sábado, 21 de novembro de 2009

Uma reflexão sobre o Indie, deturpado no Brasil, mas comunitário lá fora


Afinal de contas o que está acontecendo com o rock? E que história é essa de indie rock na cultura pop? Quando eu aprendi o que era rock, não existia essa divisão entre alternativo e mainstream. Era tudo rock. O que havia transitava entre o hard, o psicodélico, o proto metal, o progressivo, o blues, o blues rock e outras vertentes, tudo junto com cinema, literatura e uma atitude política fortemente baseada em novos valores comportamentais e sociais. A música era inventiva, criativa, instigante e raramente se repetia. Tudo era muito ousado e sempre uma banda nova, ou não, surpreendia, chamava a atenção colocando um detalhe a mais no caldeirão da bruxaria intensa dos sons e das atitudes inteligentes. E tudo era amarrado a uma ideologia, a uma cultura de mudança bem delineada e espontânea.

Apesar das vertentes do rock entre os anos 1960 e 1980 serem claras - metal, punk, hard rock, gótico, new wave, progressivo, entre outras - todas, de um jeito ou de outro, se moldavam no mesmo conceito de buscar uma sonoridade diferente, de pesquisa, da vontade de se diferenciar em um mercado emergente e com uma grande demanda. Não havia essa linha divisora entre o rock e o rock alternativo, o metal e o metal alternativo, enfim, ninguém tinha inventado essa parada de indie rock. Que no fundo, é uma tamanha bobagem, especialmente no Brasil. E pra mim esse papo de banda velha, dinossauro, é pura falta de ousadia e de visão sistêmica. Por que bandas como o Rolling Stones, The Cure ou o The Who devem parar de tocar se são infinitamente mais intensas que as atuais? Picasso, Salvador Dali, Di Cavalcanti, Gabriel Garcia Marquez, Carl Sagan, Pina Bausch, Martha Graham, Timothy Leary foram depreciados com o passar dos anos? Arte boa é arte boa, é atemporal, assim como música ruim é música ruim. Ponto.



Dando uma fuçada pelo cyber espaço, e conversando com músicos, jornalistas e gente que produz cultura, percebi que, hoje, quase todo mundo está se tocando que a idéia primal do indie acabou se perdendo em um amontoado de grupos e artistas com pouca, ou nenhuma qualidade musical. E, pior do que isso, sem mostrar nenhuma novidade criativa há anos, salvo raríssimas exceções. Tantas bandas discutíveis no myspace, em sites, na noite, e as pessoas se dizendo indies, me dão a nítida impressão - e faz tempo - que a coisa está sem horizonte, que soa tudo igual, entediante, repetitivamente chata e sem imaginação. Enfim, o que era o termo indie rock, que determinava uma banda ou artista independente que não eram lançadas por grandes gravadoras, acabou virando um estilo musical e uma moda. Pra mim, como me disse uma vez em uma conversa o grande baixista Luiz português, o indie é o pós punk engessado e inerte. E grande parte da mídia aceitou isso sem saber muito bem por que. A de se respeitar, mas não preciso concordar.


Fábio Golfetti, compositor e guitarrista do Violeta de Outono, diz que não sabe certo como surgiu este termo. "Na minha vivencia e experiência como músico, acredito que indie se refere à independente, o que nunca foi nenhuma novidade no rock. Se pensar por este prisma, os artistas de Monterey (Festival, em 1967, na Califórnia) eram indies. A contracultura foi e ainda é um movimento independente e que incomoda. O que vejo nesta classificação indie de hoje é apenas mais um rotulo que foi criado pela indústria de discos e lojas para classificar alguma banda que soa no estilo das "primeiras" gravadoras independentes, acho que da Inglaterra no final dos anos 80 inicio dos 90". Ele explica que não é muito ligado a ouvir bandas pelo estilo musical, mas que precisa classificar discos que distribui pela Voiceprint. "Considero indie bandas recentes que fazem uma melodia pop em meio a guitarras, com uma atitude roqueira que não é metal, e algumas são muito boas".


Mas, afinal, o que é o indie? No Brasil a cultura indie é deturpada e é um grande mal entendido evidenciado pela falta de conhecimento e informação. Aqui só existem cena e modismo chulos, o que é uma coisa completamente diferente, bem diferente, do que rola nos EUA, Canadá e Europa, onde indie é uma forma de se envolver com música, ou arte independente em geral, fora do mainstream. Ou seja, produção de uma contra cultura organizada e consciente. Aqui indie é uma matéria sobre tribos no jornal. Não existe nem nunca existiu indie no Brasil. Só pra saber, alguém pode me apresentar alguma comunidade indie por aqui? Eu gostaria de saber! Não no Orkut, ou em qualquer site de relacionamentos. Mas uma comunidade na qual se produza cultura, jornais, revistas, rádios, fanzines, artes plásticas, roupas, música boa, enfim, atitudes produtivas. Para se ter uma idéia, na Europa existe os Squaters, prédios e casas desocupadas utilizadas como locais de residência, onde as comunidades independentes produzem projetos e atividades socioculturais. Os jovens usam como salas de shows alternativos de punk e hardcore, produzem revistas, programas de rádio, oficinas de arte, etc. Indie não é usar Nike e ouvir MGTM e Ting Tings. Indie não é frequentar a Outs, o Inferno, ou se emocionar ao som da última salvação do rock, indie, claro. Isso é o estereotipo de indie que se criou no Brasil. Não existe morte ou renascimento do indie no Brasil porque simplesmente ele nunca esteve aqui. Indie brasileiro é tão burlesco quanto skinhead brasileiro. No Brasil, o indie é quase tão mal-informado e limitado como quem gosta de axé ou de sertanejo. Mas é pior, é afetado e metido.


A compositora, cantora e artista plástica, Juliana Kehl -http://www.myspace.com/julianakehl - que lançou seu cd de forma independente em novembro de 2009 - diz que presta atenção na essência do movimento, que, em princípio, deveria ser de contra cultura que se opõe a oligarquia das gravadoras. "É um rearranjo do cenário musical da logística da viabilização da música em contraponto ao modelo antigo que existiu até a década de 1980. A democratização da tecnologia como o mp3 e o myspace, tem como ponto positivo o fato de permitir que qualquer pessoa de talento, que jamais teria chance de gravar um disco, faça isso. Por outro lado, pessoas que não têm talento e que jamais gravariam em outras circunstâncias passaram a poder gravar". A cantora levanta a bola para uma mega reflexão que também é minha e acho que de muita gente. Quem é esse público que se interessa, e parece se contentar, com um tipo de música claudicante e que parece desprovida de intensidade, alma, inteligência e qualidade?

Sérgio Martins, jornalista da Revista Veja, concorda que o indie se prendeu a um estereótipo de bandas com guitarras noise, atitudes desencanadas e músicos com ar blasé. Ele cita o show dos Strokes, no TIM Festival de 2005, como uma prova dessa falta de atitude. "O principal problema é que a música não tem a mesma importância como tinha anos atrás. Hoje ela virou trilha de balada, faz parte do pacote show e doidera. Ela não tem mais relação com a vida das pessoas, quando, por exemplo, você pegava um disco de vinil e, além de ouvir a exaustão, lia todas as informações da capa, a arte, enfim, você curtia o disco". Ele afirma que a distorção se baseia no hype do momento, onde o que vale é o modismo e não a qualidade dos músicos e da banda. Outra coisa que Sérgio aponta é que os músicos americanos são muito mais profissionais e originais do que os indies, porque aconteça o que acontecer eles fazem um show bem feito. "Com certeza falta atitude também na juventude, de não prestar atenção na música, não se importar com a qualidade e achar que a aparência é mais relevante", diz o jornalista.


Eu recebo muitos CDs de grupos indies nacionais e, por mais que tenha boa vontade para ouvir não acho nada realmente bom, diferente, inovador. E, para não dizer que nada presta em termos nacionais acho que Vanguart, Macaco Bong, Cidadão Instigado, Holger, Pata de Elefante, Wado e Stella Campos são legais, se diferenciam da massa inodora e incolor que povoa a cena. Sinto muito, porque com tanta facilidade para se fazer música hoje, era de se esperar mais qualidade, mais originalidade, mesmo pelo grande número de festivais (cerca de 60 por ano) e bandas existentes no país. Os undergrounds, independentes, alternativos e indies existem desde os anos 1960. A diferença fundamental era que, naquela época, tudo o que não seguia um padrão de sucesso comercial, maisntrean, era realmente independente. Rolou dessa forma com o lisérgico Velvet Underground nos anos 1960, com o simbiótico Talking Heads no final da decada de 1970, com o REM nos anos 1980, com o seminal Nirvana nos 1990, e também com ícones do chamado Britpop, como Stone Roses, Charlatans, Happy Mondays, e com a safra de novas bandas do começo do milênio, como Arctic Monkeys e The Strokes. Mas hoje, tudo é indie, menos o metal, que apesar de eu não ser muito chegado, é onde estão os melhores músicos.


Atualmente se tem nada no tudo de perspectivas possíveis. Todas as probabilidades para as pessoas se organizarem ao redor de uma idéia e criarem coisas boas estão ai, num simples clique de um mouse ou num software livre. Coletivos, mídia tática, tecnologia, espaço e democracia. "O que eu percebo", diz Juliana, "e sinto nos jovens de hoje é uma falta de direção política e estética. Parece que é tudo fácil e eles não têm uma coisa por que lutar. Em teoria, a gente tem um monte de coisas pra se preocupar. Mas não vejo os jovens se engajarem em nada. Talvez esse acomodamento se transfira para a música, ou seja, qualquer coisa que vem da mídia serve. O reflexo do que está rolando no mundo e no gosto musical das pessoas é o sintoma da própria sociedade de hoje, de uma coisa que acaba em uma cultura musical pobre". Ela concorda que o indie no Brasil perdeu o sentido principal , porque o próprio termo, que significa se opor a quem domina o cenário, ou seja, ser contra a industria cultural dominante, acabou virando desfile de moda, uma simples nomenclatura oca destituída de algum significado intenso, inteligente, e que produz questionamento.


Será que essas facilidades criaram uma falsa ilusão em "ser músico" nas gerações atuais, e isso gerou uma leva, ou mais de uma, de bandas ruins e sem personalidade? "É muito difícil opinar, principalmente por que o gosto pela música e mesmo a forma como uma banda aparece hoje está um pouco mais fora do controle de manipulação. Com relação a um músico ruim, também acho relativo, pois se você olhar para o inicio dos anos 1980, em minha opinião a última safra de rock /pop autentico, muitos artistas aprenderam tocando na estrada, mesmo já tendo criado algumas obras primas como, por exemplo, Closer, do Joy Division, entre outros", responde Fábio, do Violeta.

Não dá para deixar passar batido o fato de que hoje o mercado absorve e engole tudo. Então, o que antigamente era underground, com uma ideologia diferente, acaba virando produto. Juliana, com certa razão, ressalta que a própria capacidade crítica musical das pessoas hoje se enfraqueceu. "Elas aceitam qualquer coisa nova, e tudo conspira para que qualquer coisa se transforme em sucesso. Na verdade o que me chama mais atenção é a falta de compreensão das pessoas em entender que esse indie poderia se tornar um rico movimento de contra cultura e de produção artística intensa. O fato das bandas tocarem bem ou mal é uma consequência dessa falta de feeling". Tudo é fácil quando se sabe e complicado quando se incorpora um personagem fake. Ora, se um músico toca bem uma guitarra, ele vai ou não querer mostrar isso no palco? Ouvir Russell Lissack, do Bloc Party, tocando guitarra, foi uma das experiências mais deprimentes que já tive em meus 29 anos de jornalismo. Será que esse é o estilo dele? Ou o cara não toca nada mesmo? Sou pela segunda opção.


E a emoção? Será que esse indie comporta a música que emociona, a arte que toca? "Acho que a música parece que não está mais para emocionar. É por isso que insisto que essa pobreza estética é um fenômeno mais profundo e anterior. Não falo apenas do rock, percebo a mesma coisa na MPB, muita gente contemporânea fazendo musica sem sentimento, cujo objetivo não é te envolver emocionalmente. Estou falando de MPB de vanguarda. Quem na vanguarda está fazendo esse tipo de música? Se é a vanguarda que mostra o espírito de uma época porque que ela não está se preocupando em tocar em questões profundas da juventude? Talvez a juventude não queira mesmo se envolver tanto com essas coisas". Bem, se as pessoas hoje são descartáveis a música indie vai falar do que? Desse comportamento descartável? Por que na música será diferente?


Luana Moreno, guitarrista, violonista, vocalista e técnica de gravação, acha que "se considerarmos o indie como um subgênero do rock, parece que o estilo sempre acaba caindo nos mesmos clichês. Criar algo novo dentro de um estilo que tem padrões definidos requer muito talento. Uma tendência que sempre houve é a de que a cada inovação, seguem-se diversas cópias. Nisso a facilidade de gravação e divulgação ajudou, pois todas as cópias acabam sendo divulgadas logo após o original e o volume é bem maior. Ainda é uma questão de filtrar, separar quem tem algo a dizer da mera repetição". Essa grande facilidade de gravação e divulgação a que ela se refere são o myspace, o mp3 e os softwares que permitem gravar um cd em um lap top, e tocar a noite em uma casa noturna. Isso é ótimo e muito democrático, afinal todo mundo tem o direito e deve seguir seus sonhos se seu o lance é tocar rock ou qualquer outro gênero musical.


Acho que é muito positivo o impacto das novas tecnologias no que se refere a produzir música. Por outro lado, algumas brincadeiras irreverentes (que são permitidas no pop desde Beatles) de artistas não músicos acabam se sobressaindo mais do que música feita, talvez, com mais seriedade. Mas é assim mesmo, com essa propagação pela Internet é o público que diz o que gosta, muito mais do que era imposto por rádios anos atrás", diz Fábio Golfetti. Com essa produção/divulgação eletrônica facilitada, existe outro ponto positivo que é a necessidade de existir música ao vivo e aí é preciso ser músico para tocar um instrumento, que seja o Guitar Hero. O guitarrista ressalta que se lembra de ter começado a usar computador em suas composições em 1988, com um Atari utilizando MIDI. "Hoje, passados 20 anos, me ocupo de tocar com músicos e utilizando instrumentos clássicos, órgão Hammond, guitarra e pedal de distorção, bateria acústica", diz.


Atualmente as grandes gravadoras estão à míngua. Porém, grupos de rock que foram parar, ou são lançados por gravadoras de grande porte, mesmo com o sucesso de público e grande repercussão na mídia, são consideradas bandas alternativas, ou indies. Quer dizer, Franz Ferdinand foi indie, agora não é mais, Bloc Party também. Uma é de qualidade ruim e não passou de um disco médio e dois trêmulos e a outra de um disco médio e outros dois péssimos, tanto é que fechou as portas. Enfim, os novos e inusitados são todos indies até virarem febres no myspace e fazerem sucesso no universo indie, de mentes e referências reduzidas. Claro que Arctic Monkeys, The Racounters, The White Stripes, The Kooks e Gossip são exceções entre os horríveis Muse, The Killers e curiosidades parecidas. Grupos sentimentalóides, sonolentos e metidos a blasés são os da pior espécie, com seus terninhos, cabelos bem arrumados e cheirando a talquinho. The Killers e Editors são exemplos típicos dessa leva tenebrosa.

FONTE: DYNAMITE ONLINE

Um comentário:

  1. Olá!

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