Séries/TV: American Horror Story, entre a mitologia e as relações pessoais
Primeira temporada da série de Ryan Murphy termina e divide o público.
Não é fácil escrever terror de qualidade, como pudemos ver na maior parte dos filmes que recebemos no cinema nos últimos anos. Apenas alguns se salvam pela solidez de seus argumentos, geralmente de outras nacionalidades. Para quebrar esse conceito e após viver um massacre da parte do público e da crítica com a rejeição aos rumos da série “Glee”, Ryan Murphy anunciou o lançamento de um novo projeto, a série de terror “American Horror Story”. O teaser trailer, quando lançado, aumentou as expectativas dos espectadores. Afinal, por mais que Murphy tenha a fama de começar bem suas séries e não saber terminá-las, ele sabe como conquistar espectadores, visto o bom desempenho da audiência “Nip/Tuck” e mesmo de “Glee”.
Desde o piloto, “American Horror Story” dividiu opiniões acerca da sua qualidade. Enquanto alguns chamaram de terror de meia tigela, outros encontraram uma fonte de pavor semanal, dentro de uma casa em que tudo parece possível. Na trama, a família Harmon quer reconstruir a vida longe do passado abalado de Ben, Viven e Violet. Ao encontrar a casa dos sonhos abaixo do preço que ela realmente vale, eles não fazem noção dos problemas que irão aparecer.
Durante 12 episódios, a série tentou amarrar as pontas que ligavam toda a mitologia da casa e suas relações com os passantes, com prólogos bem pontuados e flashbacks adequados. Entre furos de roteiro e momentos epifânicos (como a corrida de Violet pela casa para descobrir sua atual condição), o programa ganhou fãs confessos e haters cruéis. A divisão do gosto também apareceu na crítica especializada. Tida como uma série promissora, a decepção foi clara para alguns profissionais, enquanto outros aprovaram o ritmo da narrativa, mas esperam que a segunda temporada seja melhor.
Mas afinal, até onde Ryan Murphy acertou nessa primeira temporada? Obviamente há uma questão de gosto pessoal muito mais forte aqui, já que o gênero terror/suspense não conquista qualquer espectador. Tal seleção de público requer, quase consequentemente, uma maior apreensão aos detalhes do enredo. Os espectadores são filhos de “O Iluminado” e já conhecem as entrelinhas do gênero, que também pode ser encarado como pura diversão. Não é apenas desenvolver a mesma fórmula, como as comédias românticas. E “American Horror Story” conseguiu assustar e divertir principalmente quando não se levava a sério.
O destaque principal ficou com Jessica Lange. Ryan Murphy está criando uma fama de desenvolver coadjuvantes incríveis (assim como um dia a Sue Sylvester de Jane Lynch foi em “Glee”) e com Constance não é diferente. Completamente perturbada em seu íntimo, mas aparentemente sã, a personagem é interessantíssima por vagar facilmente entre o antagonismo e a sua humanidade (palavra difícil de encaixar aqui). Apesar dos seus preconceitos, Constance é a principal força de toda a série, não só por ter informações valiosas sobre aquela casa, mas por fazer a história crescer toda vez que ela aparece em cena. Junto a Lange, temos a uma equipe técnica competente e inquestionável. Direção de arte, fotografia e equipe de som e trilha sonora trabalham com dedicação para construir aquele universo assustador.
Então o que gera a comoção negativa acerca da qualidade da série? Acredito que a construção dos personagens. Apesar de contar com um elenco primoroso, a trama pecou nas relações estabelecidas. A família Harmon está visivelmente abalada com seus problemas pessoais, mas pode ser tomada como alienada pelo menos até a metade da série. Tudo bem que a negação é o primeiro dos cinco estágios de Kübler-Ross e que realmente os seres humanos enxergam o que querem (metáfora genial criada entre Ben e Moira), mas os roteiros duvidam da capacidade de compreensão principalmente de Ben e Vivien. Após os episódios de Halloween (ótimos, com cenas memoráveis), parece que os roteiristas viram a necessidade de entregar logo boa parte do jogo para o público e, forçadamente, inseriu os personagens em novos patamares artificiais, desesperados em chegar ao quinto e último estágio, a aceitação.
A fragilidade dos personagens também aparece em alguns coadjuvantes. Tate, desde o início um personagem intrigante, se perde em um romance bobo que tenta se justificar, mas não atinge o nível desejado. No episódio finale, fortemente criticado por sua infantilidade, que eu considero mais uma homenagem a “Os Fantasmas se Divertem”, ficamos na expectativa de ver o desenvolvimento da criança que passa a viver sob a tutela de Constance, mas somos banidos com o “the end”. Resultado disso tudo: não há como se importar com aqueles personagens. Por um lado podemos considerar isso proposital, visto o desfecho deles. Por outro, é um risco deixar o público interessado apenas pela antagonista Constance, atribuindo a ela toda a importância da série.
Tal universo da série é assustador, mas não se revela completamente para nós. A mitologia criada começou a se perder dentro de suas próprias ideias e me questionei algumas vezes se Ryan Murphy sabia mesmo o que estava contando. E tudo bem não revelar totalmente a trama, já que podemos nos decepcionar com todos os conceitos originais, mas algumas pontas ficam soltas demais. A sensação que dá é de que a casa tem muito mais informações sobre sua origem que não foi dita ao público, e informações importantes para a compreensão daquela prisão de almas.
Por algum tempo, acreditei que essas pontas poderiam ser ligadas nas próximas temporadas, mas Murphy já informou que a série será construída com histórias independentes e que deixou dicas nos últimos episódios da abordagem que fará na segunda temporada. Aqui, Murphy acerta ao reciclar seus contos de horror a cada ano, fazendo um trabalho mais incisivo e pontual de roteiro, com inúmeras possibilidades de realização e focos. Vale ressaltar também que a série não sofrerá com futuros cancelamentos, já que as histórias não se ligam (por enquanto) e sempre se fecham no episódio finale.
De toda forma, entre os prós e contras, ainda considero que o público em geral passou a enxergar Ryan Murphy como uma persona non grata, talvez pelo sucesso de “Glee” até hoje. Analisando mais friamente a primeira temporada de “American Horror Story”, considero que tive momentos bem variados de pavor e diversão e que foi uma boa experiência seriada em 2011, mas que ainda há muito a melhorar. Até lá, continuo instigado na criação pessoal de teorias que fazem daquela casa um freakshow.
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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), é especialista em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e arte educador na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.
Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), é especialista em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e arte educador na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.
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