domingo, 17 de julho de 2011

O Sangue do Artista

Por Mauricio Monteiro Filho
Rafael Grampá alcançou o sucesso repentino com sua primeira grande história em quadrinhos – agora, luta para domar demônios e provar o valor de sua arte

Foto: CISCO VASQUES
O sangue do artista
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Bem antes de Rafael Alexandre Claudino Dias ser o Grampá, ele foi evangélico. Dos 14 aos 17 anos, frequentou cultos regularmente na cidade de Cachoeirinha, interior do Rio Grande do Sul. Sabe a Bíblia de trás para frente até hoje. Mesmo os caminhos mais humanos podem levar ao reino do Senhor: ele entrou para a igreja com os amigos para ficar mais próximo das meninas bonitas da cidade, mas acabou tomando gosto pela religião. Tanto que, em certo verão, viajou por conta própria para as praias gaúchas com a ideia de atrair mais jovens para os cultos. Levava um panfleto, escrito por ele mesmo, como instrumento de propaganda. Depois de discorrer sobre as maravilhas da filiação ao credo evangélico, sintetizava tudo que sentia por Jesus, na última frase do folheto: "Jesus Cristo é afudê" - gíria sulista para algo "excelente". O pastor não gostou, achou a linguagem torpe. Rafael se defendeu, mas o episódio acabou custando a eterna desilusão dele com os assuntos da fé institucionalizada. Então ele encontrou a mais solitária, maldita, epifânica, onírica, beatífica e mundana das igrejas no universo das histórias em quadrinhos. E se tornou Grampá.

O processo do artista por trás dos quadrinhos envolve religião, só que de um jeito não divino. Basta Grampá pegar o pincel, que apoia de leve na polpa do polegar direito, mantendo o prumo sob a guarda do indicador, e o diabo parece se alojar debaixo de sua mesa, espreitando libidinoso sob a prancheta. E espera até que Grampá acerte as contas da dívida impagável que tem com o demônio da arte, desde que ela o escolheu. "Insisto em dizer que a arte é um encosto. Quem é artista vai concordar comigo", ele diz. "Tem que ter fé de fanático religioso para fazer HQ. Dá tanto trabalho, que até sair pra tomar uma cerveja gera arrependimento. E a gente tem que lidar com essa culpa cristã."

Cruel é que o virtuosismo do traço de Grampá, 33 anos, é capaz de contrabandear para o leitor as impressões dessa jornada ao inferno profundo. Ele se diverte pensando em criar histórias que ajam sobre o imaginário, algo como as vozes demoníacas dos discos tocados ao contrário. Seu primeiro trabalho solo, a graphic novel Mesmo Delivery, de 2008, está crivado de mensagens cifradas - boa parte delas de cunho satanista.

Desde então, Grampá sente que a ordem de grandeza do peso do "encosto" passou dos quilos para as toneladas. É essa a carga que ele afirma administrar a cada vez que se curva sobre o papel branco para trabalhar em novos projetos. Sobre os ombros, estão editores, fãs, críticos, colegas e ele próprio - a expectativa geral é de, no mínimo, um trabalho com o mesmo potencial de Mesmo Delivery. Por isso, desde o lançamento do livro, ele vem engordando seu diabinho de estimação, que lhe lança uma sombra cada vez maior e provoca, entre dentes às suas costas: "Desenha, guri".

Para aliviar a pressão, Grampá está entocado. Depois da fama instantânea gerada por Mesmo Delivery, ele se tornou celebridade no circuito especializado, virando noites em baladas, pulando de evento em evento. E criando menos do que gostaria.

Em julho de 2008, após anos se dedicando àquele que era um projeto pessoal, Grampá voou para São Diego para visitar o principal evento relacionado ao mercado de HQs, o Comic-Con. Ali, viu artistas de peso como Mike Mignola e Brian Azzarello comprando a sua obra. Em seguida, vieram os convites de editoras brasileiras e estrangeiras, como a Dark Horse, para ampliar a tiragem e lançar Mesmo Delivery comercialmente. Consta que estúdios como Universal, Sony, Screen Gems e Plan B - a produtora de Brad Pitt - teriam se interessado pelos direitos de filmagem da obra. Na época, cogitou-se que o cineasta Sam Raimi (da trilogia Homem-Aranha) seria o diretor do possível filme.

FONTE: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/57/textos/rafael-grampa-o-sangue-do-artista/

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