Games/HQs: Já tentou definir o que é ser um herói? Discuta essa questão
A ficção espelha a realidade na alma humana. Quais são os exemplos de heroísmo presentes nas HQs, filmes e livros e será que eles realmente refletem o que é ser um herói?
O que é ser um “herói” hoje em dia? O conceito de herói se molda com o passar dos anos em uma sociedade, dependendo de seus valores. Era aceitável ver um herói destruindo seus inimigos na Idade Média e em histórias análogas àquele período. Afinal, tratava-se realmente de uma época mais brutal. Mas e hoje, quando, ao menos em tese, somos mais civilizados, evoluídos?
Um dos momentos mais marcantes em “O Império Contra-Ataca” é quando o Mestre Yoda diz que “Guerras não tornam ninguém grande“. Pessoalmente, tenho um conceito de herói que um amigo definiu como “excessivamente cristão”. Para mim, não basta o herói realizar grandes feitos, mas inspirar as pessoas a serem melhores, a evoluírem espiritualmente.
Caso em ponto: em 2008, chegaram aos cinemas “Batman – O Cavaleiro das Trevas” e “Homem de Ferro”. Enquanto o Homem-Morcego mostrou que prezava, acima de tudo, a santidade da vida, Tony Stark matou sem dó ou piedade vários terroristas da organização “Os 10 Anéis”. Pior, ele INCENTIVOU outros a matarem, no momento em que largou um terrorista nas mãos de uma multidão enfurecida. Por mais que me empolgue com as aventuras cinematográficas do Vingador Dourado, este não entra no meu conceito de heroísmo.
Batman e Homem de Ferro são personagens contemporâneos, que habitam o imaginário de nossa sociedade. Ambos são capitães da indústria, com recursos infinitos à disposição Mas as atitudes de qual dos dois nos guiariam a nos tornar pessoas melhores? Bruce Wayne joga o próprio nome na lama, mantém suas ações beneficentes em sigilo, se vê forçado a fazer sacrifícios enormes, mas nunca abre mão de seus ideais. Já Stark, logo no primeiro filme, solta o seu famoso “Eu sou o Homem de Ferro“. Ele é o cara rico, famoso, com brinquedos legais e garotas lindas. O Homem de Ferro é quem queremos ser. Batman é quem admiramos, quem deveríamos aspirar a ser.
Impossível falar de ideais cristãos em matéria de quadrinhos e não falar do Superman. Os ideais do Homem de Aço já foram discutidos nessa coluna, portanto não vou me repetir. A questão é que tais crenças são ditas “ultrapassadas” desde os anos 1980. Há uma excelente graphic novel chamada “O Reino do Amanhã” que lida exatamente com essa questão.
Nela, o Superman se exila após o assassinato de Lois Lane em um ataque do Coringa. Quem captura o Palhaço do Crime não é o Kal-El, mas um novo herói chamado Magog, que executa o vilão ali mesmo, sendo depois preso pelo Kryptoniano e absolvido em um julgamento público. A população preferiu um herói que mata a um que não mata. O resultado, anos depois, é que Magog e seus seguidores causaram uma tragédia de proporções bíblicas justamente por conta de sua sede de sangue. Tal incidente força o Superman a sair de seu exílio e tentar encontrar seu lugar em um mundo que, apesar de rejeitar seus ideais, precisa mais do que nunca deles.
Outro aventureiro fantasiado de vermelho e azul que vale a pena ser citado é o Homem-Aranha. O jovem Peter Parker é agraciado com poderes aracnídeos e, momentaneamente, cai na tentação de usá-los apenas em proveito próprio. Com a morte do seu Tio Ben, sua maior figura paterna, o rapaz percebe que seus dons devem ser usados para o bem maior, acarretando uma responsabilidade maior do que a satisfação de suas próprias necessidades.
Passando por sucessivas tragédias, Parker aprende o dever da abnegação que segue o dom de ser superdotado. Um ponto interessante levantado no filme “Homem-Aranha 3″ é o desapontamento que a tia de Peter, May, sente quando seu sobrinho lhe conta que o Aranha havia matado o homem responsável pela morte de Ben. Peter então percebe a corrupção (literal) que havia tomado conta de si, com o conselho de sua tia lhe lembrando que aquela ação egoísta colocaria a perder tudo aquilo que seu alter-ego representa. Temos então, novamente, o princípio do respeito à vida humana norteando as ações do herói.
Saindo um pouco dos quadrinhos e nos aventurando em fenômenos culturais britânicos, vamos dar uma olhada nas séries “Harry Potter” e “Doctor Who”. Na primeira, o personagem-título se recusa a usar força letal contra seus adversários, mesmo em tempo de guerra, chegando a ser reprimido por um de seus aliados mais próximos por tal atitude. No mundo de Harry, a maldição da morte, “Avada Kedrava“, é vista como imperdoável e, até o fim, não importando as perdas que sofreu ou os crimes de seus adversários, o jovem mago jamais recorre ao uso de forças letais.
Isso encontra eco em outro grande herói do panteão inglês moderno, O Doutor, protagonista da clássica série de ficção “Doctor Who”, no ar nas tevês britânicas desde 1963. Um Senhor do Tempo do planeta Gallifrey, O Doutor adotou tal alcunha por desejar ser “o homem que faz as pessoas melhores”. Sem se utilizar de armas, ele resolve problemas insolúveis apenas com a inteligência e se vê como um explorador, nunca como um guerreiro.
Sim, ele já teve de tomar decisões impossíveis, mas é justamente por permanecer fiel às suas crenças que cada um desses momentos se tornam mais dramáticos. Ele crê no potencial humano de alçar as estrelas e sair das trevas. Seu otimismo em relação ao futuro possível da humanidade é contagiante e faz com que o público acredite no melhor lado da sua natureza.
Este, para mim, é o papel de um herói. Não transpassar arranha-céus com um simples salto, voar em armaduras bacanas ou encarnar os terrores que rondam na noite, mas simplesmente representar e fortalecer os bons anjos da natureza humana. Deste modo, qualquer um pode ser tão ou mais heroico do que esses personagens de collants e capas.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.
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