domingo, 18 de outubro de 2009

CRÔNICA DE UM RISO ANUNCIADO


Pois então eu estava falando de humor outro dia – das razões que nos levam a rir, ou ainda, dos mais diversos estímulos que vão desembocar numa resposta comum, que é o riso –, quando uma amiga que mora em Washington (EUA), mas estava de passagem pelo Brasil (e desencontrou de mim, posto que estou justamente isolado aqui no Ceará gravando “No Limite”), me mandou um email com o instigante título de “Uma razão para viver”. Longe de tudo que eu gosto de cultura pop, como tenho insistido ultimamente, fiquei mais que curioso. E ao abrir encontrei apenas uma foto – na verdade, a reprodução de uma capa da “Entertainment Weekly”, que por alguma razão havia me escapado da ronda que eu costumo fazer pelo site da revista ew.com. E ali, estampados abaixo do logotipo do principal semanário de cultura pop americana, estavam eles: o elenco inteiro de “Seinfeld”, junto com Larry David.

Seria um truque? Uma reunião? Um “revival”? Uma “pegadinha”? Nada disso! Eles estavam lá simplesmente para anunciar que se juntaram mais uma vez para participar de alguns episódios (cinco, se não me engano) da nova temporada do brilhante sitcom criado e interpretado por Larry David, “Curb your enthusiasm” (que eu me divirto em traduzir apressadamente por “Menos!”).

Um pouco de background se faz necessário aqui, se você tem menos de 20 anos – ou se tem entre 20 e 30 anos e optou por passar sua adolescência assistindo “Friends” no lugar de “Seinfeld” (nada contra Joey, Monica, Ross, Phoebe, Chandler, Rachel, amigos, mas se um dia eu tiver tempo para fazer um estudo comparativo dos dois sitcoms que dominaram os anos 90 não tenho dúvidas de quem vai se dar melhor… mas eu divago…). Larry David foi um dos criadores de “Seinfeld”, que era, como todo bom fã declamava de cor, era um seriado sobre nada (o que era uma maneira esperta não só de promover o nonsense dos episódios como também um artifício elegante para dizer que o seriado era sobre “tudo”, tudo que nos cerca na vida moderna e nas relações que ela nos força a ter com os outros).

David era apontado como um dos cérebros responsáveis pelo sucesso da série – especialmente pela elaboração das situações surreais do cotidiano de uma cidade como “Nova York” (só para citar um exemplo mais à mão, quem não se lembra do “soup nazi”, ou “nazista da sopa”, que cozinhava uma sopa tão deliciosa que as pessoas atravessavam a cidade para experimentá-la, ficavam horas na longa fila de devotos do paladar, e ainda estavam sujeitas ao humor do dono da loja, que por razões mais que misteriosas podia simplesmente implicar e não servir a iguaria para você?). E não são poucos os “seinfieldólogos” que afirmam que as histórias “perderam pulso” quando, no auge do sucesso, ele resolveu abandonar o seriado.

Talvez ele não tivesse a fim de encarar a responsabilidade de manter “Seinfeld” no topo por muito mais tempo (para quem assiste televisão hoje, e sente a audiência completamente fragmentada – um fenômeno que não é só brasileiro, mas mundial, e que afeta especialmente os programas americanos – fica até difícil imaginar um seriado que fosse realmente um “evento”, que todo mundo parasse para ver, como um último capítulo de novela, como aconteceu com “Caminho das Índias” na última sexta-feira, só que todas as semanas!). Há rumores de brigas e disputas com o próprio Seinfield (que era mais ou menos o protagonista da série). Podia ser simplesmente uma estafa. Mas logo seus admiradores ficaram sabendo que Larry David tinha outros planos. Depois de alguns anos de hiato, finalmente surge na HBO (americana, depois no resto do mundo), a sensacional série “Curb your enthusiasm”, que ele não apenas escrevia mas também tinha o papel principal.

Desde o segundo parágrafo de hoje estou tentado aqui a escrever um pouco mais sobre “Seinfeld”, perguntar para você qual é seu episódio favorito; ou mesmo qual o seu personagem favorito (o meu é Elaine); fazer uma enquete sobre o momento mais memorável (a boneca com a cara da mãe de George ou Elaine passando na loja onde ela acha que foi mal tratada dizendo “bye bye sales commission”?); sobre a trama mais absurda (a namorada de George morrer por causa da cola dos envelopes do seu convite de casamento ou a Elaine ter que pegar sua comida chinesa “delivery” num endereço falso porque o restaurante não entregava no seu prédio?); a melhor entrada de Kramer no apartamento de Seinfeld; a mais improvável namorada do próprio Seinfeld (a que mais me fez rir foi aquela que tinha “mão de homem”); ou qualquer um dos milhares de assuntos que o seriado desperta… Mas vamos deixar isso para uma outra hora (quem sabe uma outra “efeméride” envolvendo o sitcom), e concentrar agora em “Curb”!

Se Seinfeld era “sobre o nada”, o projeto solo de David tinha um assunto muito definido: era sobre ele mesmo. Já que não o conheço pessoalmente – nunca tive a oportunidade de entrevistá-lo –, fico tentado (como qualquer um que assiste ao menos um episódio) a confundir personagem e ator. E não apenas porque o nome dele no seriado é Larry David! A naturalidade com que ele se envolve em brigas e confusões, rixas e dissabores, é tão impressionante, que não é difícil acreditar que você está vendo um “reality show”, e não um trabalho de ficção.

As coisas que acontecem com Larry David (o personagem) são totalmente verossímeis – poderiam acontecer com cada um de nós. Só que com ele, porém, tudo se torna o motivo de uma implicância, que vai escalando para discussões cada vez mais ácidas e embaraçosas, com consequências não menos que desastrosas para o próprio David. A própria maneira como as cenas são gravadas – Larry (o ator e escritor) dá apenas algumas linhas sobre o que espera daquela sequência e deixa tudo rolando no improviso mesmo – também ajuda a dar realismo aos diálogos, e o que você vê no final é menos um seriado de humor do que um estudo em constrangimento e auto-humilhação.

Assim como “Seinfeld”, explicar um episódio de “Curb” é tarefa ingrata, pois o grande atrativo de cada um deles não é o argumento, mas todos os desdobramentos de sua idéia inicial. Há por exemplo o episódio (cito de cabeça aqui, já que estou longe da minha coleção completa das seis temporadas em DVD – da qual muito me orgulho!) em que ele desconfia que o macarrão com camarão que eles sempre pedem no delivery veio com menos camarão dessa vez, e arma um “grande plano” para conferir se o dono do restaurante o está enganando. Ou aquele em que um comentário seu inocente para uma amiga de sua mulher que ele encontra fazendo “jogging” o transforma no homem mais sexista de toda Los Angeles (onde se passa o seriado). Tem ainda um surreal em que ele corta os cabelos de uma boneca raríssima da filha do dono da casa onde ele foi convidado para uma festa – e tem que arrumar outra “igualzinha” de qualquer jeito. Ou então aquele que tem a conversa telefônica mais absurda que eu já vi na TV: sua mulher, dentro do avião que está caindo (a situação está tão grave que o piloto autorizou usar o celular), liga para ele para se “despedir” e David diz que não pode falar com ela porque está com o “cara da TV a cabo” em casa - e “você sabe como são esses caras”…

Agora então imagine o potencial de cruzar isso com o elenco de “Seinfeld”!

Não será exatamente a primeira vez que algum daqueles atores participa de “Curb”. Jason Alexander (George Costanza) apareceu em alguns episódios tentando justamente emplacar um novo programa que o livrasse da “maldição de Seinfeld” (com exceção de Julia Louis-Dreyfus, que fazia o papel de Elaine e se deu relativamente bem com “The new adventures of old Christine”, nenhum deles, nem o próprio Seinfeld, conseguiu sucesso depois do seriado). E a própria Julia Louis-Dreyfus também fez uma ponta de luxo como ela mesma “pagando um favor” para David – isto é, visitando uma vizinha dele que era fã de Elaine, para desfazer um mal entendido entre eles (sim, as tramas são absurdas assim mesmo!). Mas o que está prestes a acontecer agora é muito, mas muito mais especial!

Saudosismos à parte, esse encontro tem tudo para dar certo. Sei que a nova temporada de “Curb” (a sétima) está para estrear – vi um trailer da edição digital da “The New Yorker” (numa novidade que eu achei bem esperta, ao folhear as páginas da revista, exatamente como você folhearia uma de papel, ao passar o mouse sobre o anúncio da série, que é uma reprodução do que saiu no exemplar vendido em bancas, você pode assistir ao trailer!), mas ele não revela nada sobre isso. Ao mesmo tempo, estou tentando até evitando “garimpar” informações na internet sobre o reencontro, apenas para não diminuir o prazer que eu sei que vou sentir quando finalmente assistir aos episódios. Como disse minha amiga, “Seinfeld” mais Larry David é, de fato uma boa razão para viver – e acrescento: “para se ter esperança na humanidade”.

Sobretudo a esperança de que é possível tirar humor de tudo – mesmo das pessoas mais mal-humoradas do mundo. O que, apenas para encerrar, me lembrou um cartum que vi nessa mesma edição da “New Yorker”, que, como todo bom cartum (lembrei-me que ainda quero escrever um post apenas sobre essa sofisticadíssima forma de humor) prima pela simplicidade: uma mulher com cara de assustada aproxima-se de policial no meio da rua e diz, “Seu guarda, tudo nesse mundo está me importunando” - palavras que poderiam bem sair da boca de Larry David…


ZECA CAMARGO

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