com os ecos dos referenciados se mostrando mais presentes que a própria fita.
Tentando remediar esse defeito, os roteiristas investem pesado em alívios cômicos e em frases de impacto, que acabam por agravar a situação, tendo em vista que tais excessos acabam dando à produção um clima kitsch, que gera situações ridículas de humor involuntário. O filme ainda perde em tensão, com o espectador já sabendo quem será preso ao longo da projeção não só por conta da montagem não-linear, mas por conta da verdadeira metralhadora de clichês com a qual somos fuzilados durante a projeção. Destarte, o humor, mesmo que involuntário, é o elemento que acaba prevalecendo.
Enquanto os personagens de Gero Camilo e Tonico Pereira até que funcionam (com exceção de uma gag escatológica que não tem nenhuma função na trama), o afetadíssimo Devanildo, vivido por Vinicius de Oliveira, se torna uma caricatura ridícula, em um raro exemplar de figura que deve ofender os religiosos e os defensores dos direitos dos homossexuais ao mesmo tempo.
É difícil falar em caricaturas sem citar o Barão e sua amante, Carla. O primeiro, vivido pelo talentoso Milhem Cortaz, parece um vilão saído dos filmes para DVD de Steven Seagal. Sempre com um tom de voz controlado, o criminoso não mostra grandes emoções mesmo em uma briga que deveria ser passional, anda de maneira rígida e solta fraes de efeito a torto e a direito. O Barão é uma figura que seria mais interessante se o longa abraçasse a tosca visão que tem do personagem. Falemos sério, não dá para respeitar alguém que chega em cena falando “Romeu e Julieta eram peixinhos num aquário” como se fosse a coisa mais inteligente do mundo.
E Carla… Bem, está lá para ser “a sedutora”, sempre fazendo caras e bocas com ajuda de cigarros e chicletes. Chega a ser triste assistir uma ótima atriz como Hermila Guedes passar por um papelão desses. Como quase todos os personagens que vemos em cena, Carla é completamente unidimensional e desinteressante, sendo definida apenas pela sua função em tela, jamais sendo mostrada com qualquer profundidade.
Aliás, interessante notar que essa profundidade que falta aos larápios é inserida de maneira forçada nos policiais. A vida pessoal de Telma e o jeito de veterano de Amorim são tão martelados na cabeça do espectador que se torna impossível não notar que tais características só estão lá para dar algo com que Giulia Gam e Lima Duarte pudessem trabalhar e criar alguma tensão entre os dois. Se torna mais barulho, não algo que agregue à produção.
Tentando encher linguiça, o roteiro ainda enfia uma dupla de policiais corruptos na trama, cuja participação simplesmente não se resolve dentro da história, sendo um subplot inútil que chega do nada e não dá em lugar nenhum, servindo apenas para complementar a metragem do longa e marcar mais um clichê na listinha.
O pior é que, conhecendo os talentos envolvidos, não dá para culpar os atores. O cineasta Marcos Paulo tomou uma série de decisões equivocadas quanto ao projeto, a começar pela estrutura narrativa, que inviabiliza desnecessariamente boa parte das surpresas que a projeção poderia reservar. As sequências de ação também não são lá muito primorosas, tendo uma cena de perseguição envolvendo um caminhão-cegonha que é simplesmente constrangedora.
Outro erro do diretor foi depender da trilha sonora exagerada para tentar (sem sucesso) gerar alguma tensão, com as composições mais servindo para acentuar os absurdos vistos em cena do que para qualquer outra coisa. Um exemplo claro disso são as entradas “triunfais” do Barão, todas pontuadas pela trilha de maneira risível.
Sem jamais reconhecer os próprios exageros e desperdiçando um ótimo elenco, “Assalto ao Banco Central” é mais uma tentativa frustrada de criar um novo “Tropa de Elite”, se juntando a “Segurança Nacional” e “Federal” na fila dos rejeitados. A única lição que a fita deixa é que se você joga xadrez com você mesmo duas vezes, o resultado é que você perde. Duas vezes.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.
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