Quando “Thor” estiver em seus primeiros minutos de exibição, aguce seus sentidos e tente perceber a teatralidade de cada sequência e diálogo. Se conseguir captar alguma coisa – e se estiver satisfeito com isso – agradeça aos muitos anos em que o diretor Kenneth Branagh integrou a renomada Royal Shakespeare Company, do Reino Unido, antes de se dedicar aos orçamentos milionários da Sétima aAte.

Caso tragédia e comédia tenham sido exploradas de forma exagerada e abusiva, a culpa também é dele: os principais títulos de sua filmografia são adaptações de grandes peças da literatura universal, como “Frankenstein” e “Hamlet”, justamente aquelas cuja dose tragicômica foi generosamente inflada por seus criadores.  Se um herói de origens nórdicas já é burlesco o suficiente, imagine então com o toque minucioso de um aficionado pelos excessos de Shakespeare!
Para estar preparado para eventuais surpresas e picos oscilantes de humor e drama, é interessante conhecer as influências que formaram a estética e nortearam o trabalho de Branagh até agora. O teatro clássico proposto por Shakespeare, aquele Globe Theatre que posiciona a trama no centro do espaço e o público em seu entorno, ganha um simbolismo interessante nas adaptações de Branagh, onde todos os segredos da trama são jogados aos olhos de um público sedento (nós?!) enquanto os próprios personagens lutam para sobreviver em meio a traições escondidas e laços desfeitos.

É dessa forma que assistimos ao seu trabalho mais famoso: “Hamlet”, de 1996, com o próprio Branagh no papel principal e quase quatro horas de duração. Com uma lista de indicações aos maiores prêmios mundiais de cinema, quatro delas ao Oscar, o filme desnuda os segredos familiares da realeza dinamarquesa no Palácio de Elsinore e, seja pela fama da história original, seja pela vontade do diretor, somos cúmplices da tragédia que se anuncia em seu primeiro ato. É o Globe Theatre shakesperiano reunindo Kate Winslet, Julie Christie, Jack Lemmon, Timothy Spall, Billy Cristal, Judi Dench e Robin Williams no centro de nossas atenções, totalmente impotentes perante nossa onipresença.



Além de dirigir, Branagh também atuou em “Hamlet” (à esquerda) e “Henrique V” (à direita).


Antes de um drama, Branagh já havia realizado em 1993 uma comédia de humor escrachado nos moldes acima citados, com a adaptação homônima de “Muito Barulho por Nada”, também de Shakespeare. Kate Beckinsale, Emma Thompson, Denzel Washington e Keanu Reeves vivem a história de um príncipe siciliano que procura a mulher dos seus sonhos em um vilarejo desconhecido. Aqui, também, o público pode conhecer, antes dos protagonistas, o nicho invejoso de antagonistas da trama.

Em 1994, o diretor decidiu partir para a adaptação de outra obra famosa: “Frankenstein”, escrito em 1818 pela britânica Mary Shelley. Branagh reuniu Robert de Niro e Helena Bonham Carter na renovação estética dessa história secular e o resultado foi um espetáculo visual concebido pela eficiência da direção de arte, maquiagem, fotografia e figurinos. Com diálogos escassos e força concentrada na capacidade gestual de seus atores, o “Frankenstein” de Branagh parece o ponto de convergência entre todas as influências que moldaram seu trabalho.

Desde 1996, quando lançou “Hamlet”, o diretor não voltou aos cinemas na direção de nenhum filme de destaque. No período em que suas câmeras permaneceram quase ociosas, Branagh se dedicou ao outro lado de sua carreira: a atuação. O britânico já possuía experiências na frente das câmeras desde a década de 80, quando atuou em seriados ingleses de pouco reconhecimento. Após aparecer em seus próprios títulos, “Henrique V”, “Voltar a Morrer” e os já citados “Muito Barulho por Nada”, “Frankenstein” e “Hamlet”, Branagh se sentiu preparado para assumir os projetos mais ambiciosos de outros diretores.
Em 1995 ele trabalhou com Oliver Parker em “Othello” (mais uma adaptação de Shakespeare), em 1998 foi protagonista de “Celebridades”, filme de Woody Allen, e em 1999 estrelou, ao lado de Will Smith, a comédia “As Loucas Aventuras de James West”. Seu papel de maior destaque como ator talvez tenha sido o bruxo celebridade Gilderoy Lockhart, em “Harry Potter e a Câmara Secreta”.


 
Branagh em cena com Daniel Radcliffe e Rupert Grint.

Com “Thor”, o diretor tem a oportunidade de realizar aquele que seria, de longe, seu projeto mais visado. Se a mistura de teatro, super-heróis e mitologia for bem sucedida, Branagh terá dado um grande passo em direção ao reconhecimento do grande público.


Branagh nos sets de “Thor”.

Para nós, ver nos cinemas uma estética original e atraente sempre será interessante.
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Jáder Santana é crítico do CCR desde 2009 e estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Experimentou duas outras graduações antes da atual até perceber que 2 + 2 pode ser igual a 5. Agora, prefere perder seu tempo com teorias inúteis sobre a chatice do cinema 3D.