terça-feira, 6 de abril de 2010

Interrogando Jack Bauer


Cada geração define o ator, não o contrárioKiefer Sutherland


Seguindo na contra-mão de Hollywood, Kiefer Sutherland se torna um ator mais sossegado e ponderado com o passar dos anos. Se beneficiando pela experiência, o lado negro causado por alguns escândalos e a consagração como Jack Bauer, o astro de 24 Horas não se preocupa muito com a opinião pública e faz tudo pelo bem estar da família. Às vésperas do lançamento do telefilme 24:Redenção, Sutherland aproveitou o bom momento com o filme Espelhos do Medo, refilmagem de terror oriental, que assustaria até mesmo Zé do Caixão e falou com exclusividade ao SOS Hollywood, em Los Angeles!

O conceito de Espelhos do Medo reflete mais a idéia assustadora de Nietzsche ou a fantasiosa de Lewis Carroll?
Qualquer uma das duas assusta bastante, se analisarmos com calma. Espelhos sempre carregam esse estigma de portais ou símbolos de dualidade, mas toda vez que se busca muito por um novo sentido ou algo oculto, o resultado não é dos melhores. De qualquer forma, sempre vi esse filme muito com um drama focado na família, então, se estamos falando em dualidade, devemos olhar para as duas realidades que essas pessoas vivem. A idéia de que entre os dois lados de qualquer história sempre mostra a verdade no meio do caminho sempre me interessou, gosto de trabalhar isso. Confesso que depois de tudo isso não consigo olhar para um espelho antes de pensar duas vezes e há mais coisas para se ter medo do que se ele olhar de volta ou se um coelho maluco aparecer do outro lado.



É exagero dizer que Jack Bauer é o papel da sua vida?

E como! Faço isso [atuar] há tanto tempo que não consigo ver um trabalho como definitivo ou insuperável. Tem gente que me pergunta se Conta Comigo, Garotos Perdidos ou Os Jovens Pistoleiros me definiram como ator. E a resposta é sempre a mesma: não. Já fiz mais de 60 filmes, então é complicado encarar um trabalho como definitivo. Gosto de pensar que cada um desses papéis foi marcante para uma geração específica, mas não para mim. Um exemplo disso é a Comic-Con. Toda vez que apareço por lá, consigo entender a abrangência do meu trabalho um pouco melhor por causa da reação das pessoas. Se algum fã da minha idade fala comigo, vai dizer que Garotos Perdidos foi o melhor! Se é alguém da idade da minha filha, vai perguntar sobre Jack Bauer, e se pintar alguém um pouco mais velho, é certeza, Fica Comigo marcou a vida do sujeito! Cada geração te define, não o contrário.

E você tem um momento favorito?
Ainda está por vir! Não fiz esse papel ainda. Na verdade, se 24 Horas puder se encaixar nesse conceito de me definir como profissional, que seja. Eu não ligo. Sem dúvida, essa foi a experiência mais didática que tive em toda minha vida. Como ator, como pessoa, em todos os sentidos. É algo parecido como que vimos na Olimpíada. Aquelas pessoas treinam por anos, todos os dias e não podem errar na hora H, comigo foi a mesma coisa, pois estou trabalhando todos os dias, com um cronograma bem definido e por isso posso dizer que estou mais confortável e confiante em frente às câmeras do que jamais estive em toda a minha vida. Esse é o melhor momento da minha atuação. 24 Horas foi um dos melhores presentes que já recebi.

Conheci o Angus [Sutherland] na última Comic-Con e ele estava seguindo seus passos em Garotos Perdidos – A Tribo. Já viu o filme? Gostou?
Angus é um sujeito legal, né? Pois é, não assisti o filme ainda e, para ser sincero, nem sabia que estavam fazendo esse segundo longa. Angus nem falou comigo até que eu fiquei sabendo durante a convenção. Verei em breve!

Você é tão durão quanto seus personagens? Afinal, sair no tapa com vilões a todo tempo e, em Espelhos do Medo, trabalhar num prédio abandonado e assombrado não é para qualquer um!
De jeito nenhum! (risos). Queria muito ser como aqueles caras, mas, definitivamente, não sou assim.

Sendo tão diferente, como é criar sujeitos tão corajosos assim?
O que mais me chama atenção em Jack Bauer, por exemplo, é o modo como ele foi escrito. Isso facilita as coisas, por saber que aquele sujeito não é perfeito e a vida dele não é um mar de rosas. Ele pode ter salvado a vida do Presidente Palmer na primeira temporada, mas perdeu a esposa. Há muita dinâmica aqui, nada daquela coisa Bem e Mal. Gosto de trabalhar com personagens mais reais que vivam naquela área cinza entre o certo e o errado, que é onde todos vivemos, na verdade.

E essa área cinza ainda dá o tom a 24 Horas?
A primeira temporada foi diferente no sentido de ser muito mais um thriller. Era aquele clima de “quem é o traidor?” e isso de manteve até descobrirmos que Nina Myers era o agente duplo. Foi muito mais cerebral e profundo. Agora, ainda tem um pouco disso, mas a ação ganhou mais importância. Sabendo disso, sempre procuramos caminhos para balancear e não deixar de instigar o espectador. Eu gosto muito da primeira temporada, então nunca deixo de ter aquele período como referência para manter o personagem fiel.

A sexta temporada se perdeu?
Todas as temporadas têm falhas e problemas. Ainda estou esperando pela temporada perfeita, afinal, como disse, tudo isso faz parte de um grande aprendizado. Escrever uma série em tempo real não é a coisa mais simples do mundo. Se olharmos as vendas do DVD da sexta temporada, esse papo de que “muita gente” não gostou é bobagem. Vendemos o mesmo que as anteriores, então eu discordo. Porém, os críticos levantaram muitos pontos negativos no arco entre os episódios 13 e 16 e até concordo com alguns desses comentários. Acabamos retomando alguns assuntos familiares e os analistas não gostaram. Ficou um pouco bobo e isso não dá para negar, até os roteiristas concordam com isso. O ponto aqui é entender que até agora não tivemos uma temporada perfeita. No quinto ano, por exemplo, existem vários problemas – que a gente sabia – e mesmo assim ganhamos vários prêmios, mas nem tudo estava impecável. Uma coisa que motiva a equipe de 24 Horas é o aprendizado que cada temporada promove e que, invariavelmente, vai nos ajudar nas temporadas seguintes. Por outro lado, considero os primeiros dez episódios da sexta temporada os melhores que já fizemos até hoje, assim como os últimos quatro capítulos, que adorei. Tudo é arriscado nesse negócio e acho que nosso histórico permite um pouco mais de risco e de proteção quando nem tudo dá certo.




24: Redemption chega como o primeiro filme da série e você parece bastante empolgado com a idéia. O que os fãs podem esperar dessa nova aventura?
Abordamos uma questão política inevitável, com números são gigantescos e assustadores. Se pararmos para pensar que mesmo com a obrigatoriedade de se ter 18 anos para se alistar nas forças armadas de países estruturados 25% dos soldados em atividade são crianças. E a maioria esmagadora delas está lutando na África, por falta de perspectiva na vida ou sob ameaça de morte. No meio disso tudo, Jack Bauer passou um ano e pouco perambulando pela Europa Oriental e foi parar na África. Ah sim, na minha concepção ele passou boa parte desse tempo lutando no Afeganistão, depois foi para a Índia e aí rumou para o continente africano, onde começou a trabalhar num campo de refugiados em Sengala [país fictício], cuidando de crianças numa escola comandada por um velho amigo [Robert Carlyle]. Porém, um golpe de estado acontece e ele precisa salvar as crianças antes que elas sejam mortas ou recrutadas pelas milícias.

Parece promissor… (risos)
… é 24 Horas em sua melhor forma! Quando a coisa flutua entre pânico absoluto e desastre completo. Tudo é muito emocional, intenso e toda a conexão entre Jack Bauer e as crianças; e Jack Bauer e seu amigo [Carlyle]. E é isso que sabemos fazer muito bem! O roteiro ficou muito bom e balanceado, mas o melhor de tudo foi a experiência vivenciada pelos roteiristas. Finalmente, eles puderam escrever algo com duas horas de duração e, o melhor de tudo, um final! (risos). Eles sofrem muito para escrever o show e isso pareceu um presente de Natal!

Toda essa combinação de novos elementos fez bem ao personagem, então…
Não só ao personagem, mas toda a equipe se viu numa nova situação. Roteiristas felizes e satisfeitos com o que criaram, novas dinâmicas e o fato de todo mundo ter adorado filmar na África ajudou a motivar a equipe. Foi uma das melhores coisas que produzimos para 24 Horas e fico feliz que esse material vá abrir as portas para a sétima temporada!




Fica até difícil deixar de perguntar sobre o filme para cinema da série, já que a experiência com Exile foi tão boa. Podemos ter esperanças para ver Jack Bauer na telona?
Claro que sim. Na verdade, Exile ajudou muito nesse processo, pois os roteiristas pegaram o gostinho de trabalhar com um longa-metragem. Mas assim que encerrarmos a série, vamos fazer o filme, pode apostar.

E quando isso acontecerá?
Todo mundo da equipe concorda que estamos em busca da temporada perfeita. Quando isso acontecer, podemos dormir tranqüilos e pensar no que mais podemos fazer em termos de 24 Horas, incluindo o filme. Nunca se sabe quando essa temporada pode acontecer!




O que nos surpreende, já que a maioria dos atores prefere descansar um pouco depois de trabalhar tanto. Aliás, você é um workaholic? Quando filmaram Mirrors?
Tenho um pouco de descanso entre as temporadas. Na maioria das vezes. Entre a sexta e sétima não deu para descansar muito, pois foi quando filmei Mirrors. Sempre quis trabalhar com Alexandre Aja e essa chance apareceu, o que foi bom por vários motivos inclusive o fato de eu querer fazer um filme nesse gênero. A idéia de fazer algo que faça o espectador pular da cadeira é sempre muito motivadora! Trabalhei nesse filme até o fim de semana em que começamos a filmar a sétima temporada.

Foi bom voltar para casa depois de um tempo na Romênia? Algum vampiro deu as caras?
(risos) Gosto de conhecer novos lugares e sou grato à minha carreira por me ajudar a fazer isso. Filmamos num prédio que foi construído pele [Nicolae] Ceausescu, mas teve as obras interrompidas quando ele foi deposto e morto. É uma biblioteca gigantesca e adorei pode ver como uma câmera ganha força e versatilidade quando está numa locação que permite algo como um giro de 360 graus. Isso dá muita liberdade na hora de atuar, pois cada tomada flui melhor. E nenhum vampiro apareceu por lá! Normalmente, o que me assusta é a idéia de algo acontecer com minha família.

Mas a integração com a equipe não foi tão simples logo de cara, certo?
Tivemos que nos adaptar à equipe local e o começo foi complicado mesmo. Desde que eles fizeram a transição para o Euro, muitos filmes foram feitos na Romênia e os técnicos sofreram abusos financeiros ao longo dos anos. Tudo mudou agora, um romeno ganhou Cannes e eles estão cada vez mais profissionais, aliás, estamos falando de uma cultura que influencia a Europa em diversas áreas, então eles são um pouco bastante orgulhoso. Quando chegamos, sentimos que nosso filme era encarado como “mais uma porcaria de terror americana”. Dava para sentir isso no ar. Era intimidante. Duas semanas depois, porém, fizemos uma das cenas complexas do filme e toda a equipe técnica se reuniu em torno dos monitores. Eles falaram muito com os tradutores e perguntamos o que era. Um deles disse: “esse não vai ser mais um daqueles filmes americanos ruins, né?”, e Alexandre sorriu e respondeu: “espero que não!” Dali para a frente, todo mundo entendeu que o trabalho era sério e respeitável.


E o filme, te assustou quando você assistiu a versão final?
Bastante! Sou o tipo de público ideal para esses filmes. Levei um belo susto na primeira vez que ele encara um dos espelhos e, claro, quando ele vê a porta para o porão. Todo mundo fica pensando “não desce! Não desce!”e ele desce. Fui dos que pensou nisso o tempo todo, pode apostar! E eu desci tive que descer de verdade!

A vontade de fazer um filme nesse gênero foi influencia direta do trabalho do seu pai, Donald?
Meu pai fez Don’t Look Now, com Nicolas Roeg, uma das melhores obras do Cinema. Esse filme é distinto de tudo mais que vi na vida. Não penso que sou um artista, mas sim um carpinteiro, pois gosto de sempre abordar tudo com uma nova perspectiva em meu trabalho. Quando Nicolas fez esse filme, foi assim que ele pensou e meu pai foi parte desse momento inspirado. O resultado foi o filme mais assustador que eu já vi e nunca me esqueci disso.

Quando você assistiu ao filme?
Novo demais para ver aquilo, pode apostar! (risos) E não foi só isso que me motivou, Os Invasores de Corpos também foi um filme fantástico e que sempre utilizei como parâmetro para Mirrors. Comparando o começo desse filme, com Invasores de Corpos ou mesmo Terror em Amityville, vê-se o elemento familiar, de um grupo que está se redescobrindo ou mudando para um novo lugar. Invasores falava sobre o início do romance entre ele [Donald] e Brook Adams, então a invasão em si nem precisaria acontecer para aquele drama existir. Mas quando o elemento de terror entra em cena, tudo que acontece com os personagens é duas ou três vezes mais impactante e desesperador. Alexandre Aja colocou muito disso no roteiro de Espelhos do Medo, então fiquei muito empolgado com tudo que fazíamos.

A vontade de fazer um filme nesse gênero foi influencia direta do trabalho do seu pai, Donald?
Meu pai fez Don’t Look Now, com Nicolas Roeg, uma das melhores obras do Cinema. Esse filme é distinto de tudo mais que vi na vida. Não penso que sou um artista, mas sim um carpinteiro, pois gosto de sempre abordar tudo com uma nova perspectiva em meu trabalho. Quando Nicolas fez esse filme, foi assim que ele pensou e meu pai foi parte desse momento inspirado. O resultado foi o filme mais assustador que eu já vi e nunca me esqueci disso.

Fábio M. Barreto

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