Avaliação: nota 10
 

Mutação é a chave para a evolução. O problema é que nem todas as mutações são exatamente benignas. Quando a franquia “X-Men” migrou para os cinemas, o cineasta Bryan Singer entregou aos fãs e ao público em geral não só duas boas adaptações dos quadrinhos criados por Stan Lee e Jack Kirby, mas dois ótimos filmes. O terceiro capítulo foi capitaneado por Brett Ratner e não foi um longa ruim, mas focou demais em entregar coisas que apenas os fãs desejavam ver. Daí veio “X-Men Origens – Wolverine” e o clima sério que permeava as películas anteriores ficou em segundo plano e o resultado foi aquém do esperado.

Chega agora às telas este “X-Men – Primeira Classe”, com Singer assumindo a posição de produtor e com o talentoso Matthew Vaughn (“Kick-Ass – Quebrando Tudo”) na cadeira de diretor e co-roteirista. Respeitando (ao menos parcialmente) o que foi mostrado na trilogia original e basicamente jogando no limbo a fita-solo do Wolverine, esta nova produção recoloca, de modo surpreendente, os mutantes na linha.

Misturando ficção e fatos históricos, a trama nos conta como, em meio à crise dos mísseis em Cuba em 1962, Charles Xavier (James McAvoy) e Erik Lensherr (Michael Fassbender) vieram a se tornar os rivais Professor X e Magneto. Enquanto o jovem Lensherr não conheceu nada em sua infância além de horrores nas mãos dos nazistas, crescendo com nada além de vingança contra seus algozes em sua mente, Xavier foi criado em um ambiente abastado, podendo explorar seus dons e, a despeito de compreender o preconceito, abraça uma doutrina pacifista.

As jornadas dos dois acabam se cruzando de maneira explosiva enquanto caçam, por motivos distintos, um aristocrata chamado Sebastian Shaw (Kevin Bacon), que deseja começar a Terceira Guerra Mundial com a ajuda de seu Clube do Inferno. Contando com um auxílio instável vindo da CIA, Charles e Erik começam a reunir outros mutantes ao redor do mundo com o objetivo de deter Shaw. No entanto, o modo de pensar dos dois amigos poderá colocá-los em uma rota de colisão.
James McAvoy faz um trabalho excepcional em afastar Xavier da aura de santo que o personagem tinha quando vivido por Patrick Stewart, mostrando-o como um jovem excepcionalmente inteligente e compassivo, mas também muito humano, gostando de se divertir e paquerar, em uma nova e interessante visão do Professor X.

No entanto, o filme é realmente de Michael Fassbender, que transforma o seu Erik na figura mais fascinante da franquia, respeitando o trabalho de Ian McKellen, mas acrescentando um rancor e uma ira que comovem a plateia, nos compadecendo com o sofrimento que este experimenta e tornando compreensível o ódio no coração do futuro Magneto. Impossível não notar o paralelo entre as ações de Erik no começo do filme com as dos Bastardos Inglórios de Quentin Tarantino, principalmente em uma cena em um bar na Argentina.

Mesmo com o destaque dado aos dois principais jogadores da saga, os demais personagens não estão em cena como mero enfeite, cada um exercendo seu papel dentro da narrativa. A indicada ao Oscar Jennifer Lawrence hipnotiza o público com sua Raven, com seu desejo de aceitação sendo algo palpável para o público e sua vontade de se relacionar com alguém que a compreenda sendo fundamental para a mensagem do filme.

O arco de Raven bate de frente com o do jovem Hank McCoy, vivido com intensidade por Nicholas Hoult. Hank nos é apresentado como um jovem brilhante, mas que não se vê como um indivíduo realizado justamente por conta de sua mutação, que lhe passa uma imagem animalesca. O fruto do desejo de normalidade do rapaz não deixa de ser tragicamente irônico.

Outro destaque no elenco é a bela Rose Byrne, como uma intrépida e visionária agente da CIA que age como contato de Charles e Erik com a agência. O ótimo Oliver Platt também participa do longa como um dos aliados de Charles, sendo uma pena que apareça tão pouco.

Do outro lado da cerca, os destaques são obviamente o Sebastian Shaw de Kevin Bacon e sua Rainha Branca, Emma Frost (January Jones). Bacon vive Shaw como um perfeito vilão de James Bond, megalomaníaco, audaz e com uma presença forte. O ator nos dá uma interpretação energética como Shaw, nos mostrando exatamente o sadismo do vilão. Por sua vez, January Jones carrega um pouco demais no tom blasé com sua Emma, acabando por ser o ponto fraco do elenco.

Não foi por acidente que citei o tom meio James Bond mais acima. Filmando o longa nos estúdios da Pinewood, onde os filmes do 007 são gravados, a influência dos filmes da era Connery de Bond é perceptível na nova aventura dos mutantes, principalmente em seu design de produção. 

A cinematografia de John Mathieson, com exceção da cena inicial, prima por cores mais quentes, combinando com o ambiente proposto pela clima do longa.

No entanto, apesar de não ser um filme desprovido de senso de humor, em nenhum momento a fita tende para o kitsch, sempre levando a si e aos seus personagens a sério, com seu diretor sabendo criar um clima de tensão constante e mostrar na tela o drama daquelas pessoas especiais, sem esquecer de entregar cenas de ação fantásticas, com destaque para a invasão de Erik a uma casamata Soviética e o ataque do Clube do Inferno a uma instalação do governo americano.

Inteligente, divertido e empolgante, “X-Men – Primeira Classe” é um recomeço arrebatador para a franquia, com essa mutação se mostrando uma bela evolução para a série. Recomendado.

P.S.:  não temos uma cenas pós-créditos, mas vários easter-eggs farão a festa dos fãs da saga, incluindo duas ótimas pontas de personagens conhecidos.
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Thiago Siqueira
é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.