Avaliação: NOTA 8
 
 


O cinema brasileiro estava precisando de um Afonso Poyart. Não que não tenhamos talento entre os diretores nacionais, mas entre as exportações dos melhores deles para Hollywood e as limitações impostas pela Globo Filmes em suas produções, sobra pouco espaço para a ousadia. Quase nenhum, na verdade. O público está cansado das nossas bobas comédias-românticas e da intensa exploração da miséria. Por isso, é mais do que louvável que, em sua estreia em longas-metragens, Poyart explicite sua inquietude narrativa, seu senso de humor apurado e sua crítica política e faça de “2 Coelhos” uma grande bagunça, que é nada menos do que um dos mais divertidos e originais filmes já realizados no País.

Já em suas primeiras cenas, é possível notar que estamos diante de algo incomum, especialmente se estamos falando de Brasil. Efeitos especiais da mais alta qualidade e depoimentos bem ao estilo documentário ajudam a introduzir a história contada e protagonizada por Edgar (Fernando Alves Pinto), um aparente “boyzinho” viciado em videogame e pornografia, odiado por ex-namoradas e porteiros. Mas sua indignação com a sociedade, bem como sua falta de juízo, levam-no a armar um plano que visa matar, de uma só vez, um poderoso criminoso e um político corrupto de São Paulo. No entanto, nem tudo sai como esperado.

É surpresa atrás de surpresa, menos para o personagem principal e mais para os espectadores. Tendo como um de seus principais trunfos sua trama intricada, “2 Coelhos” revela sua história aos poucos, unindo seus núcleos com a inteligência de um excelente filme de suspense. Pode até dar a precipitada impressão de possuir diversos furos, mas a onisciência concedida pelo roteiro do próprio Poyart a Edgar permite que ele seja cauteloso em sua narração descontraída e escrachada. E dessa forma, o longa demonstra-se mais pretensioso e vai além de uma mera danação de um adulto com espírito de adolescente.

Uma história de amor logo surge, acompanhada de um enorme pedido de desculpas e uma vingança. De pessoal, a trama torna-se de interesse público. Mas, se nesses momentos provoca inevitáveis comparações com “Tropa de Elite 2” (especialmente ao sobrevoar São Paulo e exibir uma flamejante bandeira do Estado), o tom de brincadeira, que sempre acompanha a produção, deixa claro que felizmente não estamos diante de algo tão sério. A proposta aqui é proporcionar uma experiência cinematográfica diferenciada e intensa, jamais ultrapassando esse limite e soando por diversas vezes tarantinesca, seja por brincar com fatos reais ou pelos diálogos com outras linguagens artísticas.

Em sua direção, Poyart faz a criatividade e a loucura da mente de seu protagonista visíveis, utilizando-se para tanto de animações, elementos gráficos e diversos efeitos especiais, que também permitem uma ótima dose de sequências de ação. O cineasta até exagera em alguns momentos, especialmente no primeiro ato, mas em geral as ferramentas servem para incrementar o ritmo incansável da narrativa, cheia de idas e vindas, em uma edição muito bem realizada, que conta ainda com uma pesada trilha sonora sob responsabilidade de André Abujamra e Márcio Nigro.

Outro ponto forte de “2 Coelhos” é o seu elenco, graças a uma natural direção de atores (especialmente de coadjuvantes) e um texto descontraído, que sabe como transformar uma piada de português em um dos melhores momentos da projeção. Algumas relações entre personagens poderiam ser melhor definidas, especialmente entre Edgar e Walter (Caco Ciocler), o professor universitário que trabalha no restaurante do pai do rapaz, mas os atores compensam, sendo Fenando Alves Pinto uma agradável surpresa. Alessandra Negrini, como Júlia, a promotora corrupta, é outro destaque ao lado de Marat Descartes, o traficante-sequestrador-ladrão paulista Maicom.

Há ainda Neco Villa Lobos, como o advogado defensor dos criminosos, Thaíde, como o motoqueiro assaltante, e Thogun, como o comparsa do chefão Maicom. Todos contribuem com sua devida parcela para fazer de “2 Coelhos” um entretenimento marcante, cheio de explosões, correrias, piadas, tiros e, principalmente, inteligência, que por sorte não vem de Hollywood. É produção nacional que tem tudo para virar sucesso, cuja fonte, Afonso Poyart, deve ser preservada, para que dela advenham outros filmes tão ousados quanto.
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Darlano Dídimo é crítico do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, mas só mais tarde veio a entender a grandiosidade que é o cinema.