Avaliação: NOTA 9
 
 
 

Já são quase quarenta anos de cinema. Mas Terrence Malick é lento. Não, o mais apropriado seria chamá-lo de cauteloso, cuidadoso e extremamente comprometido com a arte que faz. Seu currículo conta apenas com cinco longas-metragens, principalmente devido ao período de vinte anos que permaneceu longe das câmeras entre 1978 e 1998.

Pela pouca produção, raramente é lembrado entre os diretores que modificaram o mundo da Sétima Arte nos Estados Unidos no final dos anos 60 e início dos 70, no movimento denominado “Novo Cinema Americano”.

Apenas o fato citado justifica deixá-lo de fora de tão memorável lista, que inclui Mike Nichols, Stanley Kubrick, Robert Altman e Francis Ford Coppola. Tudo porque Malick preza por um cinema autoral, livre de qualquer vício ou pretensões comerciais, assim como seus colegas de trabalho. Tanto que não seria inapropriado denominá-lo de “o mais poético dos cineastas”, graças à sensibilidade que a união de seu texto e com a sua maneira de filmar provocam. E em sua estreia, em 1973, ele já dava mostras das escassas, mas sempre bem-vindas, preciosidades que proporciona ao público até hoje.

Em “Terra de Ninguém” (Badlands), o diretor ainda está visivelmente em formação. Ao contrário do ótimo “O Novo Mundo” (2005) e do estupendo “Além da Linha Vermelha” (1998), o roteiro tem uma função primordial. Não que nos filmes citados ele não seja importante. Mas aqui ele é a alma do longa, o que o diferencia de tantos outros estudos de personagens como esses. Estamos falando de serial killers. Mas retire qualquer preconceito ao associar a palavra inglesa a essa produção, porque é assim que Terrence Malick os apresenta.
Livremente baseada em fatos reais que chocaram os EUA nos anos 50, a história é centrada no casal Kit (Martin Sheen) e Holly (Sissy Spacek). Com 25 anos de idade e sem muita perspectiva de vida, o rapaz acaba conhecendo por acaso a pacata moça uma década mais nova. A desaprovação do relacionamento pelo pai dela, porém, não impede que os dois continuem juntos. Aliás, nada parece capaz de pará-los, já que todos que teimam em se intrometer no caminho deles são brutalmente assassinados, ocasionando um efeito dominó que atinge enorme repercussão país afora, principalmente por ultrapassar a fronteira do estado em que o massacre começou, a Dakota do Sul.

Não espere, no entanto, julgamentos, muito menos suspense em torno dos fatos. A provocação é a melhor amiga do cineasta em “Terra de Ninguém”. A intenção é buscar entender o ponto de vista de Holly e, especialmente, de Kit, o verdadeiro autor dos crimes. Porém, a verdade é que não há motivos reais (se é que há algum que justifique tal ato) para todas as mortes acontecerem. A banalização da violência é o foco de um filme que jamais dramatiza ou espetaculariza o que seus protagonistas encaram como reações naturais que não merecem uma lágrima sequer. Nem mesmo Holly lamenta a morte do pai.
Inocência ou pura maldade? Nenhuma das duas opções. O roteiro propõe uma reflexão mais profunda, na qual Holly e Kit jamais procuram matar a esmo. Os dois agem apenas quando sentem que a felicidade deles pode ser ameaçada. A natureza de cada um deles, porém, ajuda. É como o personagem de Kit diz ao final do filme: “eu sabia que em algum momento da minha vida iria fazer isso”. A frase é o fechamento perfeito para uma investigação psicológica inusitada e, ao mesmo tempo, doentia, que chega a incomodar bem mais do que sangrentas tramas de terror cheias de justificativas.
Há, enfim, consciência nos atos imaturos dos jovens apaixonados, que tentam até se afastar da civilização para morar sozinhos, mas que são impedidos. É neste momento, por sinal, que Terrence Malick exibe toda a sua técnica cinematográfica (mesmo em menor escala), que aqui soa mais contraditória do que em qualquer de seus outros filmes. Exaltando a natureza, o diretor a apresenta com a beleza e a poesia que são marcas registradas. E os planos isolados de folhas, animais e rios, que deixam seus personagens de lado por alguns minutos, dão um tom ainda mais brando para uma história que deveria ser exatamente o oposto daquilo.

Os tradicionais offs de Malick também contribuem para que tal sensação domine a projeção, trazendo uma Sissy Spacek de voz mansa, aparentemente nada espantada com o que está contando.  A utilização da belíssima trilha sonora de George Aliceson Tipton (usada até com mais moderação do que em outros trabalhos do diretor) traz ainda mais graciosidade e isolamento a história, jamais se exaltando ou fugindo do ritmo cadenciado da fita. Os tiros e as mortes a fazem cessar, enquanto as sequências paisagísticas dão a sensibilidade limitada ao filme.
Com performances inspiradas de Spacek e Sheen (ambos ainda em início de carreira), “Terra de Ninguém” é uma estreia mais do que digna para um diretor sem vaidades, que dá vida aos seus próprios trabalhos e não dispensa a liberdade autoral para escrever e filmar. Ainda que falte alma e coração ao filme, elementos que sobram em seus últimos longas, Terrence Malick já mostra que não lhe falta ousadia e que sua poesia está em plena lapidação.

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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.