Os Agentes do Destino:
livre-arbítrio é o foco do surpreendente filme
Romance, ficção científica e religião se misturam neste interessante primeiro longa do diretor George Nolfi.
Thiago Siqueira
twitter.com/thiagosiqueiraf
Avaliação: nota 10
Um dos aspectos que faz a vida interessante é o livre-arbítrio. Tanto erros quanto acertos são nossos para cometer. No entanto, alguns fatos na vida acontecem ou deixam de acontecer de um modo tão sincronizado que é difícil não acreditar em destino. Chamemos de lei dos números grandes ou lei de Murphy, sempre tentamos encontrar uma explicação lógica para tais fatos. É neste ponto que “Os Agentes do Destino” finca sua trama.
Misturando romance e ficção científica com uma pitada de religião, o longa é baseado levemente no conto “Adjustment Team”, de Philip K. Dick, cujas obras geraram filmes como “Blade Runner – O Caçador de Andróides”, “Minority Report – A Nova Lei” e “O Vingador do Futuro”. No entanto, enquanto a maioria das fitas baseadas em trabalhos do autor contam com uma atmosfera mais cínica e pesada, não há muito disso em “Agentes”, película escrita e dirigida por George Nolfi.
A trama acompanha o político David Norris (Matt Damon), outrora favorito para uma vaga no senado americano que vê sua campanha naufragar após um escândalo. Prestes a dar o seu discurso de admissão de derrota, ele acaba inspirado por um encontro inesperado com a livre e bela Elise (Emily Blunt), que acaba revigorando sua carreira pública. Algum tempo depois, os dois se reencontram e a química entre eles é simplesmente inebriante.
No entanto, David e Elise não foram feitos para ficar juntos, sendo o destino deles permanecerem separados. Pelo menos é o que dizem os misteriosos homens de terno e chapéu, que encurralam David na mais estranha das circunstâncias. Eles farão de tudo para manter tudo de acordo com o plano de seu misterioso Presidente, mesmo que isso signifique apagar tudo que David é e poderá vir a ser.
A grande questão do filme é que o espectador somente irá “comprar” sua premissa se conseguir se identificar com a história de amor entre David e Elise. Corretamente, o diretor George Nolfi aposta na força de seus atores e personagens, permitindo que possamos compreender a natureza dos Agentes e sua importância para aquele mundo, sem jamais perder o foco em seus protagonistas. Neste sentido, a escalação de Matt Damon e Emily Blunt para os papéis principais foi um achado.
Damon é um ótimo ator, é extremamente carismático e tem rosto e biotipo “comuns”, longe de ser um super-homem hollywoodiano, sendo possível para qualquer um se relacionar com os dilemas e escolhas difíceis do personagem. Já Emily Blunt possui um sorriso fácil, é linda e dotada de um jeito extremamente espontâneo, com o público conseguindo se apaixonar por sua Elise em um segundo. Além disso, os dois possuem uma dinâmica soberba em tela, com a audiência rapidamente torcendo para o casal.
Daí temos os antagonistas, que são os Agentes do título. Não utilizo a palavra “vilões” porque ela simplesmente não se aplica. O grupo segue instruções bem específicas para manter o mundo em um rumo mais aprazível, sendo inevitável que se envolvam negativamente na vida de uma pessoa ou outra. Os caminhos são traçados de modos misteriosos.
O conceito criado é deveras interessante e utilizado de maneira inteligente pelo filme. As limitações dos agentes e o uso das portas (que me remeteu à “Matrix Reloaded” e, acreditem, “Monstros S.A.”) também geram eficientes momentos de tensão na narrativa. Fora que os atores escolhidos para interpretar os Agentes que ganham destaque no filme não poderiam ser melhores, cada um emprestando particularidades marcantes para seus personagens.
O talentoso John Slattery encarna Donaldson com uma dose carregada de ambição e profissionalismo que se torna impossível não fazer o link com o seu personagem em “Mad Men”. Terance Stamp, lembrado pelo grande público como o General Zod em “Superman 2 – A Aventura Continua”, aqui faz o implacável Thompson, o Agente chamado para resolver o caso Norris de vez. Já Anthony Mackie dá ao seu Harry a dose de sentimentos necessária para que compreendamos algumas atitudes tomadas por ele no decorrer da projeção.
Em seu primeiro trabalho no comando de uma película, Nolfi começa com o pé direito sua carreira na direção, mostrando saber conduzir cenas de perseguições fantásticas e imprimir muito bem um clima de paranoia quando necessário. A fuga de David no ato final do filme é fantástica, ajudada por um trabalho de montagem bastante eficiente. Sabendo imprimir tensão nos momentos certos da narrativa, o cineasta percebe que, por mais atraentes e necessários que os aspectos mais fantasiosos do filme sejam, este iria desabar se não fosse o elemento humano do longa.
Econômico, o diretor consegue ressaltar de modo visual a natureza de determinados personagens com tomadas aparentemente simples. Exemplos disso são os momentos que exibem um David solitário em meio a um salão imenso e o diálogo entre o herói e Thompson, com este último surgindo de um modo quase fantasmagórico.
Alguns acharão que a conclusão do filme peca por ser um exemplo claro de deus ex machina. No entanto, ela é bastante condizente com a mensagem que o longa tenta transmitir o tempo todo: todos nós somos capazes de fazer o nosso próprio destino. Por mais boba que seja essa lição, muitas pessoas tendem a esquecer dela. Recomendado.
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.
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