Uma Vida Cheia de Fúria e os Últimos Dias de Dennis Hopper
Por Vanessa Grigoriadis
Ele era o homem mais louco de Hollywood, um rebelde que mudou a indústria do cinema. E toda a raiva retornou em seus últimos meses de vida, quando ele estava sendo consumido pelo câncer
Foto: © 1978 Bruce Mcbroom / MPTVimagens.com
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Quem quisesse entender Dennis Hopper no fim da vida - depois de cinco décadas lutando contra o sistema, deflagrando revoluções e invocando pesadelos obscuros na tela - só precisaria dar uma olhada na casa dele em Venice, na Califórnia. O fato de o lugar não se parecer com nenhuma outra residência já era de se esperar: um galpão esquisito, incrustado no meio de casas de praia de madeira. O fato de ele ter um revólver e balas soltas na gaveta de meias, no andar superior, também não: você ficaria decepcionado se ele não tivesse. A característica mais inesperada do imóvel não era a coleção de arte multimilionária nem a piscina interna, mas sim a cerquinha branca de madeira na frente da casa principal, sinal de um homem orgulhoso de sua propriedade bem cuidada.
Hopper construiu essa casa, um loft industrial de planta aberta com cômodos interligados por um labirinto de passarelas, no final da década de 1980. Quando completou 56 anos, levou a futura esposa - a quinta - para morar na casa. Hopper tinha conhecido Victoria Duffy, uma hostess esbelta de 24 anos, em um restaurante, uma semana antes de seu quarto divórcio, da bailarina Katherine LaNasa. Apesar de estar deixando para trás um filho pequeno, Henry, a reputação de Hopper de ameaça fora das telas parecia ser coisa do passado. Ele agora tomava chá com limão e mel, usava ternos Hugo Boss e passava longe das drogas e do álcool - com exceção da maconha. Também passava longas tardes jogando golfe com seu amigo Jack Nicholson. "Hoppy era muito lento no golfe, muito específico", diz Nicholson. "Era um tremendo espécime físico."
Hopper ainda andava de motocicleta, mas, naquele tempo, o rebelde hippie chapado de Easy Rider - Sem Destino fazia viagens tranquilas com uma turma de amigos que se autodenominava Guggenheim Motorcycle Club, incluindo Lauren Hutton, Jeremy Irons e Laurence Fishburne. Eles pegavam um avião e iam para um país onde o museu Guggenheim estivesse fazendo uma promoção - Rússia, Emirados Árabes, Espanha - e passavam vários dias montados em motos BMW até chegarem ao evento, seguidos por veículos que carregavam a bagagem. Ele até votou em George W. Bush duas vezes - em parte porque era o contrário daquilo que os atores de Hollywood fariam, e Hopper precisava sempre ser do contra.
Ao longo dos anos, Hopper foi expandindo sua casa em Venice; comprou dois estúdios de Frank Gehry, no terreno vizinho, e construiu outra estrutura para formar um complexo bagunçado. Ele trabalhava sem parar, fez 25 filmes na década passada. Mas, mesmo esforçando-se o máximo possível, parece que não conseguiu cumprir a promessa feita nos primeiros anos de carreira, quando entrou para o velho esquema dos estúdios na década de 1950 e parecia destinado a se transformar em um ícone como Paul Newman ou em um meteoro reluzente como James Dean. Em vez disso, depois de tomar um desvio dos mais extremos - do ponto de vista químico e artístico - na história de Hollywood, Hopper se transformou, no conforto da idade avançada, em algo mais inesperado do que qualquer uma de suas encarnações anteriores: ator trabalhador e confiável e colecionador de arte respeitável. Em seus últimos anos, ele se considerava um fracasso. "Nunca senti que fiz o grande papel", ele diz. "Nunca senti que dirigi o grande filme. E não posso dizer que seja culpa de ninguém além de mim mesmo."
Há nove anos, Hopper foi diagnosticado com câncer da próstata, mas isso não fez com que ele desacelerasse até que sua saúde piorou, em 2008. Quando ele começou a lidar com o pouco tempo que lhe restava, ficou sentimental e começou a olhar para o passado. Hopper nem sempre teve relação muito boa com os filhos mais velhos - principalmente a primeira, Marin, que era cinco anos mais velha do que a esposa da vez. Agora que estava doente, queria os filhos perto dele, e tinha uma casa grande o suficiente para acomodar todo mundo. Quando Marin, ex-editora da revista Elle, começou a ter problemas no casamento, ele a convidou para morar em uma das estruturas de sua propriedade. Também forneceu um chalé para o filho adolescente, Henry, pintor que faz arte respingada ao estilo de Jackson Pollock e que recentemente foi elencado para um filme de Gus Van Sant. "Essas crianças não tinham sido próximas de Dennis desde que ele deixara as respectivas mães deles", lembra um amigo da família. "Na época, eram muito pequenos. Eles só queriam estar no centro da vida dele mais uma vez."
Em 2008, antes de começar a filmar o programa de TV Crash, Hopper ficou sabendo que seu câncer tinha criado metástases. À medida que seu prognóstico piorava, ficava cada vez mais raivoso e vulnerável e alguns de seus antigos demônios pareciam se libertar. A maior parte de sua raiva era dirigida a Victoria. "Você é uma lata de lixo humana!", ela se lembra de ouvi-lo gritar. Em outra briga, ele lhe disse que ela tinha "causado" o câncer dele, mas afirmou que não queria se divorciar. "Nunca vou permitir que você me abandone", ele disse a ela. Antes de morrer, Hopper negou ter feito tais afirmações. À medida que o casamento se deteriorava, a vida na propriedade ficava parecida com uma cena de Rei Lear, com alguns dos herdeiros de Hopper bisbilhotando a vida dos outros na casa de plano aberto ao mesmo tempo que lutavam pelo posicionamento junto ao patriarca moribundo. Hopper e seu entorno logo estavam pintando Victoria como uma louca aproveitadora, enquanto os aliados dela colocavam toda a culpa nos filhos dele. "Por mais doentio que pareça, Marin e Henry gostavam de ver Dennis detonar Victoria emocionalmente", diz um amigo. "Eles queriam o pai de volta, aquele pai descontrolado que nunca tinha lhes dado atenção suficiente quando eram pequenos. Agora, queriam controlá-lo."
Decadente, rebelde, indulgente consigo mesmo e profundamente interessado em criar uma mitologia que sobrevivesse a ele, Hopper representava tanto a ameaça quanto o atrativo do lutador eterno. A imagem mental que Nicholson diz que vai guardar para sempre do amigo é a d e força de vontade crua: Hopper funcionando sempre com força total, "berrando, irrefreável". Em "The Pilgrim", canção de 1971, Kris Kristofferson retratou Hopper, entre outros, como uma " contradição ambulante, parte verdade, parte ficção, pegando todos os caminhos errados para voltar solitário para casa". Ele sempre será lembrado pelo triunfo de Easy Rider, que desencadeou uma era de ouro no cinema norte-americano em 1969. "É como se Dennis tivesse inventado a linguagem da década de 1960", diz Val Kilmer, amigo de Hopper. "Não dá para ter nada mais típico de um astro de cinema do que aquele brilho no olho dele."
No início, ele era um garoto do interior. Hopper nasceu em 1936, no entre-guerras, na cidade de caubóis de Dodge City, no estado norte-americano do Kansas, onde passou uma infância tristonha nas plantações de trigo de uma fazenda. A mãe ganhou a desconfiança dele ao guardar um segredo logo no começo da sua vida: quando o pai foi servir na Segunda Guerra Mundial, quando Hopper estava com 5 anos, ela disse que o pai tinha sido morto em combate, apesar de saber que ele estava trabalhando como espião na Ásia. Ele reapareceu no final da guerra como um espectro na soleira da porta. "Dennis tinha enormes problemas com a mãe", diz uma fonte próxima a Hopper. Ele se consolava no cinema. "Eu me lembro da solidão de abraçar o travesseiro e pensar que era Elizabeth Taylor ou Leslie Caron e não pode contar para ninguém", ele recordava. "A única maneira que eu consegui pensar para deixar de ser infeliz e solitário era me tornando artista - tão criativo e bonito que todo mundo ia dizer:'Uau'!".
Em 1950, a família de Hopper se mudou para São Diego, na esperança de curar a asma do irmão mais novo com o ar do mar. Em sua nova escola de ensino médio, Hopper se apaixonou pela atuação, apesar de seus pais não aprovarem. Em 1954, Hopper se mudou para Hollywood, onde rapidamente conseguiu um papel pequeno como Goon, integrante de uma gangue de adolescentes, em Juventude Transviada. No set, Hopper passou a idolatrar James Dean, que o apresentou à atuação metódica e às drogas. "Jimmy e eu usávamos peiote e maconha quando essas coisas não podiam ser mencionadas nem para os seus melhores amigos", Hopper lembrava. Ele tinha uma panela de peiote sempre fervendo no fogão, "como se fosse um bule de café". Seguindo o exemplo de Dean, ele se concentrou em ser um encrenqueiro. Certa noite, Hopper encheu uma banheira de champanhe para se preparar para uma orgia com Natalie Wood, mas quando e la entrou na banheira começou a berrar e precisou ser levada para o pronto-socorro. "Queimou a xota dela", Hopper disse. "Deixou pegando fogo, porra."
Hopper viveu a morte de Dean, em 1955, como a " tragédia mais pessoal da minha vida". A melhor maneira que ele encontrou para honrar o amigo foi tomar seu manto de delinquência, dissidência e autodestruição. "A luz que sempre brilhava por meio de Dennis era James Dean", diz o galerista Tony Shafrazi, que foi padrinho de dois casamentos de Hopper. Em dois anos, o ator entrou na lista negra de Hollywood depois de uma briga com o diretor Henry Hathaway no set de Caçada Humana. Durante a década seguinte, ele viveu em exílio; matriculou-se no Actors Studio, em Nova York, e marchou com Martin Luther King Jr. de Selma a Montgomery. Também se envolveu com fotografia, que se transformou em uma das paixões de sua vida - sua primeira foto publicada foi a arte da capa de River Deep - Mountain High, de Ike e Tina Turner, e ele tirou algumas das primeiras fotos de artistas como Neil Young e Grateful Dead. "Hoppy sempre foi um cara mais visual do que verbal", lembra Nicholson. A coleção de arte que Hopper começou naqueles a nos cresceria até se tornar tão impressionante quanto seu legado cinematográfico: na primeira exposição de pop art de Andy Warhol, em 1962, ele comprou uma das primeiras gravuras de sopa Campbell's do artista por US$ 75. "Algumas pessoas iam à praia, outras pessoas jogavam tênis", Hopper declarou. "Eu vagabundeava nas galerias."
Hopper talvez nunca tivesse voltado para Hollywood se não tivesse se casado com Brooke Hayward, filha do mega agente Leland Hayward e amiga próxima de Jane Fonda, em 1961. Hopper ainda era persona non grata nos estúdios, mas conseguiu arrumar algum trabalho em filmes B de motociclistas ao lado do irmão de Jane, Peter Fonda. Não havia muitas indicações de que o filme de motociclistas seguinte de Hopper e Fonda, Easy Rider, iria transgredir o gênero. Com o nome de Hopper atrelado à direção e a o papel principal da produção, eles mal conseguiram levantar os US$ 360 mil de financiamento necessários. Durante o preparo do filme, Hopper foi preso por fumar maconha em Los Angeles. Easy Rider, que renderia US$ 50 milhões, mudou as produções de Hollywood ao comprovar que filmes de arte para público jovem, feitos por jovens diretores, podiam gerar grandes lucros. Mas Hopper tinha personalidade difícil demais para se a proveitar financeiramente dar evolução que ele ajudou a lançar. Ele estava com 33 anos, era um ícone da contra cultura e o novo diretor mais badalado de Hollywood. Mas os elogios não bastaram para Hopper: bem mais tarde, ele começou a afirmar que tinha escrito Easy Rider sozinho (os créditos do roteiro são compartilhados por Hopper, Fonda e Terry Southern). "Vinte e sete anos depois, Dennis tentou me fazer assinar uma declaração dizendo que ele tinha escrito sozinho o roteiro de Easy Rider", Fonda escreveu em seu livro de memórias, Don't Tell Dad. "Dá para imaginar a relação de amor e ódio que eu tive com ele durante todo esse tempo."
O filme também acabou com o primeiro casamento de Hopper. À medida que sua fama foi crescendo, ele passou a ser violento com Brooke; chegou a quebrar o nariz dela em uma briga. Ela o abandonou e levou junto Marin,que na época estava com 5 anos. Em 1970, Hopper ficou casado com Michelle Phillips, do The Mamas and the Papas, por oito dias. "Sete desses dias foram bem bons", ele disse mais tarde. "O oitvo dia é que foi o ruim." De acordo com uma história questionável, Hopper a amarrou a um aquecedor para que ela não o a bandonasse. "O que eu vou fazer?", ele perguntou quando ela foi embora. "Você já pensou em suicídio?", foi a resposta dela.
Hopper poderia ter se aproveitado do sucesso de Easy Rider durante anos, mas seu próximo passo foi sua ruína: ele resolveu dirigir e estrelar The Last Movie, projeto pessoal dele a respeito de um dublê de um filme de faroeste hollywoodiano que, depois que as filmagens terminam, continua no Peru. Ele construiu o cenário a 4.270 metros de altitude nos Andes peruanos, levou para lá astros de Hollywood como Fonda e contratou centenas de índios como extras. Para editar as 37 horas de filme que ele tinha registrado, Hopper se instalou em uma ampla casa de fazenda em Taos (Novo México), rodeado por uma hoste de escritores, drogados e místicos hippies. The Last Movie venceu o Festival de Cinema de Veneza, mas logo saiu de cartaz nos Estados Unidos. "Eu superestimei o meu público", Hopper declarou, arrasado pela rejeição. "As pessoas queriam um filme daqueles da década de 1940 que deixam a gente inerte, em que não é preciso pensar muito - essa coisa que Spielberg e Lucas inventaram de fazer." Nunca mais ele pôde dirigir algo em escala tão grandiosa. Renegado em Hollywood pela segunda vez, Hopper desceu às profundezas. Ele ficou furioso consigo mesmo por estragar sua grande oportunidade. Passou a maior parte dos 12 anos seguintes em Taos, bebendo dois litros de rum por dia, cheirando coca e andando de moto pela cidade com uma arma pendurada nas costas. Teve um filho com a terceira mulher, a atriz Daria Halprin, mas o casamento logo se desintegrou. "Foi durante o nosso casamento que Dennis viveu alguns dos anos mais difíceis com alcoolismo e uso de drogas", Daria lembra.
Os únicos trabalhos disponíveis para Hopper eram papéis que se aproveitavam de seu vício em drogas, como o fotojornalista maluco de Apocalypse Now. Apesar de ele ter jogado um colchão em chamas pela janela do hotel, ele não era o personagem mais estranho naquele set notoriamente bizarro: o prêmio provavelmente fica com Marlon Brando, que insistiu para gravar as cenas dos dois em duas noites separadas, porque ele não gostava de Hopper. Mas a maior parte da equipe o adorava, mesmo com seus vícios. "Toda a performance dele foi de improviso", lembra Laurence Fishburne, que faz o papel de um jovem soldado no filme. "O jorro de consciência que saía dele era impressionante. Eu era só um garoto de 15 anos, mas fiquei maravilhado com a capacidade dele. Ele não prestava muita atenção em mim, mas eu passei um tempo andando atrás dele, porque pensei: 'Esse cara é livre, esse cara é livre de verdade'."
Em 1983, Hopper finalmente chegou ao fundo do poço. Ele estava no México interpretando o chefe da Polícia Antinarcóticos, grande ironia, no obscuro filme Jungle Warriors, quando de repente saiu pelado e xingando pelas ruas de Cuernavaca. Dois dublês do filme foram convidados para levá-lo para o aeropor-to, para que ele voltasse para casa antes de estragar a produção. No avião, ela achou que tinha visto fogo na asa e tentou abrir a porta de emergência. Depois de um par de tentativas de desintoxicação e um período em um hospital psiquiátrico, ele finalmente ficou sóbrio e imediatamente começou a procurar trabalho para voltar à a tiva. Hopper ligou para David Lynch e implorou para ser contratado para Veludo Azul no papel de Frank Booth, o sádico apavorante que cheira uma mistura de anil-nitrato usando uma máscara facial que ele carrega no bolso. Hopper sabia que o papel tinha sido feito para ele. "Eu preciso fazer esse papel", ele disse a Lynch. "Eu sou Frank."
Ao se aproximar dos 70 anos, Hopper parou de se dedicar a fazer grandes filmes. Ele assinou contrato para um filme baseado no game Super Mario Bros, para a voz em uma gravação de GPS, para uma série de TV sobre o Pentágono. As obsessões que tinham tomado conta de Hopper durante décadas - as drogas, a bebida, a violência - tinham sido substituídas por sua paixão por colecionar arte. Quase todos os cômodos de sua casa tinham quadros dignos de museu. "Uma vez, eu estava com ele no escritório, e na mesa tinha uma caveira de Damien Hirst que ele usava de peso de papel", diz um amigo. A coleção dele incluía Basquiat, Robert Rauschenberg, David Salle, Keith Haring e um retrato grande dele, feito por Julian Schnabel. "Eu o pintei para ele quando [o ator] Rip Torn estava fazendo toda aquela confusão com os processos, porque ele estava para baixo e eu queria animá-lo", diz Schnabel. Hopper nunca superou a perda de sua primeira coleção, entregue a Hayward no divórcio, anos antes. Para fazer dinheiro, ela prontamente vendeu parte dela - inclusive a estimada lata de sopa de Warhol, cujo valor ele reconheceu anos antes de se transformar em ícone. De acordo com uma fonte próxima a Hopper, aquela coleção original hoje poderia valer US$ 200 milhões. A coleção atual certa vez foi avaliada em US$ 16 milhões, mas dizem que pode chegar a até US$ 300 milhões. Nos últimos meses de vida de Hopper, a questão de quem a controlaria foi ganhando cada vez mais importância em sua mente.
Victoria podia ser hostess quando conheceu Hopper, mas no fim da vida dele já tinha se transformado em uma sofisticada esposa de Hollywood. Com olho para arte, ela ajudou a organizar exposições das fotos dele e o acompanhava em reuniões de negócios. Mas, alguns anos antes de ele morrer, a relação pessoal entre os dois começou a se deteriorar. Mesmo assim, depois de 14 anos de casamento, ela tomou a decisão de cuidar dele durante a doença. Ela também sabia que, segundo os termos do acordo feito antes do casamento, ela sairia sem nada se eles se divorciassem. Nos últimos anos, Hopper ainda desfrutava de suas armas e de suas drogas, apesar de usar quantidades menores. Ele mantinha uma espingarda carregada em casa e uma pistola no quarto. No fim da vida, Hopper estava fumando até US$ 700 em maconha medicinal por semana.
Hopper amava arte porque era um refúgio, uma maneira de se comunicar com os outros fora da tela, coisa que ele reconhecia, podia ser difícil para ele. Infelizmente, a coleção de arte dele acabaria por destruir sua família. Em julho do ano passado, ele decidiu que esta-va na hora de colocar Victoria em seu lugar, retirou-a do cargo de diretora de seu fundo de arte. Três meses depois, Victoria teve uma reunião com o administrador dos negócios dele e ficou desconfiada de que Hopper tivesse mudado seu testamento. Depois, ela insistiu para que o ator a acompanhasse à terapia para discutir o destino de seus bens, mas ele se recusou. "Victoria quer o dinheiro de Dennis", diz um amigo da família. "Ela considerava aquela coleção de arta como meio de se catapultar como celebridade no mundo da arte, e como o controle daquilo estava lhe sendo negado, ela enlouqueceu". No acordo anterior ao casamento, Victoria deveria receber 35% do inventário de Hopper, mais um quarto de seu seguro de vida de US$ 1 milhão - mas só se ainda estivesse casada e morando com ele quando ele morresse. O problema é que, quando o acordo anterior ao casamento foi escrito, a propriedade de Hopper em Venice só incluía a casa com fachada de metal e um estúdio pequeno. Agora ela tinha se expandido e incluía cinco casas independentes. E quem poderia dizer que Victoria não estava residindo na propriedade se ele simplesmente fizesse as malas e se mudasse para outra casa no complexo?
Antes de Victoria dar um passo assim tão sério, ela resolveu confrontar Hopper, algumas semanas antes do Natal, a respeito das mudanças no testamento. No dia seguinte, ela chegou em casa e descobriu que ele tinha saído da propriedade. Enquanto ele não estava lá, Victoria transportou diversas obras de arte que ela alegava ter recebido de presente, incluindo esculturas de Robert Graham e uma peça de Banksy intitulada In the Future Everyone Will Be Anonymous for Fifteen Minutes. Hopper avaliou as obras combinadas em US$ 1,5 milhão. Dois dias depois, Victoria pegou a filha Galene viajou para Boston para visitara mãe-ou pelo menos foi essa a primeira versão da história. "Depois ela disse que precisava ir embora porque alguém estava tentando matá-la e tinha colocado açúcar no tanque de gasolina dela", Marin afirma em documentos processuais. Em janeiro, Victoria finalmente saiu da casa principal com Galen e se instalou em um dos chalés de Gehry que Hopper usava como estúdio de arte. Mas as brigas continuaram a se acirrar. O estúdio, que Galen chamava de "casa de acampamento", não estava pronto para receber moradores - não havia energia elétrica suficiente para deixar o aquecedor e as luzes ligadas ao mesmo tempo -, mas, quando Victoria tentou consertar, o advogado de Hopper enviou uma carta explicando que ela tinha "estragado uma casa projetada por Frank Gehry (o arquiteto mais famoso do mundo) ao instalar ventilação desnecessária".
Dois dias depois de ela mudar para a casa de acampamento, Victoria afirma, Hopper entregou documentos de divórcio na frente da filha dos dois, de 6 anos. A última conversa entre os dois foi breve. "Eu expressei a ele que vou sempre amá-lo pelos anos que passamos juntos, e pela filha linda que nós compartilhamos", ela explica em documentos processuais. " Ele respondeu: 'Saia daqui, porra'." Depois da separação, Hopper colocou em vigor um acordo que a proibia de ficar a menos de três metros dele e dos filhos dele. A Justiça deu a Victoria US$ 12 mil por mês, mas ele se recusou a dar depoimentos formais no processo de divórcio. Victoria ficou exasperada e afirmou que ele não estava doente demais para testemunhar. Mas ela estava errada: em abril, Hopper levou todos os filhos para Taos, para mostrar a ele o lugar onde queria ser enterrado. Ele teria gostado de morrer em Taos, que ele chamava de seu "lar do coração, mas ele sabia que não podia - queria ficar perto de Galen, que estava em Los Angeles com Victoria. Também começou a trabalhar com Schnabel em uma grande retrospectiva de suas próprias obras de arte, exibidas no Museu de Arte Contemporânea, em julho. "Achei que isso serviria para ressuscitar Dennis de certa maneira", diz Schnabel. "Ele se envolveu muito no levantamento das informações, e eu achei que o corpo dele melhoraria com essa atividade."
Em suas últimas semanas, Hopper resolveu se distanciar do divórcio. Na noite em que morreu, em 29 de maio, estava com os filhos. Deitado na cama, disse o nome de Henry duas vezes. "Ele se orgulhava muito do trabalho de ator de Henry", diz o amigo Shafrazi. "Então seus olhos se voltaram para algo à sua frente e ele se foi." Os amigos dos filhos imediatamente encheram a casa de comida e risadas, e c onvidaram as pessoas mais próximas de Hopper para embarcar em um avião particular para o enterro em Taos, alguns dias mais tarde. Mas a filha mais nova não participou da cerimônia: Hopper tinha se recusado a permitir que Victoria comparecesse, e ela não queria que Galen passasse pelo estresse do enterro do pai sem a presença da mãe.
No fim da vida, em uma de suas viagens com o Guggenheim Motorcycle Club, Hopper ficou emocionado quando o amigo Laurence Fishburne confessou que se sentia intimidado pelo mundo da arte. "Permita-me mostrar o museu a você", Hopper sugeriu."Deixe-me mostrar a você o que isso significa." Conduzindo Fishburne por peças e galerias silenciosas, Hopper explicou o processo em termos contundentes. "Estas pinturas, todas estas obras no museu, são suas amigas, e você vai visitar as suas amigas", ele disse. "E, se tem alguém aqui de quem você não gosta, não precisa perder seu tempo com ela." Foi a mesma coisa no enterro. De acordo com uma fonte próxima a Hopper, Victoria não foi a única a não ser convidada: os filhos de Hopper tinham uma lista de pessoas proibidas de prestar sua homenagem. Mas, para quem compareceu, a cerimônia marcou a morte de uma lenda. Em uma igreja de adobe retratada em quadros de Georgia O'Keeffe, o irmão de Hopper leu "The Pilgrim", a ode de Kris Kristofferson a seu amigo solitário e briguento. Houve muitas risadas e muitas lágrimas. Então Hopper foi colocado para o descanso eterno em solo indígena sagrado. Enquanto seu corpo ia descendo na cova, os presentes ouviram um último estrondo furioso. "Havia um monte de motociclistas enfileirados", diz Nicholson. "E, quando eles aceleraram os motores, eu também me senti acelerado."
FONTE: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/47/textos/uma-vida-cheia-de-furia-e-os-ultimos-dias-de-dennis-hopper/
Hopper construiu essa casa, um loft industrial de planta aberta com cômodos interligados por um labirinto de passarelas, no final da década de 1980. Quando completou 56 anos, levou a futura esposa - a quinta - para morar na casa. Hopper tinha conhecido Victoria Duffy, uma hostess esbelta de 24 anos, em um restaurante, uma semana antes de seu quarto divórcio, da bailarina Katherine LaNasa. Apesar de estar deixando para trás um filho pequeno, Henry, a reputação de Hopper de ameaça fora das telas parecia ser coisa do passado. Ele agora tomava chá com limão e mel, usava ternos Hugo Boss e passava longe das drogas e do álcool - com exceção da maconha. Também passava longas tardes jogando golfe com seu amigo Jack Nicholson. "Hoppy era muito lento no golfe, muito específico", diz Nicholson. "Era um tremendo espécime físico."
Hopper ainda andava de motocicleta, mas, naquele tempo, o rebelde hippie chapado de Easy Rider - Sem Destino fazia viagens tranquilas com uma turma de amigos que se autodenominava Guggenheim Motorcycle Club, incluindo Lauren Hutton, Jeremy Irons e Laurence Fishburne. Eles pegavam um avião e iam para um país onde o museu Guggenheim estivesse fazendo uma promoção - Rússia, Emirados Árabes, Espanha - e passavam vários dias montados em motos BMW até chegarem ao evento, seguidos por veículos que carregavam a bagagem. Ele até votou em George W. Bush duas vezes - em parte porque era o contrário daquilo que os atores de Hollywood fariam, e Hopper precisava sempre ser do contra.
Ao longo dos anos, Hopper foi expandindo sua casa em Venice; comprou dois estúdios de Frank Gehry, no terreno vizinho, e construiu outra estrutura para formar um complexo bagunçado. Ele trabalhava sem parar, fez 25 filmes na década passada. Mas, mesmo esforçando-se o máximo possível, parece que não conseguiu cumprir a promessa feita nos primeiros anos de carreira, quando entrou para o velho esquema dos estúdios na década de 1950 e parecia destinado a se transformar em um ícone como Paul Newman ou em um meteoro reluzente como James Dean. Em vez disso, depois de tomar um desvio dos mais extremos - do ponto de vista químico e artístico - na história de Hollywood, Hopper se transformou, no conforto da idade avançada, em algo mais inesperado do que qualquer uma de suas encarnações anteriores: ator trabalhador e confiável e colecionador de arte respeitável. Em seus últimos anos, ele se considerava um fracasso. "Nunca senti que fiz o grande papel", ele diz. "Nunca senti que dirigi o grande filme. E não posso dizer que seja culpa de ninguém além de mim mesmo."
Há nove anos, Hopper foi diagnosticado com câncer da próstata, mas isso não fez com que ele desacelerasse até que sua saúde piorou, em 2008. Quando ele começou a lidar com o pouco tempo que lhe restava, ficou sentimental e começou a olhar para o passado. Hopper nem sempre teve relação muito boa com os filhos mais velhos - principalmente a primeira, Marin, que era cinco anos mais velha do que a esposa da vez. Agora que estava doente, queria os filhos perto dele, e tinha uma casa grande o suficiente para acomodar todo mundo. Quando Marin, ex-editora da revista Elle, começou a ter problemas no casamento, ele a convidou para morar em uma das estruturas de sua propriedade. Também forneceu um chalé para o filho adolescente, Henry, pintor que faz arte respingada ao estilo de Jackson Pollock e que recentemente foi elencado para um filme de Gus Van Sant. "Essas crianças não tinham sido próximas de Dennis desde que ele deixara as respectivas mães deles", lembra um amigo da família. "Na época, eram muito pequenos. Eles só queriam estar no centro da vida dele mais uma vez."
Em 2008, antes de começar a filmar o programa de TV Crash, Hopper ficou sabendo que seu câncer tinha criado metástases. À medida que seu prognóstico piorava, ficava cada vez mais raivoso e vulnerável e alguns de seus antigos demônios pareciam se libertar. A maior parte de sua raiva era dirigida a Victoria. "Você é uma lata de lixo humana!", ela se lembra de ouvi-lo gritar. Em outra briga, ele lhe disse que ela tinha "causado" o câncer dele, mas afirmou que não queria se divorciar. "Nunca vou permitir que você me abandone", ele disse a ela. Antes de morrer, Hopper negou ter feito tais afirmações. À medida que o casamento se deteriorava, a vida na propriedade ficava parecida com uma cena de Rei Lear, com alguns dos herdeiros de Hopper bisbilhotando a vida dos outros na casa de plano aberto ao mesmo tempo que lutavam pelo posicionamento junto ao patriarca moribundo. Hopper e seu entorno logo estavam pintando Victoria como uma louca aproveitadora, enquanto os aliados dela colocavam toda a culpa nos filhos dele. "Por mais doentio que pareça, Marin e Henry gostavam de ver Dennis detonar Victoria emocionalmente", diz um amigo. "Eles queriam o pai de volta, aquele pai descontrolado que nunca tinha lhes dado atenção suficiente quando eram pequenos. Agora, queriam controlá-lo."
Decadente, rebelde, indulgente consigo mesmo e profundamente interessado em criar uma mitologia que sobrevivesse a ele, Hopper representava tanto a ameaça quanto o atrativo do lutador eterno. A imagem mental que Nicholson diz que vai guardar para sempre do amigo é a d e força de vontade crua: Hopper funcionando sempre com força total, "berrando, irrefreável". Em "The Pilgrim", canção de 1971, Kris Kristofferson retratou Hopper, entre outros, como uma " contradição ambulante, parte verdade, parte ficção, pegando todos os caminhos errados para voltar solitário para casa". Ele sempre será lembrado pelo triunfo de Easy Rider, que desencadeou uma era de ouro no cinema norte-americano em 1969. "É como se Dennis tivesse inventado a linguagem da década de 1960", diz Val Kilmer, amigo de Hopper. "Não dá para ter nada mais típico de um astro de cinema do que aquele brilho no olho dele."
No início, ele era um garoto do interior. Hopper nasceu em 1936, no entre-guerras, na cidade de caubóis de Dodge City, no estado norte-americano do Kansas, onde passou uma infância tristonha nas plantações de trigo de uma fazenda. A mãe ganhou a desconfiança dele ao guardar um segredo logo no começo da sua vida: quando o pai foi servir na Segunda Guerra Mundial, quando Hopper estava com 5 anos, ela disse que o pai tinha sido morto em combate, apesar de saber que ele estava trabalhando como espião na Ásia. Ele reapareceu no final da guerra como um espectro na soleira da porta. "Dennis tinha enormes problemas com a mãe", diz uma fonte próxima a Hopper. Ele se consolava no cinema. "Eu me lembro da solidão de abraçar o travesseiro e pensar que era Elizabeth Taylor ou Leslie Caron e não pode contar para ninguém", ele recordava. "A única maneira que eu consegui pensar para deixar de ser infeliz e solitário era me tornando artista - tão criativo e bonito que todo mundo ia dizer:'Uau'!".
Em 1950, a família de Hopper se mudou para São Diego, na esperança de curar a asma do irmão mais novo com o ar do mar. Em sua nova escola de ensino médio, Hopper se apaixonou pela atuação, apesar de seus pais não aprovarem. Em 1954, Hopper se mudou para Hollywood, onde rapidamente conseguiu um papel pequeno como Goon, integrante de uma gangue de adolescentes, em Juventude Transviada. No set, Hopper passou a idolatrar James Dean, que o apresentou à atuação metódica e às drogas. "Jimmy e eu usávamos peiote e maconha quando essas coisas não podiam ser mencionadas nem para os seus melhores amigos", Hopper lembrava. Ele tinha uma panela de peiote sempre fervendo no fogão, "como se fosse um bule de café". Seguindo o exemplo de Dean, ele se concentrou em ser um encrenqueiro. Certa noite, Hopper encheu uma banheira de champanhe para se preparar para uma orgia com Natalie Wood, mas quando e la entrou na banheira começou a berrar e precisou ser levada para o pronto-socorro. "Queimou a xota dela", Hopper disse. "Deixou pegando fogo, porra."
Hopper viveu a morte de Dean, em 1955, como a " tragédia mais pessoal da minha vida". A melhor maneira que ele encontrou para honrar o amigo foi tomar seu manto de delinquência, dissidência e autodestruição. "A luz que sempre brilhava por meio de Dennis era James Dean", diz o galerista Tony Shafrazi, que foi padrinho de dois casamentos de Hopper. Em dois anos, o ator entrou na lista negra de Hollywood depois de uma briga com o diretor Henry Hathaway no set de Caçada Humana. Durante a década seguinte, ele viveu em exílio; matriculou-se no Actors Studio, em Nova York, e marchou com Martin Luther King Jr. de Selma a Montgomery. Também se envolveu com fotografia, que se transformou em uma das paixões de sua vida - sua primeira foto publicada foi a arte da capa de River Deep - Mountain High, de Ike e Tina Turner, e ele tirou algumas das primeiras fotos de artistas como Neil Young e Grateful Dead. "Hoppy sempre foi um cara mais visual do que verbal", lembra Nicholson. A coleção de arte que Hopper começou naqueles a nos cresceria até se tornar tão impressionante quanto seu legado cinematográfico: na primeira exposição de pop art de Andy Warhol, em 1962, ele comprou uma das primeiras gravuras de sopa Campbell's do artista por US$ 75. "Algumas pessoas iam à praia, outras pessoas jogavam tênis", Hopper declarou. "Eu vagabundeava nas galerias."
Hopper talvez nunca tivesse voltado para Hollywood se não tivesse se casado com Brooke Hayward, filha do mega agente Leland Hayward e amiga próxima de Jane Fonda, em 1961. Hopper ainda era persona non grata nos estúdios, mas conseguiu arrumar algum trabalho em filmes B de motociclistas ao lado do irmão de Jane, Peter Fonda. Não havia muitas indicações de que o filme de motociclistas seguinte de Hopper e Fonda, Easy Rider, iria transgredir o gênero. Com o nome de Hopper atrelado à direção e a o papel principal da produção, eles mal conseguiram levantar os US$ 360 mil de financiamento necessários. Durante o preparo do filme, Hopper foi preso por fumar maconha em Los Angeles. Easy Rider, que renderia US$ 50 milhões, mudou as produções de Hollywood ao comprovar que filmes de arte para público jovem, feitos por jovens diretores, podiam gerar grandes lucros. Mas Hopper tinha personalidade difícil demais para se a proveitar financeiramente dar evolução que ele ajudou a lançar. Ele estava com 33 anos, era um ícone da contra cultura e o novo diretor mais badalado de Hollywood. Mas os elogios não bastaram para Hopper: bem mais tarde, ele começou a afirmar que tinha escrito Easy Rider sozinho (os créditos do roteiro são compartilhados por Hopper, Fonda e Terry Southern). "Vinte e sete anos depois, Dennis tentou me fazer assinar uma declaração dizendo que ele tinha escrito sozinho o roteiro de Easy Rider", Fonda escreveu em seu livro de memórias, Don't Tell Dad. "Dá para imaginar a relação de amor e ódio que eu tive com ele durante todo esse tempo."
O filme também acabou com o primeiro casamento de Hopper. À medida que sua fama foi crescendo, ele passou a ser violento com Brooke; chegou a quebrar o nariz dela em uma briga. Ela o abandonou e levou junto Marin,que na época estava com 5 anos. Em 1970, Hopper ficou casado com Michelle Phillips, do The Mamas and the Papas, por oito dias. "Sete desses dias foram bem bons", ele disse mais tarde. "O oitvo dia é que foi o ruim." De acordo com uma história questionável, Hopper a amarrou a um aquecedor para que ela não o a bandonasse. "O que eu vou fazer?", ele perguntou quando ela foi embora. "Você já pensou em suicídio?", foi a resposta dela.
Hopper poderia ter se aproveitado do sucesso de Easy Rider durante anos, mas seu próximo passo foi sua ruína: ele resolveu dirigir e estrelar The Last Movie, projeto pessoal dele a respeito de um dublê de um filme de faroeste hollywoodiano que, depois que as filmagens terminam, continua no Peru. Ele construiu o cenário a 4.270 metros de altitude nos Andes peruanos, levou para lá astros de Hollywood como Fonda e contratou centenas de índios como extras. Para editar as 37 horas de filme que ele tinha registrado, Hopper se instalou em uma ampla casa de fazenda em Taos (Novo México), rodeado por uma hoste de escritores, drogados e místicos hippies. The Last Movie venceu o Festival de Cinema de Veneza, mas logo saiu de cartaz nos Estados Unidos. "Eu superestimei o meu público", Hopper declarou, arrasado pela rejeição. "As pessoas queriam um filme daqueles da década de 1940 que deixam a gente inerte, em que não é preciso pensar muito - essa coisa que Spielberg e Lucas inventaram de fazer." Nunca mais ele pôde dirigir algo em escala tão grandiosa. Renegado em Hollywood pela segunda vez, Hopper desceu às profundezas. Ele ficou furioso consigo mesmo por estragar sua grande oportunidade. Passou a maior parte dos 12 anos seguintes em Taos, bebendo dois litros de rum por dia, cheirando coca e andando de moto pela cidade com uma arma pendurada nas costas. Teve um filho com a terceira mulher, a atriz Daria Halprin, mas o casamento logo se desintegrou. "Foi durante o nosso casamento que Dennis viveu alguns dos anos mais difíceis com alcoolismo e uso de drogas", Daria lembra.
Os únicos trabalhos disponíveis para Hopper eram papéis que se aproveitavam de seu vício em drogas, como o fotojornalista maluco de Apocalypse Now. Apesar de ele ter jogado um colchão em chamas pela janela do hotel, ele não era o personagem mais estranho naquele set notoriamente bizarro: o prêmio provavelmente fica com Marlon Brando, que insistiu para gravar as cenas dos dois em duas noites separadas, porque ele não gostava de Hopper. Mas a maior parte da equipe o adorava, mesmo com seus vícios. "Toda a performance dele foi de improviso", lembra Laurence Fishburne, que faz o papel de um jovem soldado no filme. "O jorro de consciência que saía dele era impressionante. Eu era só um garoto de 15 anos, mas fiquei maravilhado com a capacidade dele. Ele não prestava muita atenção em mim, mas eu passei um tempo andando atrás dele, porque pensei: 'Esse cara é livre, esse cara é livre de verdade'."
Em 1983, Hopper finalmente chegou ao fundo do poço. Ele estava no México interpretando o chefe da Polícia Antinarcóticos, grande ironia, no obscuro filme Jungle Warriors, quando de repente saiu pelado e xingando pelas ruas de Cuernavaca. Dois dublês do filme foram convidados para levá-lo para o aeropor-to, para que ele voltasse para casa antes de estragar a produção. No avião, ela achou que tinha visto fogo na asa e tentou abrir a porta de emergência. Depois de um par de tentativas de desintoxicação e um período em um hospital psiquiátrico, ele finalmente ficou sóbrio e imediatamente começou a procurar trabalho para voltar à a tiva. Hopper ligou para David Lynch e implorou para ser contratado para Veludo Azul no papel de Frank Booth, o sádico apavorante que cheira uma mistura de anil-nitrato usando uma máscara facial que ele carrega no bolso. Hopper sabia que o papel tinha sido feito para ele. "Eu preciso fazer esse papel", ele disse a Lynch. "Eu sou Frank."
Ao se aproximar dos 70 anos, Hopper parou de se dedicar a fazer grandes filmes. Ele assinou contrato para um filme baseado no game Super Mario Bros, para a voz em uma gravação de GPS, para uma série de TV sobre o Pentágono. As obsessões que tinham tomado conta de Hopper durante décadas - as drogas, a bebida, a violência - tinham sido substituídas por sua paixão por colecionar arte. Quase todos os cômodos de sua casa tinham quadros dignos de museu. "Uma vez, eu estava com ele no escritório, e na mesa tinha uma caveira de Damien Hirst que ele usava de peso de papel", diz um amigo. A coleção dele incluía Basquiat, Robert Rauschenberg, David Salle, Keith Haring e um retrato grande dele, feito por Julian Schnabel. "Eu o pintei para ele quando [o ator] Rip Torn estava fazendo toda aquela confusão com os processos, porque ele estava para baixo e eu queria animá-lo", diz Schnabel. Hopper nunca superou a perda de sua primeira coleção, entregue a Hayward no divórcio, anos antes. Para fazer dinheiro, ela prontamente vendeu parte dela - inclusive a estimada lata de sopa de Warhol, cujo valor ele reconheceu anos antes de se transformar em ícone. De acordo com uma fonte próxima a Hopper, aquela coleção original hoje poderia valer US$ 200 milhões. A coleção atual certa vez foi avaliada em US$ 16 milhões, mas dizem que pode chegar a até US$ 300 milhões. Nos últimos meses de vida de Hopper, a questão de quem a controlaria foi ganhando cada vez mais importância em sua mente.
Victoria podia ser hostess quando conheceu Hopper, mas no fim da vida dele já tinha se transformado em uma sofisticada esposa de Hollywood. Com olho para arte, ela ajudou a organizar exposições das fotos dele e o acompanhava em reuniões de negócios. Mas, alguns anos antes de ele morrer, a relação pessoal entre os dois começou a se deteriorar. Mesmo assim, depois de 14 anos de casamento, ela tomou a decisão de cuidar dele durante a doença. Ela também sabia que, segundo os termos do acordo feito antes do casamento, ela sairia sem nada se eles se divorciassem. Nos últimos anos, Hopper ainda desfrutava de suas armas e de suas drogas, apesar de usar quantidades menores. Ele mantinha uma espingarda carregada em casa e uma pistola no quarto. No fim da vida, Hopper estava fumando até US$ 700 em maconha medicinal por semana.
Hopper amava arte porque era um refúgio, uma maneira de se comunicar com os outros fora da tela, coisa que ele reconhecia, podia ser difícil para ele. Infelizmente, a coleção de arte dele acabaria por destruir sua família. Em julho do ano passado, ele decidiu que esta-va na hora de colocar Victoria em seu lugar, retirou-a do cargo de diretora de seu fundo de arte. Três meses depois, Victoria teve uma reunião com o administrador dos negócios dele e ficou desconfiada de que Hopper tivesse mudado seu testamento. Depois, ela insistiu para que o ator a acompanhasse à terapia para discutir o destino de seus bens, mas ele se recusou. "Victoria quer o dinheiro de Dennis", diz um amigo da família. "Ela considerava aquela coleção de arta como meio de se catapultar como celebridade no mundo da arte, e como o controle daquilo estava lhe sendo negado, ela enlouqueceu". No acordo anterior ao casamento, Victoria deveria receber 35% do inventário de Hopper, mais um quarto de seu seguro de vida de US$ 1 milhão - mas só se ainda estivesse casada e morando com ele quando ele morresse. O problema é que, quando o acordo anterior ao casamento foi escrito, a propriedade de Hopper em Venice só incluía a casa com fachada de metal e um estúdio pequeno. Agora ela tinha se expandido e incluía cinco casas independentes. E quem poderia dizer que Victoria não estava residindo na propriedade se ele simplesmente fizesse as malas e se mudasse para outra casa no complexo?
Antes de Victoria dar um passo assim tão sério, ela resolveu confrontar Hopper, algumas semanas antes do Natal, a respeito das mudanças no testamento. No dia seguinte, ela chegou em casa e descobriu que ele tinha saído da propriedade. Enquanto ele não estava lá, Victoria transportou diversas obras de arte que ela alegava ter recebido de presente, incluindo esculturas de Robert Graham e uma peça de Banksy intitulada In the Future Everyone Will Be Anonymous for Fifteen Minutes. Hopper avaliou as obras combinadas em US$ 1,5 milhão. Dois dias depois, Victoria pegou a filha Galene viajou para Boston para visitara mãe-ou pelo menos foi essa a primeira versão da história. "Depois ela disse que precisava ir embora porque alguém estava tentando matá-la e tinha colocado açúcar no tanque de gasolina dela", Marin afirma em documentos processuais. Em janeiro, Victoria finalmente saiu da casa principal com Galen e se instalou em um dos chalés de Gehry que Hopper usava como estúdio de arte. Mas as brigas continuaram a se acirrar. O estúdio, que Galen chamava de "casa de acampamento", não estava pronto para receber moradores - não havia energia elétrica suficiente para deixar o aquecedor e as luzes ligadas ao mesmo tempo -, mas, quando Victoria tentou consertar, o advogado de Hopper enviou uma carta explicando que ela tinha "estragado uma casa projetada por Frank Gehry (o arquiteto mais famoso do mundo) ao instalar ventilação desnecessária".
Dois dias depois de ela mudar para a casa de acampamento, Victoria afirma, Hopper entregou documentos de divórcio na frente da filha dos dois, de 6 anos. A última conversa entre os dois foi breve. "Eu expressei a ele que vou sempre amá-lo pelos anos que passamos juntos, e pela filha linda que nós compartilhamos", ela explica em documentos processuais. " Ele respondeu: 'Saia daqui, porra'." Depois da separação, Hopper colocou em vigor um acordo que a proibia de ficar a menos de três metros dele e dos filhos dele. A Justiça deu a Victoria US$ 12 mil por mês, mas ele se recusou a dar depoimentos formais no processo de divórcio. Victoria ficou exasperada e afirmou que ele não estava doente demais para testemunhar. Mas ela estava errada: em abril, Hopper levou todos os filhos para Taos, para mostrar a ele o lugar onde queria ser enterrado. Ele teria gostado de morrer em Taos, que ele chamava de seu "lar do coração, mas ele sabia que não podia - queria ficar perto de Galen, que estava em Los Angeles com Victoria. Também começou a trabalhar com Schnabel em uma grande retrospectiva de suas próprias obras de arte, exibidas no Museu de Arte Contemporânea, em julho. "Achei que isso serviria para ressuscitar Dennis de certa maneira", diz Schnabel. "Ele se envolveu muito no levantamento das informações, e eu achei que o corpo dele melhoraria com essa atividade."
Em suas últimas semanas, Hopper resolveu se distanciar do divórcio. Na noite em que morreu, em 29 de maio, estava com os filhos. Deitado na cama, disse o nome de Henry duas vezes. "Ele se orgulhava muito do trabalho de ator de Henry", diz o amigo Shafrazi. "Então seus olhos se voltaram para algo à sua frente e ele se foi." Os amigos dos filhos imediatamente encheram a casa de comida e risadas, e c onvidaram as pessoas mais próximas de Hopper para embarcar em um avião particular para o enterro em Taos, alguns dias mais tarde. Mas a filha mais nova não participou da cerimônia: Hopper tinha se recusado a permitir que Victoria comparecesse, e ela não queria que Galen passasse pelo estresse do enterro do pai sem a presença da mãe.
No fim da vida, em uma de suas viagens com o Guggenheim Motorcycle Club, Hopper ficou emocionado quando o amigo Laurence Fishburne confessou que se sentia intimidado pelo mundo da arte. "Permita-me mostrar o museu a você", Hopper sugeriu."Deixe-me mostrar a você o que isso significa." Conduzindo Fishburne por peças e galerias silenciosas, Hopper explicou o processo em termos contundentes. "Estas pinturas, todas estas obras no museu, são suas amigas, e você vai visitar as suas amigas", ele disse. "E, se tem alguém aqui de quem você não gosta, não precisa perder seu tempo com ela." Foi a mesma coisa no enterro. De acordo com uma fonte próxima a Hopper, Victoria não foi a única a não ser convidada: os filhos de Hopper tinham uma lista de pessoas proibidas de prestar sua homenagem. Mas, para quem compareceu, a cerimônia marcou a morte de uma lenda. Em uma igreja de adobe retratada em quadros de Georgia O'Keeffe, o irmão de Hopper leu "The Pilgrim", a ode de Kris Kristofferson a seu amigo solitário e briguento. Houve muitas risadas e muitas lágrimas. Então Hopper foi colocado para o descanso eterno em solo indígena sagrado. Enquanto seu corpo ia descendo na cova, os presentes ouviram um último estrondo furioso. "Havia um monte de motociclistas enfileirados", diz Nicholson. "E, quando eles aceleraram os motores, eu também me senti acelerado."
FONTE: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/47/textos/uma-vida-cheia-de-furia-e-os-ultimos-dias-de-dennis-hopper/
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