Avaliação: 8
 
O Bandido da Luz Vermelha, ou João Acácio Pereira da Costa, foi um ladrão que atacou a cidade de São Paulo durante os anos 1960, sempre carregando uma lanterna vermelha à tiracolo, sua marca registrada. Preso em 67, ele foi condenado a 352 anos de prisão, tendo sido solto após 30 anos cumpridos – e morto alguns meses depois.

A história de João rendeu um filme em 68, dirigido pelo então novato Rogério Sganzerla. “O Bandido da Luz Vermelha”, que teve o personagem-título vivido pelo ator Paulo Villaça (falecido em 2003), tornou-se um dos maiores expoentes do cinema marginal e, mesmo que o final daquele longa não tenha deixado muitas margens para continuação, Sganzerla roteirizou uma, ainda que que não tenha levado o projeto à cabo antes de sua morte, em 2004.

No entanto, mesmo com as perdas de Sganzerla e Villaça, a viúva do diretor Helena Ignez (que viveu a namorada de Jorge na película original) resolveu tocar a produção, codirigindo este “Luz Nas Trevas” ao lado do cineasta Ícaro Martins. Misto de continuação e homenagem ao cinema marginal, o filme mostra a estadia de Luz Vermelha (agora vivido por Ney Matogrosso) na prisão, enfocando paralelamente a jornada de seu filho Tudo-ou-Nada (André Guerreiro Lopes) na vida do crime.

A farsa exacerbada dá o tom do filme, com as caricaturas de heróis e bandidos funcionando dentro do universo extravagante ao qual somos apresentados, nos mostrando uma imitação de realidade bizarra o bastante para criar algum afastamento, mas familiar o suficiente para não tornar-se impossível criar qualquer identificação. Sim, tudo é exagerado, mas é por essa caricatura que a crítica social feita pela fita floresce.

O visual desse mundo e as referências a filmes pulps e às HQs de Will Eisner e, principalmente, ao próprio cinema marginal de Rogério Sganzerla também funcionam como um passeio a uma parte mais obscura da cultura pop. Os tons avermelhados quase psicodélicos tomam as rédeas do visual da fita, em uma mais que apropriada experiência febril, combinados com a narração e letreiros dignos de imprensa marrom que avançam a trama.

O próprio elenco é cheio de ótimas referências, como o papel de um político corrupto sendo vivido por Sérgio Mamberti (o ator participou do primeiro filme), além das pontas de Thunderbird, Simone Spoladore e Bruna Lombardi como damas fatais. Isso nos leva ao cast principal. Ney Matogrosso nos mostra um Jorge extremamente intenso, compensando sua inexperiência como ator com um avassalador carisma, um homem enjaulado traído por um sistema corrupto A câmera de Ignez e Martins ainda consegue dar todo um significado especial para a versão de “Sangue Latino” interpretada por Matogrosso durante a projeção.

Tudo-ou-Nada é um protagonista intrigante, entrando no mundo do crime justamente por querer se aproximar da figura “mítica” de seu pai, com André Guerreiro Lopes fazendo um excelente trabalho na composição do personagem e de seus conflitos, herdando o descontentamento de seu pai pelas leis.

A filha de Rogério Sganzerla e esposa de Lopes, Djin Sganzerla, encarna uma figura interessante como Jane, a namorada de Tudo-ou-Nada. Apesar de não ser exatamente inocente, ela deseja uma vida mais tranquila ao lado de seu amado, longe do submundo criminoso, lhe trazendo a lição primordial do longa: “O que se leva dessa vida é a vida que se leva”.

Demorando um pouco para encontrar seu prumo, “Luz nas Trevas” não é um filme comum ou mesmo fácil de digerir, devendo ser encarado mais como uma janela para outro período do cinema nacional, sendo um produto mais transgressor e ousado que a maioria das obras que esta geração está acostumada a assistir na telona, mas nunca menos relevante. É uma fita imperfeita, incômoda e pungente, valendo a pena ser vista justamente por isso.
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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.