Avaliação: NOTA 8
 
 


As obras literárias de Sir Arthur Conan Doyle sempre renderam ótimas adaptações cinematográficas. Os filmes de Sherlock Holmes – o melhor e mais famoso detetive do mundo – acompanharam praticamente toda a história do cinema, começando a ser produzidos no início do século XX e estando até hoje em voga, mais populares do que nunca. Vários foram os atores que interpretaram o personagem, mas nenhum deles é tão lembrado quanto Basil Rathbone, que foi quem mais viveu o detetive nas telonas.

“As Aventuras de Sherlock Holmes”, de 1939, foi inspirado na peça de William Gillette e é o segundo filme do ciclo de Rathbone e de Nigel Bruce como Dr. Watson. Logo no início, vemos a intrigante relação passivo-agressiva entre Sherlock Holmes e seu maior inimigo, o Professor Moriarty (George Zucco). Ao mesmo tempo em que há uma mútua admiração da inteligência de cada um, existe também um ódio por parte de ambos que, embora explícito, se dá de uma maneira extremamente elegante.

As sequências do julgamento e da conversa entre os dois exercem as funções básicas do primeiro ato de forma pouco tradicional, mas muito efetiva. Ao longo da conversa, percebemos que Holmes e Moriarty são muito parecidos, e a única coisa que os separa é o ego. Embora o vilão torne mais claro esta vaidade e arrogância, é fácil notar uma motivação equivalente neste sentido por parte do detetive. Ambos têm a plena consciência e o orgulho de admitir que o único que pode vencê-los é o outro. Eles parecem se importar mais com essa competição do que com o próprio lucro do crime, por um lado, ou o estabelecimento da justiça, por outro.

É interessante como algumas cenas de pouca relevância para a trama são muito bem aproveitadas para revelar características da personalidade dos protagonistas ao longo de todo o filme. Por exemplo, na cena em que Moriarty diz que seu mordomo deveria ser mais punido por ter deixado sua planta morrer do que ele foi por ter assassinado uma pessoa, fica claro o seu desprezo pela vida humana. Já quando ele chama seu mordomo de covarde por não ter realizado o desejo de cortar sua a garganta enquanto fazia sua barba com uma navalha, é notável seu divertimento com provocações psicológicas.

Já no personage Sherlock Holmes, percebemos seu hábito natural de observação cotidiana quando ele deduz que um empregado empurrou a sujeira para debaixo do tapete porque seus sapatos estavam sujos de poeira. Quando ele procura uma relação entre as notas musicais e o comportamento das moscas – cena esta reproduzida no primeiro filme da atual franquia de Guy Ritchie –, notamos seu fascínio pela ciência.

A fotografia é sutil, mas muito bem trabalhada. O uso de sombras para indicar a localização e a ação de algum personagem que não aparece no quadro – como na cena em que um capanga de Moriarty toca um instrumento de sopro dentro de um cômodo e quando Holmes sobe as escadas correndo – é uma maneira sagaz de manipular a iluminação a favor da narrativa. Porém, no clímax, esse recurso pontual se torna uma opção estética para toda a sequência. O jogo de sombras que envolve toda a perseguição de Holmes a Moriarty é recheada com cenários e planos que lembram muito o expressionismo alemão. A ousada quebra da unidade estética em relação ao resto do filme gera um nível de tensão particular.

“As Aventuras de Sherlock Holmes” é uma ótima opção para introduzir o universo de Sir Arthur Conan Doyle no cinema a quem nunca teve contato com este. Foi extremamente importante para estabelecer certas regras da franquia, como a clássica frase “Elementar, meu caro Watson”, popularizada a partir deste filme. No mais, ainda contém toda a atmosfera de mistério e as reviravoltas que um bom suspense policial exige.
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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.