Avaliação: NOTA 7
É sempre bom se deparar com uma obra que supera as expectativas, ainda que não seja em muito. Mesmo por meio de uma linguagem convencional que imprime suas formalidades, muitas vezes presas ao gênero, “Headhunters” ainda consegue oferecer algo fora da caixa. Tanto pela história como pelas imagens, este é um filme que deixa suas tímidas marcas após a exibição. 

O longa acompanha Roger Brown (Aksel Hennie), funcionário de uma empresa de recrutamento que nas horas vagas rouba e revende quadros valiosos para manter um nível de conforto e sofisticação ao lado de sua esposa, Diana (Synnøve Macody Lund), dona de uma galeria de arte recém inaugurada que desconhece as práticas criminosas do marido. À beira da falência, visto sua ambição maior do que seu bolso, Roger encontra a oportunidade que pode lhe garantir uma vida isenta de preocupações financeiras, mas acaba se deparando com uma estranha teia de relações da qual ele é o alvo.

Adaptado do livro homônimo de Jo Nesbø, o roteiro de Lars Gudmestad e Ulf Ryberg é extremamente sucinto. Ao mesmo tempo em que consegue atribuir a pequenos momentos uma importância fundamental para a evolução da trama, também é descritivo quando necessário, não se atendo a questões que, se expostas de outra maneira, tomariam um considerável tempo e desviariam o foco. As motivações dos personagens não ficam muito claras até o terceiro ato, mas o desenrolar dos fatos entretém o bastante para que as prováveis dúvidas do espectador fiquem suspensas até a hora correta de serem sanadas – mesmo que algumas respostas genéricas revelem maior preocupação com o fechamento de buracos do que com o significado delas para os personagens.

A direção de Morten Tyldum trabalha bem com as diferentes atmosferas do filme, passeando entre o drama romântico e a violência gráfica em uma desenvoltura que mantém o naturalismo e a fluidez das situações. Os movimentos de câmera e os tipos de planos similares em cada sequência dão coesão às imagens, formando uma unidade a cada bloco de ações – como na sequência em que vemos a dinâmica do roubo de quadros, onde grande parte dos planos apresenta um movimento de câmera que rima na trajetória e na velocidade. Esta direção precisa é acompanhada pela montagem de Vidar Flataukan, que se utiliza frequentemente de pequenos saltos temporais (elipses) para definir o ritmo do longa e corroborar com a síntese do roteiro, sem perder a continuidade do clima imposto à cena.

É interessante como o desenvolvimento do enredo propõe um gradual rebaixamento do protagonista – física, psicológica e moralmente. Embora esta abordagem não seja novidade, há brechas que sugerem um trabalho simbólico neste sentido, o que merece reconhecimento. Além da clara metáfora na cena das fezes, isto também pode ser observado nas frequentes mudanças de vestimentas que Roger tem que fazer para evitar seu rastreamento. Tal prática é coerente no contexto da trama, mas também pode representar uma vulnerabilidade necessária ao processo de maturação do personagem. Roger fica nu de corpo e alma para que possa remodelar sua postura e suas ideias. Isto se dá sempre em frente a um rio, que carrega nas águas uma simbologia inerente de renovação.

A expressiva atuação de Hennie contribui muito para esse entendimento. Fornecendo um teor satírico coerente ao espanto e ao despreparo de seu personagem diante das circunstâncias que o cercam, o ator contrasta bruscamente duas imagens do protagonista. Primeiramente apresentado como um playboy esnobe, controlador e seguro de si, logo depois está desesperado e totalmente exposto pela queda de suas máscaras, evidenciando o medo da morte, a falha do plano, a crise amorosa, etc. – não é à toa que há uma atenção especial na retirada da aliança durante uma de suas despidas.

“Headhunters” é um daqueles filmes que nos faz torcer pelo bandido. Dito isso, uma discussão mais aprofundada sobre valores morais é totalmente viável nesta obra, mesmo que as convenções do gênero se imponham em certo nível. Com roteiro objetivo, direção rica e atuações competentes, o longa norueguês surpreende aparentemente sem querer. A simplicidade quase despretensiosa tanto garante um bom divertimento temporário quanto oferece possibilidades para maiores reflexões.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.