A Dama de Ferro (Iron Lady, The, 2011)
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The Iron Lady is just another brick in the wall. |
A Dama de Ferro (The Iron Lady, 2011) talvez funcionaria se fosse um monólogo no teatro: uma atriz e sua arte, mais nada, nenhum artifício, nada para atrapalhar. Lá Meryl Streep poderia mostrar seu talento como se deve. Como filme, em vez de deixar a atriz fazer o seu trabalho, enfeixa um sem número de cenas desnecessárias: tem ela criancinha passando fome e se escondendo das bombas da guerra, adolescente feia e suburbana sendo pentelhada pelas amigas esnobes, ela conhecendo o marido, com direito a declarações de amor, dançar valsa e toda sorte de clichês feministas e cinematográficos - ela vai tomar umas 50 xícaras de chá durante toda a duração do filme, o clichê britânico "por excelência" (sic). Inutilidades.
E como The Iron Lady é um produto especial, é um "filme do Oscar", tudo é filmado com uma certa pretensão: as cenas, solenes, se alongam mais do que o normal; a fotografia é mais escura, taciturna, como se quissesse significar algo mais; os figurinos, mesmo com os atores representando a mais ralé da criaturas, são todos impecáveis, novíssimos, brilhantes e chiques. O filme é longo, demorado, repleto de diálogos exagerados, a maioria simples explicações do que está passando na tela. Rebarbativo e pernóstico.
O filme em tese é pertinente. Com a Europa em plena crise econômica (e a Inglaterra também), uma análise sobre a mulher que tirou a Grã-Bretanha da pior recessão do país no século seria uma boa ideia, até porque a receita de Thatcher, o neoliberalismo, como ficou conhecido, com rígido controle de gastos e privatizações, parcerias público-privadas e diminuição da força dos sindicatos, fez a Inglaterra se tornar uma das nações mais prósperas do planeta, por mais que uma parte esquerda negue categoricamente. Ainda mais agora que os jovens estão nas ruas de novo, com o Occupy Wall Street em toda parte, pedindo justamente o contrário do que Thatcher representa (corte de impostos das grandes empresas, menos gastos sociais), uma cinebiografia da Dama-de-Ferro seria muito bem-vinda.
Mas A Dama de Ferro é cínico: um filme sobre Thatcher sem o thacherismo. Não há nada que explique como Margaret Roberts chegou ao poder, nem porque se lançou na política, ou como chegou a ser ministra da Educação. Vemos os cartazes de sua campanha, mas não ficamos sabendo quem votou nela, o que ela prometeu, quais seriam suas ideias, e como ela conseguiu ser eleita. A diretora prefere a superficialidade e praticamente só filma os insultos machistas (inúmeros) que ela recebeu durante a carreira. Cansada da imobilidade do partido, decide se candidatar à chefia do Partido Conservador. Eleita (sabe-se lá como), conduz o partido à vitória nas eleições majoritárias (por milagre, ao que parece).
Além da falta de informação e análise, também falta Meryl Streep. Não vá pensando ver a atriz representando a primeira-ministra, pois 75% do tempo Streep é uma velha com demência em casa tendo alucinações com o marido e tomando litros de uísque e do referido chá. Os cansativos flash-backs são permeados de cenas repetitivas da mais profunda banalidade, todas calculadas para que o produto final não se comprometesse em nenhum momento com nada.
É, portanto, um filme sobre uma figura política para quem não gosta de política. The Iron Lady é uma visão de quem acompanha o noticiário político apenas pela televisão, com as imagens de sempre: carros oficiais, jantares, visitas, acenos de mão, alguns discursos vazios, escritos por assessores, em geral publicitários sem conexão com a vida real - cá para nós, é como uma boa parte da população se informa e toma suas decisões, em especial os mais conservadores. The Iron Lady está fincado nessa aversão à política que uma parte da classe média adora dizer que tem, um desprezo pelos políticos, uma redução de que todos os governos são ruins e corrompidos. Ou seja, The Iron Lady é, na maneira como foi filmado, populista.
Nas duas cenas-chave, a diretora Phyllida Lloyd errou de tal forma as escolhas que justificam as críticas de ter sido uma oportunista. No atentado do Exército Republicano Irlandês à casa da primeira-ministra, o marido sobrevivente reclama que os sapatos ficaram sujos - evidentemente, não há menção de o porque do IRA ter começado os ataques. Na Guerra das Malvinas, há uma cena em que Tatcher, em cima de um mapa da região, com navios de brinquedo por toda parte, dá a ordem para o ataque, como se fosse uma grande estrategista militar: "Afunde-os". Aqui fica patente que a diretora não fazia a menor ideia do que estava fazendo. Mais: Thatcher vai ao Parlamento se vangloriar, com os deputados abanando papéis, de ter dado ao povo inglês um motivo para serem orgulhosos de serem "British" - a Inglaterra venceu a guerra porque François Mitterand, então presidente da França, entregou à Thatcher os segredos militares dos armamentos que havia vendido à Argentina, fato que levaria o político francês se arrepender o resto de sua vida.
Por que Thatcher caiu, derrubada pelo próprio partido? Simples: já estava ficando demente. Como se vê, diretora e roteirista foram bastante generosas com a retratada. Mostram-na numa reunião para celebrar o fim da Guerra Fria, a mesma que Thatcher e Ronald Reagan, o presidente americano, tanto fizeram para realimentá-la. Thatcher foi bastante criticada por ter agido de maneira deslumbrada em relação ao americano, algo que minou sua credibilidade, e essa parte no filme é simplesmente ridícula, feita para agradar aos americanos, ao que parece.
Mas The Iron Lady é um desses abacaxis do Oscar, de forma que o filme segue regras próprias e só tem sentido se relacionado ao prêmio - pois, hoje em dia, o prêmio se tornou mais importante que os filmes. Assim, os fãs de Meryl Streep, que tanto querem vê-la ganhar a estatueta, fazem mais mal à atriz do que bem, pois ela será coroada por esse lixo, assim como foram várias outras atrizes também o foram por filmes horrendos: Sandra Bullock, por Um Sonho Possível (The Blind Side, 2009); Kate Winslet, por O Leitor (The Reader, 2008); Marion Cotillard, por Piaf - Um hino ao amor (La Môme, 2007); Charlize Theron, por Monster - Desejo assassino (Monster, 2003); Halle Berry, por A Última Ceia (Monster's Ball, 2001); Jessica Lange, por Céu Azul (Blue Sky, 1994).
Streep vai ficar é com uma ponta de inveja de Helen Mirren pois, além de mais magra, a britânica ganhou o prêmio por A Rainha (The Queen, 2006), obra muito mais inteligente na abordagem da Rainha Elizabeth que este infeliz The Iron Lady tentou emular, mas o resultado foi constrangedor.
Correspondente do Cineplayers no Canadá.
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