domingo, 17 de abril de 2011

Rede de Intrigas

Há mais de trinta anos, Sidney Lumet mostrava a verdadeira face das redes de televisão e realizava a maior de suas obras-primas.


Avaliação: 10
 
 
 

O norte-americano Sidney Lumet não era uma cineasta autoral, daqueles de estilo marcante, cheio de técnica no comando das câmeras e que tratava de temáticas específicas. Prezava por um bom roteiro e dele arrancava o que havia de melhor, sem encaixar-se em gêneros pré-estabelecidos, chocando e fazendo rir na mesma proporção. Era, enfim, um autêntico e genial contador de histórias, as quais, em sua maioria, se passavam em ambientes urbanos sem heróis e vilões, assim como a vida cotidiana, que resultavam em tramas sem aparente comprometimento com a moralidade.

Mas não foi assim em “Doze Homens e uma Sentença” (1957), sua primeira grande obra-prima. No longa, Lumet e o roteirista Reginald Rose usam de uma retórica mais explícita para libertar um acusado e mostrar a permeabilidade da justiça, em um filme que se passa inteiramente em um único espaço (a sala onde o júri se encontra). Em “Um Dia de Cão” (1975), o politicamente incorreto, ao lado de um tom ora cômico ora dramático, já se estabelece, na melhor parceria do diretor com Al Pacino. Mas foi um ano mais tarde, em “Rede de Intrigas”, que ele fez sua película mais provocativa, atacando as redes de televisão e entregando para o público o melhor de seus filmes.

Nele, Peter Finch interpreta Howard Beale, um famoso apresentador de um noticiário da antes lucrativa rede USB. Os baixos índices de audiência do programa, porém, levam-no a ser demitido, fato que Beale não só não esconde de seu escasso público, como também faz questão de anunciar que irá se matar em pleno ar dali a uma semana. O episódio causa, inicialmente, desprezo da cúpula da emissora, especialmente do diretor de jornalismo Max Schumacher (William Holden).
No entanto, uma nova chance a Beale transformam-no em um fenômeno televisivo, graças a sua total falta de escrúpulos para falar sobre assuntos que os americanos, em época de crise econômica, necessitavam desabafar há meses. A venda da USB a uma poderosa corporação e a consequente ânsia por lucros levam o apresentador a alçar vôos mais altos, sendo deslocado para a linha de shows da emissora, agora sob o comando da ambiciosa Diana Christensen (Faye Dunway), para quem não há limite ético quando o assunto é elevar a audiência.

E é Diana a grande personagem de “Rede de Intrigas”. A diretora encarna a própria rede de televisão, como explicita o roteiro magnífico de Paddy Chayefsky em cena com William Holden. É pretensiosa e egoísta, pensando apenas no próprio interesse financeiro e nas possibilidades que o crescimento da visibilidade dos programas diante do público podem trazer. E para alcançar seus objetivos ela faz de tudo, deixando a qualidade de lado ao explorar o sensacionalismo de todas as formas, ao ponto de dar voz a grupos revolucionários apenas para exibir cenas de assaltos a bancos filmadas em plena ação.

Especialmente através dela, Chayefsky mostra sua visão crítica e mordaz do universo televisivo, aonde a melhor informação é aquela com maior potencial para vender, para atrair mais espectadores e, consequentemente, maiores patrocínios. Mesmo realizado há mais de trinta anos, o filme permanece tão atual quanto antes, certificação suficiente para enquadrá-lo como uma grande obra, que se torna ainda maior por jamais idealizar seus personagens ou história e não deixar o romantismo vencer seu olhar pessimista do ainda mais importante e influente meio de comunicação do mundo.

Em Howard Beale, vemos a função do formador de opinião, cuja figura Sidney Lumet trata de descontruir. No longa, coragem e firmeza compõem a personalidade do apresentador, mas unida a um alto grau de insanidade, ingredientes perfeitos para um representante da voz de um povo alienado, em crítica também muito bem realizada em “Tropa de Elite 2″. O cenário, aliás, se enquadra ainda melhor no dias de hoje, especialmente no Brasil, onde essas pessoas abandonaram o estúdio e se dirigiram ao plenário, deixando claro que não há caricaturas no filme.
Mesmo porque Chayefsky faz questão de tirar seus personagens do ambiente de trabalho e introduzí-los em tímidos, mas essencias relacionamentos afetivos, que acrescentam-lhe uma camada extra de profundidade. O melhor exemplo é Max Schumacher, o verdadeiro protagonista do longa. Por meio da crise matrimonial e do caso improvável com Diana, este competente jornalista deixa de ser um mero profissional “em desuso” e vira um homem complexo, dedicado ao trabalho, mas infiel no casamento.

Além de uma direção sóbria e um roteiro ácido, cheio de diálogos afiados, a produção tem, sem exageros, um dos melhores desempenhos de um elenco na história de Hollywood. E não por acaso, recebeu cinco indicações ao Oscar nestas categorias, ganhando três delas: melhor atriz (Dunway), melhor ator (Peter Finch, em prêmio póstumo) e melhor atriz coadjuvante (Beatrice Straight, como a esposa de Max, Louise Schumacher). Straight, por acaso, reflete o alto nível de atuações da película, ao possuir apenas uma, mas digníssima, cena em todo o filme.

A outra estatueta foi concedida a Paddy Chayefsky, por um roteiro original, que diferente dos donos da USB, não deixa-se corromper por pressões externas, assim como jamais esquece de manter-se distante do politicamente correto, diferenciando-se de outras grandes obras sobre assuntos semelhantes, como “O Informante” e “Todos os Homens do Presidente”. Quem ficou de mãos vazias foi Sidney Lumet, como ficaria até receber seu prêmio honorário em 2005, por uma carreira que valorizou atores e roteiros ao contar histórias em um nível de absurdo que só ele conseguia encontrar ao nunca tirar, por completo, o pé da realidade.
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Darlano Dídimo
é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandeza que é o cinema.

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