Amy Winehouse: os Últimos Dias e as Canções Perdidas
Como o vício em álcool tirou a vida da cantora – e as grandes músicas inéditas que ela deixou para trás por David Browne
Na primavera de 2009, Amy Winehouse e o produtor Salaam Remi estavam trabalhando no novo estúdio que ela havia construído no sótão de sua casa, em Londres, no bairro de Camden. Tocando guitarra e cantando em um pequeno microfone, Amy executou uma poderosa versão de “A Song for You”, a dolorosa balada de Leon Russell sobre os arrependimentos de um artista. Enquanto cantava, ela começou a chorar. “É como se ela estivesse literalmente cantando sobre si mesma”, relembra Remi. “Ela estava realmente se entregando.”
Esta gravação é o tocante desfeicho de Lioness: Hidden Treasures (a ser lançado neste mês), um conjunto de faixas inéditas e versões alternativas englobando toda a carreira da cantora, compilado por Remi e pelo outro produtor-chave de Winehouse, Mark Ronson, junto com a família da artista.
As notícias do álbum surgiram menos de uma semana depois da declaração dos legistas no tribunal de Camden, finalmente determinando a causa da morte da cantora. Enquanto os pais de Amy Winehouse, Mitch e Janis, permaneciam sentados no tribunal, a legista Suzanne Greenaway declarou que a artista morreu no dia 23 de julho por causa de uma “desventura” – um termo legal britânico para causas acidentais. Um patologista atestou que a quantidade de álcool encontrada no corpo de Amy (de pouco mais de um metro e meio) estava cinco vezes acima do limite para dirigir, mais ou menos o equivalente a 12 drinques.
O inquérito revelou novos detalhes trágicos sobre os últimos dias de Amy. De acordo com a médica pessoal dela, Cristina Romete, a britânica ficou sóbria por boa parte de julho, mas voltou a beber no dia 20 do mesmo mês. A médica a viu pela última vez às 19 horas, na noite em que a cantora morreu. “Ela estava calma e coerente”, relembrou Cristina. “Estava um pouco alta, eu diria, mas não estava falando enrolado e era capaz de conversar normalmente.” Embora Winehouse tenha se consultado com um psicólogo, Cristina Romete atestou que ela “era contra qualquer tipo de terapia... Ela tinha seus próprios pontos de vista e estava muito determinada a fazer tudo a seu modo”.
Uma das razões pelas quais Amy Winehouse tentou parar de beber foi um catastrófico show em Belgrado, em 18 de junho. Durante a primeira data de sua planejada turnê europeia, a cantora tropeçou nas palavras, esqueceu as letras e acabou caindo e chorando no palco. “Amy viu que havia decepcionado a todos na Sérvia e se sentiu muito mal por isso”, diz uma fonte próxima à família Winehouse. “Isso a levou a um período de abstinência do álcool.”
O segurança dela, Andrew Morris, confirmou que na noite de sua morte, Amy Winehouse estava ouvindo música e assistindo à TV em casa. Ele a viu às 2h da manhã, quando foi dormir, e de novo às 10h da manhã, quando a encontrou ainda dormindo. Mas, às 15h, Amy Winehouse não estava mais respirando. Os paramédicos foram chamados e a declararam morta. Três garrafas de vodca vazias foram encontradas no quarto.
Durante a audiência, Mitch Winehouse falou apenas uma vez para confirmar o nome e o endereço de sua filha. Mais tarde, a família divulgou uma declaração: “Traz um tanto de alívio ter finalmente determinado o que aconteceu com Amy. Entendemos que havia álcool em seu corpo quando ela se foi – provavelmente um acúmulo de álcool em seu sistema por um certo número de dias. A corte ouviu que Amy estava lutando duro para vencer seus problemas com o álcool e é motivo de muita dor para nós que ela não tenha vencido desta vez”.
Devido a seus problemas com drogas e bebida, Amy havia terminado somente duas músicas do álbum sucessor de Back to Black (2006), embora tenha deixado muitas faixas incompletas no decorrer dos anos. Em Lioness, duas músicas revelam a direção que ela estava seguindo musicalmente. Gravada em 2008, “Between the Cheats”, sobre seu então marido, Blake Fielder-Civil, refina a mistura de pop retrô e moderno. “Like Smoke” conta com participação do amigo Nas, que acrescentou seus versos depois da morte, cantando em forma de rap: “Why did God take away the homey?” (“Por que Deus levou minha camarada?”) e “I’m a firm believer that we all meet up in eternity” (“Creio firmemente que todos nós nos encontraremos na eternidade”).
Quando o álbum foi montado pela primeira vez, as expectativas da gravadora Universal e da família eram baixas. “Mitch primeiro me disse: ‘Posso precisar ter de sair da sala depois de algumas músicas’”, diz Remi. “Ele esperava ouvir um desastre. A mesma coisa com a gravadora. Mas, quando eles ouviram, disseram: ‘Espera, tem algo acontecendo aqui’.”
De fato, o álbum é surpreendentemente coeso, polido com vocais de apoio e cordas acrescentados postumamente. Uma Amy Winehouse de 18 anos demonstra seu precoce domínio do escorregadio fraseamento derivado do jazz no clássico da bossa nova “Garota de Ipanema”, em gravação de 2002. Outros pontos altos incluem uma cover de 2004 para o standard “Will You Still Love Me Tomorrow” (The Shirelles), e uma releitura reggae de “Our Day Will Come”, de Ruby and the Romantics (que revela a dívida de Amy Winehouse com Lauryn Hill). Uma vez que a artista havia falado em gravar um álbum de jazz com o baterista do Roots, Ahmir ?uestlove Thompson, o músico foi chamado para acrescentar a bateria a “Halftime”, que ficou de fora de Frank (2003).
O disco também inclui a última gravação conhecida da cantora, um dueto com Tony Bennett no clássico “Body and Soul”, gravado em março deste ano em Londres. “Ela entrou direto no balanço do jazz, e a gravação saiu linda”, diz Bennett. “Eu queria falar com ela para convencê-la a deixar as drogas, mas não tive chance.”
Poucos dias antes de sua morte, Amy Winehouse conversou com Remi via Skype, fazendo planos de comparecer ao casamento do ex-empresário dela, Nick Shymansky. “Ela estava bastante empolgada”, diz o produtor. “Foram piadas e conversas sobre o que ela ia vestir.” Remi jamais voltou a vê-la. “Algum jovem vai pegar um álbum de Amy e dizer: ‘Isto é muito inspirador’. O modo como ela se inspirava em gente como Billie Holiday”, diz ele, “ela tirava inspiração de gente que havia partido antes de ela nascer, e ela inspirará pessoas que ainda nem nasceram”.
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