Avaliação: NOTA 9
 

Retire as escassas tomadas da bandeira israelense, desconheça o idioma falado pelos personagens, dispense as explicações iniciais sobre a história que irá ser contada a seguir e este “Beaufort” poderia se passar em qualquer país, advir de qualquer nação com um mínimo histórico de guerra em suas últimas décadas de vida. A universalização da experiência sentida pelos soldados que protegeram o forte que leva o nome do longa está entre os principais objetivos desta produção. Mas é criticar a (falta de) necessidade de confrontos como retratado no longa que constitui a razão de existência deste emotivo e silencioso filme de guerra.

Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 2007 (sim, trata-se de mais um bom exemplar a chegar bastante atrasado aos cinemas nacionais), esta produção israelense traz uma trama que não poderia ser mais simples. Em pleno ano 2000, cerca de 18 anos depois do início da Guerra do Líbano, uma série de soldados, a maioria recém-saída da adolescência, ainda protege o lendário forte de Beaufort (localizado no sul do país citado), construído durante as Cruzadas. Mas há pouco a fazer, além de desviarem-se de rotineiros e pouco ofensivos ataques do Hezbollah. No entanto, o que mais incomoda a todos é a falta de motivos por ainda não terem cruzado a fronteira e voltado para casa.

Dirigido e escrito por Joseph Cedar, que divide a última função com Ron Leshem (autor do livro no qual baseia-se a história), “Beaufort”, em seus primeiros minutos, parece até um comum longa do gênero (o qual questiona, vale destacar) ao exibir seus personagens desviando-se de ataques de tropas desconhecidas. A barulheira inicial, porém, logo é substituída por diálogos e silêncios que revelam uma rotina mais psicológica do que fisicamente desgastante. A verdade é que não há grandes riscos de vida para os “moradores” da muralha, mas circunstâncias atípicas, mandos superiores e erros estratégicos levam alguns deles a um destino não tão agradável.

O principal dos militares é Liraz (Oshiri Cohen), um jovem de apenas 22 anos que possui como principal virtude a sua dedicação, advindo de um patriotismo nunca defendido pelo filme. É ele quem costura a trama e nos faz conhecer o caráter e a personalidade de alguns do seus colegas, bem como as comuns histórias de vida de alguns deles. Ciente da dificuldade do espectador de identificar os personagens, devido a semelhança entre eles e a maneira como se trajam, o roteiro tem a esperta ideia de contar mini-tramas de forma linear, apresentando-os, para pouco depois despedir-se dos militares, encerrando o “capítulo” de cada um deles sem cerimônia, surpreendendo o público acostumado a jamais se decepcionar com o destino de quem está se afeiçoando durante a projeção.

A estratégia, que facilmente poderia cair em um sentimentalismo piegas, é bem utilizada por Cedar, que tem na simplicidade sua principal característica. Dispensando técnicas de filmagem que transmitem instabilidade física, algo bastante comum em longas do gênero, o diretor opta por aprofundar as sensações de medo, inquietação e indignação. Logo quando as cenas emotivas chegam, a sensação de verossimilhança permanece, e logo percebemos que estamos completamente envolvidos por esse longa de enorme coração.Não por acaso, Cedar venceu o prêmio de melhor direção no Festival de Berlim em 2007. Vale destacar a bela cena em que um dos militares quebra a tensão e canta lindamente para os seus companheiros, fazendo um deles, e porque não o espectador, desabar em lágrimas.

Dono de uma edição cheia de ritmo e de uma trilha sonora constante e tocante, “Beaufort” defende com êxitos sua mensagem pacifista, mesmo não sendo das mais originais, com doses bem mesuradas de realismo e emotividade. Jamais defendendo ou condenando a atitude de Israel em permanecer em território estrangeiro (não há cenas com representantes do alto escalão do Governo), muito menos das tropas inimigas, da qual nunca vemos o rosto, o filme universaliza uma condição de impossibilidade e dedicação de homens comuns agindo a favor de sua Pátria, mesmo que seus motivos para tais atos não sejam lá tão verdadeiros.
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Darlano Dídimo
é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.