Deixe-me Entrar:
a fidedignidade ajuda, mas também atrapalha
Versão norte-americana de famoso terror sueco é adaptação à altura. Mas seria bem melhor se não fosse tão fiel ao original.
Darlano Didimo
cinemacomrapadura.com.br
Avaliação: nota 8
O que justifica a realização de uma remake apenas dois anos depois do lançamento do filme original? Em se tratando de cinema norte-americano, é inevitável e até acertado falar em interesse comercial gerado pelo simples desconforto que o público local sente ao ler legendas. Preguiça essa que tem levado a produção de longas que dificilmente repetem a qualidade da primeira fita, como se tornou praxe com terrores japoneses. O sueco “Deixe Ela Entrar”, porém, é bem mais do que um mero terror. É uma obra-prima que mistura elementos míticos com outros fincados na dramática condição humana. É, acima de tudo, uma película sobre solidão e amizade.
“Deixe-me Entrar”, no entanto, entende a importância da proposta e mostra-se extremamente fiel à peça artística que o fez nascer. Se por um lado tal constatação é um certificado de inquestionável qualidade, que o cineasta Matt Reeves prova a cada nova cena, por outro é o retrato de um cinema que não tem asas para livrar-se, que quer apenas tornar mais acessível ao público mundial (ainda que também seja feito para os mais exigentes) o que já é histórico. Com pouquíssimas modificações e adições, a versão norte-americana surpreende, principalmente se você decidir conferi-la antes da européia.
E por incrível que possa parecer, a maior das mudanças não está no roteiro do próprio Reeves. É na direção dele que se encontra o mínimo suspiro de liberdade na história do tímido menino que vira amigo de uma garota que não gosta de ser chamada de tal maneira. Há mais coração e intensidade nos dramas vividos tanto isoladamente quanto de forma compartilhada entre os dois. A opção por trazer para os primeiros minutos a sequência que só seria exibida no segundo ato deixa o espectador já apreensivo e ansioso para o que está para acontecer. À magnífica trilha sonora de Michael Giacchino é concedida a responsabilidade de manter e elevar o suspense, assim como de inserir a ternura só exalada por um amor inocente.
No entanto, Matt Reeves não se deixa corromper por pressões comerciais que exigem uma tensão a cada dezena de minutos. Seus planos são lentos, dando à história o ritmo cadenciado e a profundidade psíquica que a caracterizam e que jamais poderiam ser perdidos. Com total controle técnico da câmera, surpreende ainda no acidente automobilístico que é inserido no filme, utilizando apenas o ponto de vista interno, deixando-nos agradavelmente confusos. A opção por esconder o rosto da mãe do garoto Owen (Kodi Smit-Mcphee), em tomadas meticulosamente planejadas, também ajuda na universalização da sua condição.
Mas da auto-exigência por fidedignidade, vem os erros do diretor. Sequências são montadas com demasiado respeito pelo material original, repetindo planos e algumas vezes não obtendo o mesmo resultado realista já aplaudido anteriormente, como o já clássico desfecho sanguinário. O que mais incomoda, porém, são os vícios de roteiro que não tem pudor ao copiar (senão, plagiar) diálogos com as mesmas frases, especialmente as conversas entre o garoto e Abby (Chloe Moretz), com direito ao retorno do cubo mágico e à cena em que os dois repartem a mesma cama.
Em outras escolhas, Reeves mantém o “o que” e modifica apenas o “como”. O número de vítimas, por exemplo, é o mesmo. O diferente está na forma de abordagem, na maneira como o crime é cometido, concluído ou interrompido. É aqui que Reeves compensa, em parte, a falta de surpresas apresentadas pela trama. No entanto, vacila ao exagerar na caracterização dos verdadeiros vilões de “Deixe-me Entrar”, os colegas de classe de Owen, mais nervosos do que nunca. Em mais um ponto positivo, não se deve deixar de ressaltar a ótima locação encontrada para as filmagens. A isolada e fria cidade do estado do Novo México é bem mais do que uma localidade de aparência semelhante. Evoca a mesma sensação de insegurança sentida há dois anos.
Em termos de atuações, o longa jamais pisa em falso. Chloe Moretz e Kodi Smit-Mcphee se esquivam de copiar, respectivamente, Lina Leandersson e Kare Hedebrant. São até melhores. Mais graciosos. As duas principais revelações infantis do cinema dos Estados Unidos demonstram maturidade em suas escolhas. Se Moretz traz a esperteza, Smit-Mcphee impõe uma timidez natural, as quais se unem com enorme harmonia, convertendo-se numa das principais atrações do filme, que conta ainda com a colaboração de luxo de Richard Jenkins.
Com diversos méritos, “Deixe-me Entrar” pode ser considerada uma ótima adaptação, especialmente pelo trabalho de direção e de elenco. Ligeiramente inferior à obra sueca, perde importância quando enquadrado em um contexto cinematográfico aonde a originalidade é um das principais exigências. Como peça isolada, porém, é cinema da mais alta qualidade.
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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.
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