Avaliação:  nota 7
 
 
 

Poucas vezes o subúrbio brasileiro foi retratado na tela grande com tamanha comicidade e até fidelidade como neste “Família Vende Tudo”. Em geral, as favelas e bairros pobres do País presenciam histórias trágicas, as quais contribuíram para rotular o cinema nacional como marginal e violento. Sobra para as novelas (especialmente as de Glória Perez) a função de fazer um retrato mais alegre, com o conhecido bom-humor do povo brasileiro. A televisão, ainda assim, não consegue fugir de estereótipos, o que o novo filme de Alain Fresnot (“Desmundo”) faz com incrível inteligência ao reconhecer que seus personagens não são pessoas tão sábias, éticas e de bom gosto.

Mas não pense que eles são vilões malvados. São apenas alienados o suficiente para deixarem-se enganar por igrejas evangélicas golpistas e por serem extremamente influenciados pela televisão em suas escolhas “intelectuais”. São ainda donos de um padrão diferenciado de caráter, em que não é errado fazer pequenos furtos, falar um linguajar inapropriado, fundarem a própria igreja evangélica para se autofavorecerem e darem golpes em artistas famosos, por meio de uma estratégia que não hesita em usar o sonho de uma das integrantes da família.

Essa é Lindinha (ou, caso prefira – mesmo que seja bem improvável, Sabineide), uma adolescente absolutamente apaixonada pelo cantor brega Ivan Carlos (Caco Ciocler), o rei do xique, uma espécie de lambada dos dias atuais. Após ver seus pais, Ariclenes (Lima Duarte) e Cida (Vera Holtz), perderem a mercadoria contrabandeada do Paraguai, ela (Marisol Ribeiro) concorda em permitir-se ser assediada pelo astro para recuperar o dinheiro perdido e, de lambuja, realizar o seu sonho. Depois de alguns percalços pelo caminho, a estratégia funciona, o que dá início a uma confusão que quase acaba no altar.

Capturando com incrível naturalidade a maneira de agir dessa família, Fresnot exibe um universo bizarro e completamente sem glamour, aonde as pessoas cantam alto em plena longa viagem de ônibus (e também são abusadas sexualmente sem nenhuma dramaticidade inclusa), o sexo casual é palavra de ordem e o desrespeito e o amor pelos familiares caminham juntos. Jamais se levando a sério, mesmo porque a trama gira em torno de um grande ato “cara-de-pau”, o filme funciona como uma comédia de costumes, em que o essencial é a observação de como o humor é extraído de atitudes que parecem corriqueiras para seus personagens.

O roteiro do próprio Fresnot, escrito ao lado de Marcus Aurélio Pimenta, valoriza a banalidade. Do início ao fim, atos de estupidez são seguidos de mais atos de estupidez, não porque o longa quer fazer piada a todo momento, mas porque respeita a natureza dessas pessoas, incapazes de formular uma frase articulada para elogiar uma mulher ou de saber o significado de vasectomia. A falta de sabedoria também se estende ao famoso da trama, um homem que escreve letras musicais cujos refrões não trazem mensagem alguma (o mais popular deles diz “xique, xique, crau”) e que não consegue conter o próprio impulso sexual. A inspiração real seria a vida do cantor Latino, e as semelhanças são grandes. Latino, por sinal, aparece em participação especial.

A história, porém, perde-se no meio do caminho, bem como apresenta personagens que pouco dizem a que veio. A versão de Luana Piovani como atual esposa desconhecida do cantor que acaba, posteriormente, fazendo a própria carreira musical, não traz a criticidade suficiente, muito menos possui as referências à história verdadeira na qual se baseou. No mesmo núcleo está a produtora de Ivan Carlos que, mesmo com o grande tempo concedido, não faz rir em muitos momentos. O grande problema, no entanto, está no romance entre a mocinha e o astro, que entre atropelos e falta de explicações do roteiro, soa forçado, ainda que o final recupere parte da comicidade e até ouse prever um futuro não menos vergonhoso para suas inspirações.

Por outro lado, o elenco de “Família Vende Tudo” brilha. É gratificante ver Vera Holtz e Lima Duarte despirem-se dos vícios da televisão e terem interpretações convincentes como os pais irresponsáveis da menina Lindinha. Aliás, Marisol Ribeiro é um show à parte. A atriz dá à jovem a inocência e sensualidade de uma garota sem grandes instruções educacionais. Premiado como melhor ator do Cine Pe 2011, Caco Ciocler está agradavelmente estúpido como o cantor de pouco talento cujos excessos dão origem a esta divertida história, que não tem medo de ser bizarra em sua essência.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema