Avaliação: NOTA 10
 


Após sete livros instigantes e oito filmes respeitosos à trama criada por J.K. Rowling, tudo acabou. Acabaram os encontros anuais e as pré estreias malucas, em que você agradece por ter legenda, já que ninguém consegue não vibrar com o que está sendo visto em tela. Acabou a história que entrou para a cultura popular e ficou enraizada em uma geração que cada vez menos consome cinema de qualidade. A luta entre o bem e o mal em Hogwarts durou 10 anos para ser concretizada e, com ela, um filme incrível que atinge as expectativas e mostra como se faz um épico.

Tem se falado bastante que o grande problema de “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2” que o inferioriza ao seu anterior é o fato de começar sem uma introdução didática que nos reapresente os objetivos do nosso herói. Ora, acompanhamos durante anos os desafios para a destruição de Lord Voldemort e já sabemos quem é quem ali, então não é preciso exigir um roteiro tradicional até mesmo porque o filme é uma segunda parte do que começou anteriormente. A trama de Rowling está no imaginário popular, então não é necessário ter inocência no desfecho da franquia ou julgar sua eficiência por já transportar o público para a ação.

Dito isso, fica claro que a estratégia mercadológica está presente, já que, ao dividir o último livro em dois filmes, a bilheteria aumenta para os cofres da Warner. Em paralelo, também fica claro que foi uma forma de levar o público a uma experiência além das sete obras literárias. Este oitavo filme é uma homenagem aos fãs, que tanto esperaram o fim, apesar do lamento. O diretor David Yates trabalhou de forma magnífica para encerrar com glória, se apropriando até mesmo da liberdade criativa do roteiro de Steve Kloves ao não exaltar a importância de uma vitória em si de Harry, mas principalmente ao mostrar os personagens como seres desgastados por um histórico de guerra. As perdas estão ali e são irreparáveis. É preciso resolver o caos para tentar viver bem novamente.

Assim, o script não perde tempo com pequenos detalhes que no livro até fazem diferença, mas nas telonas puderam ser amenizados. Até mesmo algumas escolhas problemáticas da história escrita originalmente Rowling são sanados em tela, dando espaço às resoluções mais importantes do que mesmo apresentar os relacionamentos amorosos dos protagonistas ou se esticar nas mortes dos coadjuvantes. O filme é rápido e sua curta duração é correta, já que desenvolve em tempo hábil o arco narrativo.

A equipe técnica corrige a maioria dos erros da primeira parte de “As Relíquias da Morte”, que foi um pouco inferior na realização de efeitos visuais. Aqui, os efeitos se aliam mais do que nunca à fotografia de Eduardo Serra e à competente direção de arte para formatar uma mise-en-scène irretocável. Está tudo em seu lugar, colaborando também para que a ação não seja prejudicada. O intenso trabalho técnico glorifica o desfecho da saga, que exige naturalmente um bom olhar e muita experiência na transposição dos quesitos técnicos para as telas.

A maquiagem e o figurino seguem o estilo adotado nos outros filmes, sem muita diferença. Apenas no epílogo ocorre o estranhamento em vê-los modificados, mas nada tão agressivo que não seja possível compreender. Aliás, o epílogo é competente por se resolver da forma mais óbvia, mas que ao mesmo tempo desperta a sensação de ciclo que se reinicia, deixando o público com vontade de recomeçar toda a saga.

A trilha sonora de Alexandre Desplat, bem mais discreta, pontua os momentos de maior tensão da trama, também dando espaço ao silêncio essencial em momentos chave. A edição faz o seu melhor trabalho em oito filmes, sendo um deleite aos olhos. Não há dispersão do público nem mesmo nos momentos mais dramáticos. O ritmo do filme inclui os espectadores em uma esfera de participação em que eles não conseguem sequer olhar para o lado. Tudo que é mostrado e as escolhas de como apresentar, seja pelo diretor ou pela edição, são atrativos que não se perdem.

Apesar do crescimento físico do trio de atores principais, o que mais impressiona em “As Relíquias da Morte – Parte 2” é a evolução cênica deles. Daniel Radcliffe está em sua melhor forma, com a maturidade não somente na forma com que fala os diálogos, mas em toda a sua expressão corporal. Rupert Grint também está mais a vontade, ainda que sua importância não tenha tanto destaque. Talvez por isso o roteiro o coloque como inteligente, muitas vezes surpreendendo Hermione. Emma Watson, que sempre foi a mais espontânea dos três, continua com o título de melhor bruxa. Como dito em filmes anteriores, Harry e Ron não durariam dois dias sem ela.

Os destaques no elenco, entretanto, ficam com os coadjuvantes. Alan Rickman dá seu show particular em cena, por trabalhar as diversas nuances de Snape de forma esplêndida, como nas memórias vistas por Harry, onde Snape mostra sua vulnerabilidade e se reconstrói. Ralph Fiennes esperou o último longa para mostrar a verdadeira persona de Voldemort. Aqui, Fiennes tem oportunidade de trazer toda a paranoia do vilão, bem como seu desejo em ser invencível. Destaque também para Maggie Smith, que faz de Minerva uma mistura de desejo e irreverência neste último filme.

Julie Walters, a mãe Weasley, tem poucos diálogos em cena, mas participa de um dos momentos mais ovacionados de toda a franquia. Não tem como não citar a performance doentia de Helena Bonham Carter que, desde a sua primeira aparição, fez de Belatriz Lestrange uma personagem superior à criada por Rowling, sendo um guilty pleasure aos espectadores. Matthew Lewis recupera sua atenção perdida nos últimos filmes como o bravo Neville, enquanto Tom Felton também mostra seu cansaço frente àquela batalha, ainda que seu personagem Draco não tenha um desfecho significativo. Vale citar as rápidas aparições da maravilhosa Emma Thompson, como Sibila Trelawney, e Gary Oldman, como Sirius Black.

Em determinado momento do filme, o Dumbledore de Michael Gambon serve de porta voz de Rowling. Nesses anos todos, aprendemos a lição boba de que o bem sempre deve vencer o mal, mas principalmente de que o amor é a força motriz de tudo. A história do pequeno garoto que sobreviveu fala, acima de tudo, do amor que ultrapassa todas as barreiras, e talvez por isso justifique o quanto a saga é importante para uma geração de cinéfilos. A partir de agora, “Harry Potter” se torna imortal. “Hogwarts will always be there to welcome you home”.

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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e professor universitário na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.