Baú das Séries: The Shield
Good cop, bad cop.
Spoilers Abaixo:
“Mackey’s not a cop. He’s Al Capone with a badge” – David Aceveda
The Shield não é uma série que faz você ficar aos prantos ao acompanhar os dramas de um grupo de pessoas, é uma daquelas séries tensas que prende você segurando sua garganta e lhe posicionando diante da televisão com tiroteios, perseguições e situações inusitadas (o que você pode enxergar nos primeiros 10 minutos de um dos melhores pilotos de séries já feitos). É uma série com muito hard rock, hip hop, chutes na porta, vovôs fazendo filmes pornôs e adolescentes que assistiram muito Dexter, mas que consegue fazer mágica com o básico: os seus personagens. Representações do ser humano que só podem ser realizadas quando a TV está no apogeu. Vic Mackey se estabelece como um dos maiores anti-heróis da história logo no final do primeiro episódio. Durante sete temporadas, Shawn Ryan possui um controle sobre o universo que cria que muitos (repetindo: MUITOS) showrunners apenas sonham ter. Ele estala os dedos e faz um personagem interessante, cria uma conspiração que se encaixa perfeitamente na trama e até mata um personagem de forma que parece previsível quando olhamos em retrospecto, mas soa adequado quando olhamos o que vem em seguida.
Esse domínio que Shawn Ryan possui sobre sua obra é notado apenas ao observarmos como os personagens começam e a maneira como eles terminam. Esse “Antes x Depois” é muito importante quando olhamos para a série. O Strike Team evolui de forma tão incrível que no fim não lembramos que Ronnie era apenas o cara de bigode que gosta de Journey, nem que Shane era um garoto inconsequente que atrapalhava investigações ao ter relações sexuais com quem não poderia.
The Shield desenvolve-se em uma atmosfera onde praticamente todos os acontecimentos são fundamentais, desde o primeiro episódio todos os personagens começam a acumular uma enorme quantidade de erros que voltarão para atanazar no episódio final. Shawn Ryan faz questão de colocar Vic Macey no pior momento de sua vida imediatamente no episódio piloto, onde ele assassina um colega de profissão, estabelecendo aqui que não existem limites para as ações do protagonista e mostrando o quão sério esse programa é. Essa é uma série corajosa. Na hora em que é perguntado “E aí, vamos ser a melhor série que podemos ser mesmo tendo que matar um personagem importante?”, ela faz isso sem escrúpulos. Acumula, acumula e acumula o máximo de tensão possível para no final poder descarregar tudo diante de seu público. Muitos tentam fazer isso, mas infelizmente são covardes e acabam não atingindo um nível maior.
É normal pensar que ela é simplesmente uma série que trata de policiais, mas, na realidade, é algo diferente, com foco direcionado a guerreiros que acreditam no que fazem, seja para o bem ou para o mal daqueles ao seu redor, o Strike Team nunca tenta conseguir a empatia do seu público, o que faz desse grupo um conjunto de pessoas ambiciosas que são guiadas pelo diabo em pessoa. Vic Mackey não é um anti-herói que amamos odiar, é um personagem que simplesmente odiamos porque cada pessoa que chegava perto dele sofria, não importa se era amigo ou inimigo.
E é aí que essa série acaba tornando-se mais intrigante. Ao mesmo tempo em que existem pessoas que admiram a equipe e tentam participar dela, existem aquelas que odeiam as ações do grupo e experimentam derrubá-los. Durante sete temporadas, o Strike Team sofreu com entidades os ameaçavam, às vezes vindo das ruas, dos altos cargos políticos ou do escritório de David Aceveda. Eles possuíam um tipo de imã de ódio que justifica toda a obsessão que personagens como Kavanaugh adquirem ao interagir com eles. Tornaram-se alvos tão grandes que tirá-los das ruas é algo que consagrará a carreira do responsável pelo feito. As pessoas que falharam miseravelmente ao tentar colocar o Strike Team atrás das grades acabaram sendo partes fundamentais na queda do grupo. Desde o primeiro episódio são amontoados momentos que são reintroduzidos na narrativa de forma natural, e acabam explodindo em cenas que juntas fazem aquilo que pessoalmente chamo de “a melhor sequência de episódios da década passada”, desde o 7×08 até o Series Finale, um conjunto de momentos que são a realização de todas as tragédias que vinham sendo construídas desde o episódio piloto.
Michael Chikilis não encarna apenas um policial corrupto, ele interpreta também um pai de família que coloca seus entes queridos em posições insuportáveis, mas admite que aquilo é necessário. Ele faz péssimas decisões por “bons motivos”, e ainda tem que fazer seu trabalho policial e proteger uma prostituta, o que traz à tona uma fragilidade que todo ser humano tem, mas que Mackey sempre evita mostrar. Os olhares vidrados e os sutis espasmos do ator expressam com facilidade a raiva típica do personagem e sua honestidade diante do que faz. Ele não quer ser abalado por nada, mas existem momentos em que sua fúria se liberta e sua máscara cai. Tudo captado pelo estilo de documentário apresentado pela série, utilizado de maneira eficiente, focando nas reações sutis dos personagens diante das situações, seja no olhar desesperado de Shane Vendrell quando está de um lado de um interrogatório, no olhar ganancioso que ele apresenta quando está na posição oposta, na arma de Vic durante uma perseguição ou nas expressões faciais que Aceveda faz de seu escritório. Tudo serve para aumentar a sensação de realidade e trazer o espectador para aquele estábulo.
Além da violência nas ruas, os policiais de The Shield tem que se preocupar com seus próprios companheiros de profissão. As relações entre pessoas que convivem com uma alta quantidade de pressão todos os dias dão margem para que alguns temas importantes sejam abordados, como o homossexualismo e religião, que são canalizados por apenas um personagem da série. Sempre com zero abstração, o que faz com que aproveitemos aqueles personagens ainda mais.
Os policiais ultrapassam uma região em que o bem e mal são misturados constantemente. Até o personagem mais justo da série cede sua ética e moral em certo momento para poder realizar seus objetivos. Vemos pessoas presas sem saber quando se deve seguir o seu dever como cidadão ou fechar os olhos para conquistar suas ambições. A todo o momento os personagens mudam, pois eles são tubarões, e se ficarem em inércia acabarão perdendo o emprego, a honra e até a vida. Shane Vendrell é um dos maiores exemplos disso, interpretado com perfeição por Walton Goggins, que acabou ofuscado em uma época onde os coadjuvantes de Lost dominavam as premiações. Em um momento, ele alega que ser policial é tudo para sua pessoa, mas acaba chegando a não reconhecer isso nos colegas de profissão e chega a matar para manter-se no topo.
Em meio a tanta relação complicada, banheiros quebrados, assaltos a trens e investigações dentro da própria delegacia, Shawn Ryan ainda consegue espaço para colocar alguns “casos da semana” bizarros, que são utilizados por parte das vezes de forma preguiçosa e nada orgânica para narrativa e em outros momentos coincidem de forma sensacional para elevar alguns personagens que normalmente ficam em segundo plano (Dutch e Claudette).
The Shield tornou-se o carro-chefe do FX, conseguiu estampar um padrão de qualidade nas séries do canal, começou uma revolução na televisão a cabo básica e apresentou novas maneiras de se abordar a relação entre policiais, utilizando grandes doses de atrevimento. A série foi uma aposta que deu certo e fez com que vários outros canais investissem em peso nas séries. Provavelmente não estaríamos acompanhando Breaking Bad e Mad Men em 2012 se não fosse pelo legado que The Shield começou a construir em 2002.
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