seg, 02/05/11
por Zeca Camargo
Para ser mais preciso, são 126 espectadores esperando para assistir a “Tomboy”, o novo filme da diretora Céline Sciamma. Eu sei, porque eu contei. Fiz questão de contar, para poder comparar. A sessão de cinema está mais cheia do que a de ontem – mas eu já esperava por isso. O filme do dia anterior era “Pina”, de Wim Wenders (em 3D), e embora o “barulho” em cima desse trabalho não fosse pequeno, “Tomboy” havia sido eleito, informalmente uma espécie de “filme queridinho da temporada”, com críticas entusiasmadas em quase todas as revistas francesas de cultura, e cartazes espalhados por inúmeros quiosques e muros de Paris, tornando aquele rosto forte e misterioso da atriz Zoé Héran uma espécie de Marianne para 2011.
Sim, eu passei dez dias de férias apenas nessa cidade, Paris – um lugar que, por conta de viagens de trabalho, eu tenho a sorte de visitar com frequência. Sempre muito rápido, mas que dessa vez, incitado por amigos que queriam estar lá “flanando” na primavera, fui com o firme propósito de passar mais tempo (e com a proposta de não ter nenhum compromisso que não fosse me/nos entregar ao sabor do acaso). Assim, aproveitei a Páscoa para tirar essa folga e, entre tantas opções que a cidade oferece, explorar um de seus aspectos que mais falam comigo: a paixão do parisiense por cinema (uma paixão, claro, que é de todos os franceses, mas que em Paris salta ainda mais aos olhos).
Onde mais, pois, eu encontraria uma sessão de cinema tão lotada a essa hora – e todos os dias (não estou falando de um evento especial não…)? Certamente não em São Paulo, onde a última sessão de cinema que conferi antes do meio-dia, foi ainda nos tempos de faculdade, quando um certo filme, então polêmico, chamado “Calígula”, havia finalmente sido liberado pela censura (você acredita que alguns filmes eram simplesmente proibidos de passar para plateias brasileiras?), e universitários entediados com o que ouviam nas salas de aula tinham nele a melhor opção para passar o tempo – e, claro, fingir que estavam conferindo um “filme de arte”, quando, na verdade, só estavam, a fim mesmo de ver algumas cenas de sexo numa sala escura. Mas eu divago – vamos voltar a Paris!
Sempre que passo por lá, saio um pouco frustrado com o “quesito” cinema: são sempre tantas opções, e eu estou sempre com tão pouco tempo, que, quando consigo assistir a um, pelo menos, já considero que ganhei um prêmio de consolação. Mas a gente sempre quer mais – primeiro porque sabe que a variedade, a chance de ver alguma coisa especial que não teria muito espaço para entrar num circuito comercial (sequer ser escolhida por uma distribuidora independente para passar no Brasil), é enorme; depois, porque qualquer sala de cinema em Paris (e, imagino, por toda a França), por menor ou mais alternativa que seja, é capaz de oferecer uma projeção impecável, de altíssimo nível, e grande qualidade, independente do valor do próprio filme em cartaz.
Sabendo disso, logo que aterrissei por lá desta vez (duas segundas-feiras atrás), já fui fazendo minha programação de cinema! Esse horário da manhã me pareceu ideal, uma vez que eu nunca gosto de acordar tarde (especialmente em viagens), e o grupo com o qual eu estava viajando, na melhor proposta “laisser faire”, não tinha muita intenção de sair cedo todos os dias do hotel. Foi um “casamento perfeito”: eu chegava por volta das 11h, geralmente entusiasmado com o que eu havia acabado de assistir, encontrava os amigos concluindo o café da manhã – e logo já saíamos para passear, aproveitando os dias gloriosos que, por sorte, pegamos nesta temporada.
Um desses passeios, inclusive, nos levou um dia à Cinemateca Francesa, onde – em mais uma prova de que Paris é a cidade dos amantes de cinema (eu sei, é a cidade dos amantes, “ponto”, mas você entende a minha brincadeira, não entende?) – mergulhamos numa mostra mais que especial, sobre o trabalho do diretor Stanley Kubrick. Foi lá, inclusive, onde eu tirei a foto que usei para concluir o meu post anterior – tirada (como só a Andréia foi capaz de adivinhar no seu comentário) numa das reproduções de um dos cenários de seus filmes icônicos, “Laranja mecânica”.
De maneira didática, mas nunca aborrecida, cada um dos trabalhos de Kubrick estava ali representado, ilustrado e comentado em cada minúcia, imitando, de maneira bastante positiva, a própria obsessão do diretor com sua arte. Para mim – e, tenho certeza, para todo mundo que teve a chance de visitar a exposição (que está aberta até o dia 31 de julho) –, a experiência foi (e é) emocionante! Não posso, como você imagina, dizer que assisti a todos os “Kubricks” durante seus respectivos lançamentos – um deles, “Lolita” (talvez o meu favorito), estreou no ano em que nasci! Mas desde que passei a escolher os filmes que eu iria assistir, Kubrick era sempre uma prioridade. E mesmo na época pré-VHS (um ancestral formato para assistir a filmes em casa, que antecedeu o DVD – se você, por uma questão de geração, tiver problemas para entender o que é DVD, procure na Wikipédia…), eu corria atrás de qualquer festival, ou “sala de arte”, que se dignasse a passar um filme antigo do diretor (lembro-me que, certa vez, no Cine Sesc, em São Paulo, durante uma espécie de “Mostra Kubrick”, eu vi “Lolita” sete vezes!).
Mas mesmo quem não é um fã obcecado como eu, tinha muita coisa na mostra para se entreter. Como as informações sobre a câmera especial que foi desenvolvida pela NASA para que o diretor pudesse filmar “Barry Lyndon” com luz natural – isto é, luz de velas! Ou a inspiração de uma das cenas de “O iluminado”, na qual o personagem de Jack Nicholson dorme exausto sobre uma escrivaninha (a referência, imagine, era nada menos que um dos “Caprichos” de Goya!). Descobri que Kubrick foi até quase os estágios finais de pré-produção de um filme sobre o Holocausto (“Aryan papers”), apenas para engavetar toda a ideia, quando ele descobriu que Stephen Spielberg já estava adiantado com um trabalho sobe o mesmo tema (“A lista de Schindler”). E passeei pela reprodução de um cenário (além daquele de “Laranja mecânica”) – um de “2001: uma odisseia no espaço”, quase que experimentando a sensação de encontrar um monólito cravado no chão, que mudaria (mais uma vez) o curso da humanidade…
Há alguns anos, pude conferir, na mesma Cinemateca, uma exposição também ambiciosa – esta, dedicada a outro grande diretor, o espanhol Pedro Almodóvar. A imersão ali, também era total – para te dar uma ideia, em vários cenários da mostra, você encontrava um telefone daqueles antigos, que o diretor adora usar em seus filmes, e escutava trechos de conversa telefônica dos próprios filmes (conversei por horas assim com Carmem Maura, mas eu divago – e pela segunda vez… “pardon”…).
Mas essa homenagem a Kubrick me pareceu ainda mais especial, mais cheia de detalhes, mais definitiva. Senti falta apenas de um dos trailers de “O iluminado” – aquele onde um “mar de sangue” jorra quando o elevador do hotel se abre (provavelmente uma das imagens mais memoráveis que eu já vi no cinema) –, mas fora isso, saí de lá extasiado, e ainda mais fã de “Stanley”!
E mais fã do próprio cinema! Nos dias que me restavam, fui ainda com mais gosto nas minhas sessões matutinas do Cine Cité, no Forum Les Halles. No total, consegui ver cinco filmes, todos na parte da manhã, e todos bastante recompensadores – cada um a sua maneira. Por exemplo, “Pina” (para começar com um que já citei), é mais que um “trabalho de amor”. É um registro valioso de danças que a incomparável coreógrafa alemã (aqui, já citada inúmeras vezes, como você pode conferir numa busca rápida) deixou como legado. Se o elogio parece grandioso, é porque você nunca teve contato com o trabalho dela – experimente fuçar no youtube e você vai me dar razão. O roteiro é extremamente simplório – quase constrangedor, quando você se lembra quem está assinando o filme (só lembrando, Wim Wenders!): um a um, seus bailarinos falam um frase breve sobre Pina, num plano simples e sem graça. Mas são as danças que contam mais que tudo – ainda mais porque assistimos a tudo em três dimensões!
As imagens da “Sagração da primavera” de Pina – trabalho que eu nunca conferi ao vivo – são simplesmente aterrorizantes. Achados simples – como o que a bailarina brasileira escolhe para homenagear a coreógrafa (um andar sobre cadeiras, que vão caindo uma a uma) – se transformam em poesias visuais. A sequência de braços que descreve as quatro estações do ano – impossível de ser bem descrita aqui com palavras – exercia seu efeito hipnótico a cada vez que aparecia. E não resisti, já que estava “no escurinho do cinema”, a ensaiar alguns gestos preciosos, como o que um bailarino argentino criou quando Pina pediu que ele mostrasse um movimento que traduzisse “alegria” (se você tiver a chance de ver isso algum dia, e conseguir criar algo que seja mais bonito e ao mesmo tempo fiel ao sentimento proposto, terá minha admiração eterna).
Saí esse dia da sala com o firme propósito de ver “Pina” pelo menos mais uma vez… Mas fui seduzido por aquela cornucópia de opções e acabei conferindo outras coisas. A saber:
- “L’etrangère”, da atriz e diretora austríaca Feo Aladag, uma forte história de uma mãe, nascida na Alemanha, mas de família turca, que sai de Istambul e vai viver com seu filho em Berlim – para protegê-lo da brutalidade do pai, apenas para encontrar uma atmosfera ainda mais hostil por lá. Muito bom!
- “L’autobiographie de Nicolae Ceausescu”, do romeno Andrei Ujica, uma fascinante documentário onde a história de um dos mais medíocres ditadores do século 20 é contada com filmes de arquivo, produzidos pelo próprio governo déspota que ele comandava – uma lição inteligente de que a própria história só precisa de alguns anos para transformar tragédia em comédia (ainda que macabra). Brilhante – e torço para esse filme passar por aqui, nem que seja numa mostra pequena (alguns políticos brasileiros certamente aprenderiam alguma lição, se tiverem disposição para vê-lo).
- “Reencontro com a felicidade”, o drama inesperadamente bom (atualmente em cartaz no Brasil) de um diretor que se consagrou pelo deboche, John Cameron Mitchell – autor do excelente “Hedwig – rock, amor e traição” (O que as pessoas que deram esse título em português estavam pensando? Que venderiam o filme para plateias que gostassem de sagas amorosas… e de rock?).
- E, claro, o já citado “Tomboy”, que foi o que mais me entusiasmou (e olhe que eu não demonstrei exatamente um “desentusiasmo” com relação aos filmes anteriores…).
“Tomboy” tem uma trama fácil de ser descrita em uma frase: menina de dez anos muda-se para uma nova cidade e, porque quer se fazer passar por um menino, inventa uma identidade masculina ao fazer novos amigos na vizinhança, arruma uma namorada, e se mete em brigas com seus colegas – até que, justamente por causa de uma briga dessas, sua fantasia começa a desmoronar. Mas “Tomboy”, como todo bom filme, é muito mais do que uma sinopse é capaz de contar.
O grande trunfo da diretora Céline Sciamma é a atriz Zoé Héram, que vive o personagem duplo Laura (menina) / Mikaël (menino). Com um rosto perfeitamente andrógino, ela encanta personagens – e espectadores! – de ambos os sexos. E não é difícil você simpatizar logo de cara com ela – e até torcer para que Laura se dê bem com sua nova identidade. Aos poucos, porém, as coisas vão se complicando…
Uma vizinha se apaixona por “Mikaël” (um nome que Laura escolhe por impulso, quando a pergunta como “ele” se chama – e a inspiração, como vemos mais discretamente numa cena em seu quarto, é ninguém menos que… Michael Jackson!). Um outro garoto pega “Mikaël” no pulo fazendo xixi no mato, durante um intervalo de uma partida de futebol. As férias de verão estão acabando e logo, na escola, ela não vai poder mais poder sustentar que é outra pessoa. Sua irmã mais nova – de seis anos – descobre o segredo… E tudo culmina para o momento em que os pais logo percebem que algo está errado com sua filha – e os desdobramentos dessa confusão são quase previsíveis.
Sciamma, porém, conduz tudo com sensibilidade e – talvez algo até mais importante nesse caso – com extrema naturalidade. As reações, apesar de fortes, nunca são exageradas. Crianças e adultos se comportam como tal, sem afetações ou caricaturas. E, no fim, o filme é como um belo conto de descoberta – e de amor.
Eu já estou na torcida para que ele chegue logo ao Brasil. Quem sabe até eu não o veja de novo… numa sessão às 9h da manhã…
O refrão nosso de cada dia
“Tiqla”, Prince of Assyria – percebo que, a imensa maioria das músicas que indico neste espaço para você desde o início do ano são um pouco antigas. É natural – olha eu tentando me explicar – uma vez que, do alto dos meus 48 anos, tenho um considerável arquivo musical para pesquisar. Assim, para dar uma quebrada, aqui vai uma canção (e seu refrão) bem contemporânea. Conheci esse artista agora nesta viagem a Paris. Comprei seu CD por intuição – achei que ia ser bom. O tal “Príncipe da Assíria” chama-se, na verdade, Ninos Dankha, e é iraquiano nascido em Bagdá, que se mudou ainda criança para a Suécia (e canta em inglês). Esse seu segundo disco – aparentemente como o primeiro – é extremamente melancólico.
Escutando-o pela primeira vez, eu já estava quase entrando em um torpor induzido, quando “Tliqa” começou (ela é a faixa 5) – e eu acordei em prantos. Trata-se de um refrão muito, mas muito triste mesmo. Mas que está longe de ser ordinário. Nada como uma nova descoberta para torturar o coração…
Onde estou (com resposta óbvia)
qui, 28/04/11
por Zeca Camargo |
Estou na fila da imigração do aeroporto de Garulhos – ou Aeroporto Governador André Franco Montoro, ou ainda, Cumbica (um lugar tão surreal que não consegue nem ter um nome só!). Estou chegando de uma rápida viagem de férias (mais sobre isso, daqui a pouco), e tenho de agradecer – se bem que não sei bem a quem (à administração do aeroporto? aos guichês de imigração? a Deus?) – por ser brasileiro. Essa minha nacionalidade me dá o “direito” de ficar “apenas” 45 minutos numa fila para eu poder entrar no “país da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016”. Sim, porque se eu fosse estrangeiro, esse tempo de espera – veja bem, para um estrangeiro que “escolheu” o Brasil para seu lazer, suas férias, ou seus negócios – seria, no mínimo, o dobro.
Não é a primeira vez que enfrentei esse caos ao chegar em São Paulo, mas certamente foi a primeira vez em que a tal fila da imigração começava mais ou menos na altura do portão 2 – uns bons 300 metros antes sequer de você chegar à kafkaniana serpentina onde suas esperanças de ser atendido no mesmo dia – e finalmente poder chegar em casa (ou no hotel), rever sua família (ou cuidar de seus negócios), ou simplesmente descansar de uma viagem longa – são renovadas. Apenas, claro, para você passar por um novo período de frustração, em que centenas de outros brasileiros como você (note que estou deixando os estrangeiros de lado, uma vez que não posso nem imaginar o sofrimento e a perplexidade de chegar num país que, supostamente é o do futuro e deparar com uma cena digna do século 19) estão vivendo: cansaço, calor, claustrofobia (incrível como Cumbica foi concebido na contramão de todos os aeroportos modernos projetados na sua época, optando pela iluminação artificial, e não a natural), incerteza, e simplesmente revolta.
Não exagero quando escrevo “revolta”. Por ser uma pessoa pública, as pessoas que estavam na mesma fila que eu, invariavelmente, suplicavam que eu fizesse uma reportagem sobre aquela (sic) “vergonha”, como se um programa de TV pudesse cumprir o papel do próprio poder público (várias matérias já foram feitas sobre o assunto, em vários órgãos da imprensa, mas com poucos resultados ). Era até curioso perceber como as pessoas muitas vezes deixam de acreditar no próprio poder da sua indignação, atribuindo a capacidade de mudar as coisas não a si próprias, mas a sempre vaga categoria de “os outros” – mas eu divago…
Ali naquele momento, passando pelos mesmos desconfortos e dissabores que todos, eu era apenas um cidadão chegando de viagem – e como todos que estavam na fila, tentava expressar minha decepção com o que estava acontecendo. O ritmo para lá de vagaroso de espera me fez viajar pela memória e resgatar momentos em que eu já havia passado por experiências semelhantes.
A primeira lembrança foi no aeroporto de Nova Déli, na Índia, quando cheguei lá pela primeira vez, em 1986. Havia filas para tudo – e a maior dela não era nem a de imigração, mas a de apresentação do comprovante de vacina contra a febre amarela. Passada essa etapa, o novo horror era a procura da mala – primeiro, para ver se não estava jogada em uma pirâmide de bagagens dispostas aleatoriamente num canto da enorme e abafada sala, mutiladas apenas para que parte do seu conteúdo (frutas, roupas, aparelhos eletrônicos etc.) se revelassem; depois, para tentar descobrir em qual esteira (previsivelmente quebrada) ela estaria disposta, misturada com qual voo que havia chegado sabe-se lá de que origem que não a sua. E aí vinha a recepção logo na saída: um exército de farrapos a pedir esmolas quase que numa fila contínua até a porta de seu hotel. Mas isso era 1986… Já voltei algumas vezes a Nova Déli depois disso, e posso assegurar que o tal aeroporto (agora, ambiciosamente reformado), mesmo se ainda não tem a agilidade de um Schipol (em Amsterdã), já está bem melhor – e não vamos nem tentar comparar com Guarulhos…
Lembrei-me também de uma antológica chegada a Tashkent, capital do Uzbequistão, na volta ao mundo que fiz em 2004. O problema lá – num aeroporto pequeno, uma vez que aquele destino não é exatamente um grande entroncamento cosmopolita – não era a multidão que chega a cada cinco minutos, mas a incompetência burocracia herdada da antiga administração soviética. Compatriotas uzbeques – desde que provassem algum laço (afetivo, familiar ou profissional) com alguma pessoa no poder – eram despachados sem pestanejar, enquanto cidadão comuns reentrando em seu país eram vítimas de um longo interrogatório sobre a viagem que acabavam de ter feito e sobre o potencialmente perigoso recheio de gordas bagagens – tão estouradas que eram envoltas em plásticos improvisados, panos caseiros e cordas surradas. E nós – eu e minha equipe (que totalizava apenas mais uma pessoa)? Nós, que havíamos chegado de terras mais distantes – e até mais misteriosas, como o Brasil –, éramos obrigados a nos virar com formulários escritos em alfabeto cirílico, largados à própria sorte, com um grupo de agentes de imigração que definitivamente não estava ali para ajudar…
Uzbequistão… Nova Déli em 86… o que mais me lembrava aquela cena no aeroporto Governador André Franco Montoro, em São Paulo? Ah, sim! A chegada, em 1998, em um país africano chamado Guiné-Bissau – notório destino “sem solução” daquele continente que, apesar de alguns percalços, provou que era capaz de hospedar uma Copa do Mundo. Se minha memória não me trai, Bissau é um dos poucos lugares do mundo que visitei onde a noção de fila simplesmente não existe. Ser atendido pela imigração era uma espécie de loteria – digamos, um esporte de aventura, com nível de estresse superado apenas pelo indescritível processo de recuperar sua mala no grito (em linhas bem gerais, um funcionário apenas trazia as malas uma por uma, perguntava se aquela era a sua, e, se não era, levava-a de volta por uma portinhola, até que você tivesse a chance de ser “atendido” de novo…
Curiosamente, lembrei-me também de lugares onde a expectativa de chegada era nefasta, mas cuja experiência em si provou ser não apenas tolerável, mas azeitada. Em Kosovo, por exemplo – um país onde as igrejas ortodoxas têm de ser protegidas por arames farpados e guardadas pelo exército da ONU, a entrada de uma equipe de televisão em Pristina, munida de nada mais especial do que um visto de turista, foi bastante suave. No Camboja, um destino onde o turismo floresce e, apesar de ser um país que viveu anos de repressão com um dos regimes mais sangrentos da história do século 20, fui recebido num clima amigável e descomplicado – e, para lá, já viajei como turista e a trabalho, tendo a mesma impressão em ambas as vezes. Para visitar no Marrocos, com minha família, no Natal de 2009, não tive problema algum – apesar de uma amiga que também viajava conosco ter passado por uma pequena série de perguntas depois de ter declarado casualmente que era jornalista. E, só lembrando, o Marrocos não é exatamente um poço de tranquilidade política, como você que acompanhas as notícias correntes sabe bem.
E foram essas lembranças – que, intercaladas com comentários (carinhosos) sobre minha dieta (deveras pública), e mais pedidos de ajuda para que eu “fizesse alguma coisa” [ara denunciar aquele (sic) absurdo que estávamos passando, me distraíam enquanto a fila andava morosamente –, enfim, foram essas lembranças que me inspiraram a escrever o blog de hoje. Que, diga-se, eu já havia planejado ser mais um “onde estou?”, mas não com a foto que abre o post…
Eu ia fazer a pergunta usando outra imagem – que agora, reservei para o final do texto (já já). Mas senti a necessidade de dividir esse assunto desastrado do retrato da chegada no maior aeroporto internacional do Brasil, porque é o mínimo que eu posso fazer como cidadão viajante – algo que todos nós éramos naquela manhã de quarta-feira (ou de qualquer outra manhã, pois, como sabemos bem, aquele espetáculo se repete diariamente). Porque isso é tudo que podemos fazer com nossa indignação: exibi-la. Era isso que eu tentava dizer para as pessoas que pediam minha “ajuda”: que eram elas mesmas que tinham esse poder de “reclamar”!
Para os mais cínicos que acham que uma viagem internacional é um luxo esnobe, eu aconselho passar uma tarde no aeroporto – qualquer aeroporto –, ou ainda uma checada no ótimo programa da Astrid (“Chegadas e partidas”, GNT), para ver que as histórias que circulam por lá não são apenas as de gente endinheirada se divertindo. Atrás de mim, havia uma brasileira, trabalhadora, que acabava de voltar de Kyoto, no Japão, ainda perturbada pelos perigos que aquele país passou recentemente – e que ainda ganhava de “bônus de estresse”, aquela espera humilhante. Ao lado, numa das curvas da “serpentina”, outra brasileira simples, que viaja com sua filhinha de uns 4 anos pela primeira vez ao Brasil – a menina, nascida na França, não falava português e a mãe tinha extrema dificuldade em explicar para a menina (já indócil) que elas não podiam “cortar” aquele caminho. Um casal de idosos me interpelou – ela, com lágrimas nos olhos – pedindo para passar na frente pois a conexão dela para Belo Horizonte seria dali a 25 minutos, e seus apelos para os agentes que estavam lá no aeroporto haviam sido recebido com respostas na linha “esse problema não é meu”… (O pedido deles, claro, foi prontamente atendido por mim e por todas as pessoas solidárias na fila).
Muitas das pessoas que estavam lá ontem, cientes de seu poder de protestar, tiravam fotos (como eu) e diziam que ia escrever algumas coisa na internet, como um desesperado resgate da dignidade que lhes havia sido roubada pela espera traumatizante. E é exatamente isso que estou fazendo aqui hoje – e mais: estou abrindo o espaço para você fazer o mesmo! Tenho certeza de que você já ouviu histórias assim – se é que já não viveu uma delas na pele. Mande seu comentário! Aos que talvez estranhem um espaço sobre cultura pop dedicar uma abertura para este tema, eu lembro, mais uma vez, que vem aí Copa do Mundo e Olimpíadas…
Mas lembro, sobretudo, que esse é um país maravilhoso – e que anseia por mais visitantes! Cada vez que viajo, não me canso de “vender” o Brasil com as melhores imagens – e com um entusiasmo digno de um embaixador (algo que todo brasileiro viajante deveria ter o orgulho de encarnar). E meu amor por esse lugar aqui é tão grande que eu acho que vou morrer falando bem dele! Eu quero que o mundo todo venha conhecer o meu Brasil – mas eu não quero que ninguém passe pelo que eu passei ontem…
Bem, mas para terminar num clima menos rabugento, aqui vai a foto que, incialmente eu iria colocar no post de hoje lá em cima! Pelas dicas que eu dei – e por algumas notas que saíram na imprensa, e na internet – você talvez já saiba onde eu fui passar essas férias (que, tenho que confessar, por estarem programadas desde o ano passado, acabaram sendo “atropeladas” pelo meu “programa de reprogramação corporal” – e tornou-se um verdadeiro “sacrifício”, sobre o qual eu vou falar na segunda-feira). Mas o que eu quero é detalhes: onde eu estou exatamente nessa cidade onde passei os últimos dez dias?
O refrão nosso de cada dia
“Zoubi la mouche”, Les Négresses Vertes – ainda no espírito do país que visitei, um refrão de uma música antiga, de um banda que bem existe mais, mas que, durante anos, foi uma enorme fonte de inspiração para mim. Digamos que, sem eles, não existiria Mano Chao (eu sei que ele veio de outra banda, Mano Negra, mas você sabe o que eu quero dizer!). Sem falar que uma música que dedica seu refrão a uma mosca (e seu zumbido) já tem minha simpatia imediata! “Profitez”!
Não é a primeira vez que enfrentei esse caos ao chegar em São Paulo, mas certamente foi a primeira vez em que a tal fila da imigração começava mais ou menos na altura do portão 2 – uns bons 300 metros antes sequer de você chegar à kafkaniana serpentina onde suas esperanças de ser atendido no mesmo dia – e finalmente poder chegar em casa (ou no hotel), rever sua família (ou cuidar de seus negócios), ou simplesmente descansar de uma viagem longa – são renovadas. Apenas, claro, para você passar por um novo período de frustração, em que centenas de outros brasileiros como você (note que estou deixando os estrangeiros de lado, uma vez que não posso nem imaginar o sofrimento e a perplexidade de chegar num país que, supostamente é o do futuro e deparar com uma cena digna do século 19) estão vivendo: cansaço, calor, claustrofobia (incrível como Cumbica foi concebido na contramão de todos os aeroportos modernos projetados na sua época, optando pela iluminação artificial, e não a natural), incerteza, e simplesmente revolta.
Não exagero quando escrevo “revolta”. Por ser uma pessoa pública, as pessoas que estavam na mesma fila que eu, invariavelmente, suplicavam que eu fizesse uma reportagem sobre aquela (sic) “vergonha”, como se um programa de TV pudesse cumprir o papel do próprio poder público (várias matérias já foram feitas sobre o assunto, em vários órgãos da imprensa, mas com poucos resultados ). Era até curioso perceber como as pessoas muitas vezes deixam de acreditar no próprio poder da sua indignação, atribuindo a capacidade de mudar as coisas não a si próprias, mas a sempre vaga categoria de “os outros” – mas eu divago…
Ali naquele momento, passando pelos mesmos desconfortos e dissabores que todos, eu era apenas um cidadão chegando de viagem – e como todos que estavam na fila, tentava expressar minha decepção com o que estava acontecendo. O ritmo para lá de vagaroso de espera me fez viajar pela memória e resgatar momentos em que eu já havia passado por experiências semelhantes.
A primeira lembrança foi no aeroporto de Nova Déli, na Índia, quando cheguei lá pela primeira vez, em 1986. Havia filas para tudo – e a maior dela não era nem a de imigração, mas a de apresentação do comprovante de vacina contra a febre amarela. Passada essa etapa, o novo horror era a procura da mala – primeiro, para ver se não estava jogada em uma pirâmide de bagagens dispostas aleatoriamente num canto da enorme e abafada sala, mutiladas apenas para que parte do seu conteúdo (frutas, roupas, aparelhos eletrônicos etc.) se revelassem; depois, para tentar descobrir em qual esteira (previsivelmente quebrada) ela estaria disposta, misturada com qual voo que havia chegado sabe-se lá de que origem que não a sua. E aí vinha a recepção logo na saída: um exército de farrapos a pedir esmolas quase que numa fila contínua até a porta de seu hotel. Mas isso era 1986… Já voltei algumas vezes a Nova Déli depois disso, e posso assegurar que o tal aeroporto (agora, ambiciosamente reformado), mesmo se ainda não tem a agilidade de um Schipol (em Amsterdã), já está bem melhor – e não vamos nem tentar comparar com Guarulhos…
Lembrei-me também de uma antológica chegada a Tashkent, capital do Uzbequistão, na volta ao mundo que fiz em 2004. O problema lá – num aeroporto pequeno, uma vez que aquele destino não é exatamente um grande entroncamento cosmopolita – não era a multidão que chega a cada cinco minutos, mas a incompetência burocracia herdada da antiga administração soviética. Compatriotas uzbeques – desde que provassem algum laço (afetivo, familiar ou profissional) com alguma pessoa no poder – eram despachados sem pestanejar, enquanto cidadão comuns reentrando em seu país eram vítimas de um longo interrogatório sobre a viagem que acabavam de ter feito e sobre o potencialmente perigoso recheio de gordas bagagens – tão estouradas que eram envoltas em plásticos improvisados, panos caseiros e cordas surradas. E nós – eu e minha equipe (que totalizava apenas mais uma pessoa)? Nós, que havíamos chegado de terras mais distantes – e até mais misteriosas, como o Brasil –, éramos obrigados a nos virar com formulários escritos em alfabeto cirílico, largados à própria sorte, com um grupo de agentes de imigração que definitivamente não estava ali para ajudar…
Uzbequistão… Nova Déli em 86… o que mais me lembrava aquela cena no aeroporto Governador André Franco Montoro, em São Paulo? Ah, sim! A chegada, em 1998, em um país africano chamado Guiné-Bissau – notório destino “sem solução” daquele continente que, apesar de alguns percalços, provou que era capaz de hospedar uma Copa do Mundo. Se minha memória não me trai, Bissau é um dos poucos lugares do mundo que visitei onde a noção de fila simplesmente não existe. Ser atendido pela imigração era uma espécie de loteria – digamos, um esporte de aventura, com nível de estresse superado apenas pelo indescritível processo de recuperar sua mala no grito (em linhas bem gerais, um funcionário apenas trazia as malas uma por uma, perguntava se aquela era a sua, e, se não era, levava-a de volta por uma portinhola, até que você tivesse a chance de ser “atendido” de novo…
Curiosamente, lembrei-me também de lugares onde a expectativa de chegada era nefasta, mas cuja experiência em si provou ser não apenas tolerável, mas azeitada. Em Kosovo, por exemplo – um país onde as igrejas ortodoxas têm de ser protegidas por arames farpados e guardadas pelo exército da ONU, a entrada de uma equipe de televisão em Pristina, munida de nada mais especial do que um visto de turista, foi bastante suave. No Camboja, um destino onde o turismo floresce e, apesar de ser um país que viveu anos de repressão com um dos regimes mais sangrentos da história do século 20, fui recebido num clima amigável e descomplicado – e, para lá, já viajei como turista e a trabalho, tendo a mesma impressão em ambas as vezes. Para visitar no Marrocos, com minha família, no Natal de 2009, não tive problema algum – apesar de uma amiga que também viajava conosco ter passado por uma pequena série de perguntas depois de ter declarado casualmente que era jornalista. E, só lembrando, o Marrocos não é exatamente um poço de tranquilidade política, como você que acompanhas as notícias correntes sabe bem.
E foram essas lembranças – que, intercaladas com comentários (carinhosos) sobre minha dieta (deveras pública), e mais pedidos de ajuda para que eu “fizesse alguma coisa” [ara denunciar aquele (sic) absurdo que estávamos passando, me distraíam enquanto a fila andava morosamente –, enfim, foram essas lembranças que me inspiraram a escrever o blog de hoje. Que, diga-se, eu já havia planejado ser mais um “onde estou?”, mas não com a foto que abre o post…
Eu ia fazer a pergunta usando outra imagem – que agora, reservei para o final do texto (já já). Mas senti a necessidade de dividir esse assunto desastrado do retrato da chegada no maior aeroporto internacional do Brasil, porque é o mínimo que eu posso fazer como cidadão viajante – algo que todos nós éramos naquela manhã de quarta-feira (ou de qualquer outra manhã, pois, como sabemos bem, aquele espetáculo se repete diariamente). Porque isso é tudo que podemos fazer com nossa indignação: exibi-la. Era isso que eu tentava dizer para as pessoas que pediam minha “ajuda”: que eram elas mesmas que tinham esse poder de “reclamar”!
Para os mais cínicos que acham que uma viagem internacional é um luxo esnobe, eu aconselho passar uma tarde no aeroporto – qualquer aeroporto –, ou ainda uma checada no ótimo programa da Astrid (“Chegadas e partidas”, GNT), para ver que as histórias que circulam por lá não são apenas as de gente endinheirada se divertindo. Atrás de mim, havia uma brasileira, trabalhadora, que acabava de voltar de Kyoto, no Japão, ainda perturbada pelos perigos que aquele país passou recentemente – e que ainda ganhava de “bônus de estresse”, aquela espera humilhante. Ao lado, numa das curvas da “serpentina”, outra brasileira simples, que viaja com sua filhinha de uns 4 anos pela primeira vez ao Brasil – a menina, nascida na França, não falava português e a mãe tinha extrema dificuldade em explicar para a menina (já indócil) que elas não podiam “cortar” aquele caminho. Um casal de idosos me interpelou – ela, com lágrimas nos olhos – pedindo para passar na frente pois a conexão dela para Belo Horizonte seria dali a 25 minutos, e seus apelos para os agentes que estavam lá no aeroporto haviam sido recebido com respostas na linha “esse problema não é meu”… (O pedido deles, claro, foi prontamente atendido por mim e por todas as pessoas solidárias na fila).
Muitas das pessoas que estavam lá ontem, cientes de seu poder de protestar, tiravam fotos (como eu) e diziam que ia escrever algumas coisa na internet, como um desesperado resgate da dignidade que lhes havia sido roubada pela espera traumatizante. E é exatamente isso que estou fazendo aqui hoje – e mais: estou abrindo o espaço para você fazer o mesmo! Tenho certeza de que você já ouviu histórias assim – se é que já não viveu uma delas na pele. Mande seu comentário! Aos que talvez estranhem um espaço sobre cultura pop dedicar uma abertura para este tema, eu lembro, mais uma vez, que vem aí Copa do Mundo e Olimpíadas…
Mas lembro, sobretudo, que esse é um país maravilhoso – e que anseia por mais visitantes! Cada vez que viajo, não me canso de “vender” o Brasil com as melhores imagens – e com um entusiasmo digno de um embaixador (algo que todo brasileiro viajante deveria ter o orgulho de encarnar). E meu amor por esse lugar aqui é tão grande que eu acho que vou morrer falando bem dele! Eu quero que o mundo todo venha conhecer o meu Brasil – mas eu não quero que ninguém passe pelo que eu passei ontem…
Bem, mas para terminar num clima menos rabugento, aqui vai a foto que, incialmente eu iria colocar no post de hoje lá em cima! Pelas dicas que eu dei – e por algumas notas que saíram na imprensa, e na internet – você talvez já saiba onde eu fui passar essas férias (que, tenho que confessar, por estarem programadas desde o ano passado, acabaram sendo “atropeladas” pelo meu “programa de reprogramação corporal” – e tornou-se um verdadeiro “sacrifício”, sobre o qual eu vou falar na segunda-feira). Mas o que eu quero é detalhes: onde eu estou exatamente nessa cidade onde passei os últimos dez dias?
O refrão nosso de cada dia
“Zoubi la mouche”, Les Négresses Vertes – ainda no espírito do país que visitei, um refrão de uma música antiga, de um banda que bem existe mais, mas que, durante anos, foi uma enorme fonte de inspiração para mim. Digamos que, sem eles, não existiria Mano Chao (eu sei que ele veio de outra banda, Mano Negra, mas você sabe o que eu quero dizer!). Sem falar que uma música que dedica seu refrão a uma mosca (e seu zumbido) já tem minha simpatia imediata! “Profitez”!
A mulher que se apaixonou por ‘Judas’
qui, 21/04/11
por Zeca Camargo |
Lady Gaga estava atrasada. Duas horas. Sua “entourage” não sabia mais o que fazer comigo. Já tinham me dado café e litros de água. Já tinham me indicado restaurantes legais de Miami, onde a entrevista foi marcada. Conversamos sobre bons shows que já tínhamos visto, sobre Coachella (o grande festival de música alternativa que estava para acontecer, na Califórnia, no fim-de-semana seguinte) e o próximo Rock in Rio. Preocupado com minha dieta – que me obriga a comer alguma coisa a cada três horas –, eu já tinha devorado uma salada de frutas. Já tinha checado a paisagem do décimo quinto andar do hotel onde esperávamos umas dez vezes. E nada de Lady Gaga.
Foi então que, não sem demonstrar uma certa resistência, a assessora direta dela perguntou se eu queria ouvir sua nova música, “Judas”. Isso, claro, foi antes de a canção vazar na internet, na última sexta-feira – e o mistério em torno dessa segunda faixa do novo álbum de Gaga, “Born this way” era grande. Eu estava tão ansioso – não apenas para ouvir a música, mas também para entrevistá-la, que dei um pulo de onde estava sentado, e quase sem pensar agarrei o iTouch que tinha só uma coisa em sua memória multigiga: “Judas”.
Ouvi ávido – e quando a faixa terminou, no lugar de perguntar se eu tinha gostado, a tal assistente disse simplesmente: “Eu sei que você gostou”. Fiquei um pouco perplexo, porque, apesar de todo o entusiasmo, não dei muita indicação de que havia aprovado a música – tipo, não saí dançando com os fones de ouvido… Acho que estava sorrindo de leve, mas um sorriso que poderia ser interpretado quase que como um gesto de educação. Como então ela podia ter certeza de que eu havia gostado tanto? – eu perguntei.
Resposta: “You got goose bumps – you cannot fake it”. Em português: “Você ficou arrepiado – não tem como fingir isso”. Ela tinha razão! Desde os primeiros acordes da música, ou melhor, desde que ela entra com variações sobre o nome “Judas” – num recurso vocal que lembra de longe sua própria “Bad romance” –, eu sabia que estava diante de mais um sucesso monstruoso! Menos de 48 horas depois desse episódio, o mundo inteiro já dançava ao som do refrão “Oh oh oh oh oh I’m in love with Judas”! E o resto é história.
Porém, mesmo depois de toda essa comoção, eu ainda esperei mais um bocado pela entrada (de fato) triunfal de Gaga no quarto da suíte. Quase três horas então depois do que estava marcado, ela chega vestida de prata, com um cabelo preso (de onde brotava um proeminente tufo loiro), maquiagem bastante pesada (como de hábito), especialmente pelos dois traços pretos que riscavam seus olhos, e um perfume que tomou conta do espaçoso ambiente em questão de segundos. Mas isso tudo eu só reparei depois de uns dois minutos olhando para ela – isso porque, de início, no momento em que ela entrou no recinto, a única coisa que sequestrou minha atenção era “aquilo” que ela tinha nos ombros.
“Aquilo” era uma protuberância que saía da ponta de seus braços, como um membro alienígena. Pense nas orelhas do Dr. Spock – do clássico seriado de TV “Jornadas nas estrelas”. Agora imagine aquilo saindo do ombro de uma pessoa. Era meio impressionante… Na (longa) conversa que tive com o pessoal da gravadora enquanto Gaga não chegava, alguém havia comentado que, só de maquiagem, eles tinham pago 12 mil dólares (por extenso, para não haver dúvidas: doze mil dólares!) para ela se preparar para a entrevista. Achei meio exagerado – mas quando vi ela chegando com “aquilo”, tudo fez sentido…
E esse não era o único – como posso chamar? – “aplique corporal” que ela tinha. Nas maçãs do rosto, ela ainda “usava” dois outros “relevos” que eram como pequenas lombadas em suas bochechas. O resultado era sensacional – mas para mim, que estava ali preocupado em fazer uma boa entrevista com ela para o “Fantástico”, o efeito geral foi um pouco perturbador.
Por sorte, depois de me cumprimentar com muita simpatia – dizendo inclusive que se lembrava de mim, da primeira vez em que conversamos (eu sempre desconfio quando um artista que já entrevistei fala isso para mim… será que ele ou ela lembra mesmo ou é apenas uma informação que o agente de imprensa desse artista passou para ela, como uma estratégia para agradar o jornalista que “veio de tão longe”?), enfim depois de me deixar bastante à vontade, ela pediu licença para se recompor (“freshen up”, foi a expressão que ela usou). Não entendi nada, pois achei que ela já estava prontíssima para a entrevista – mas aparentemente, ela ainda precisava de alguns retoques…
Livre finalmente da ansiedade, relaxei em frente à minha câmera (ela, claro, tinha uma exclusiva também) – e não tive que esperar nem cinco minutos (uma fração do tempo que já havia passado naquela suíte) para ter finalmente o prazer de conversar com Lady Gaga. E que prazer!
Estar ao lado dela não era exatamente uma novidade. Mas eu diria que aquele primeiro encontro, há um ano e meio, em Nova York, foi meio tímido. Ela vinha de uma série brutal de entrevistas (aquilo que, no “show business” chamamos de “junket”), e parecia cansada. Desta vez, ela tinha menos entrevistas para dar – e eu era apenas o segundo jornalista que ela encontrava naquele dia! Sorte minha – porque ela “soltou o verbo”!
Não quero adiantar muita coisa – afinal, você vai conferir os melhores momentos desse encontro em breve, no “Fantástico”. Mas o que eu posso dividir com você é que, mais uma vez, eu tive certeza de que estava diante de uma artista “de verdade”. E o que é isso? Bem, em vários instantes da existência deste blog eu já disse que, para mim, existem dois tipos de artista: aquelas com “A” (maiúsculo mesmo) e os outros com “a”. A diferença é simples: um se preocupa com sua arte – e o outro simplesmente sai fazendo o que é melhor para ter sucesso (e ganhar muito dinheiro). Preciso falar a qual grupo Lady Gaga pertence?
Esse aspecto “genuíno” da sua arte se manifesta de várias maneiras. Primeiro, nas pessoas que a cercam – a maioria delas, amigos e artistas com quem ela já circulava desde os tempos em que não era nada famosa, uma nota pé no circuito alternativo de Nova York. Certa de que eles são sua verdadeira fonte de inspiração criativa, ela sabiamente manteve todo mundo bem pertinho… Depois, tem a paixão com a qual ela fala de seu trabalho – de sua música. Para mim – a essa altura, com décadas de experiência em entrevistar celebridades (sobretudo do universo do rock n’roll), é muito fácil detectar quem tem um discurso original – e geralmente apaixonado – sobre sua obra, e quem está apenas repetindo um release que aprendeu no seu “treinamento de mídia” (uma espécie de rito de passagem para qualquer artista contemporâneo). E novamente pergunto: preciso dizer a qual grupo Lady Gaga pertence?
A entrevista estava prevista para durar aqueles dez minutos protocolares – um padrão nesses encontros. Mas de repente, antes que um de seus assistentes assinalasse com os braços que meu tempo já estava terminando, ela diz algo como: “Estou gostando dessa conversa, vamos em frente” – e pronto: eu tinha um passe livre para continuar o bate papo! E aí que as coisas começaram a ficar realmente interessantes…
Ela começou a comentar seu novo álbum, faixa por faixa – começando por “Judas”. A letra – como qualquer fã dedicado já pode conferir na internet – é bastante provocadora. “Jesus é minha virtude, mas Judas é o demônio ao qual eu me agarro”, diz um de seus “inocentes” versos. Segundo ela, a cutucada é explícita: “Eu cresci numa formação católica onde eu não tinha uma figura forte feminina para quem rezar – a igreja sempre me pareceu um ‘clube de meninos’ e eu me incomodava com aquilo”. E seu protesto seguiu coerente, assinando com a revelação da “surpresa” que ela vai fazer no vídeo da música: Lady Gaga aparecerá de Maria Madalena!
Apenas mais uma estratégia para chocar – para chamar a atenção? Talvez. Mas, como tudo em Lady Gaga, ela não teria criado isso se não existisse uma honestidade pessoal – se ela não tivesse passado mesmo por esses questionamentos na sua criação religiosa. Cada faixa de “Born this way”, me garantiu ela, tem essa profundidade. E para provar isso, Gaga citou outra música – sua favorita “do dia” (seu gosto, como ela me explicou, muda a toda hora): “Hair”. Essa canção tem a ver com o tempo em que ela estudava num colégio onde era obrigada a usar uniforme – algo que ela achava extremamente repressor. Sua única maneira de manifestar individualidade era através do cabelo. Como não havia regras para o penteado, ela aparecia cada semana com um mais enlouquecido que o outro – e driblava assim o esquema rígido na sala de aula.
“São de experiências pessoais assim que o disco é feito”, garante ela. “Nos meus dois primeiros trabalhos, eu estava olhando o ‘monstro da fama’ de longe, mas agora eu estou dentro dele – e a única maneira de dominar essa fera é buscando dentro de você histórias verdadeiras”, foi seu complemento quase no final da conversa (que já chegava a quase 20 minutos!). Eu queria mais, como sempre, mas, de tão encantado que estava, já me dava por muito satisfeito! (Quando você vir a entrevista no “Fantástico”, vai entender ainda melhor o que eu quero dizer…).
E depois disso, ainda teve o show – que foi, de fato, um dos melhores a que eu já assisti. (Em tempo, para quem me cobrou – e com razão – um comentário sobre a fulgurante passagem recente do U2 pelo Brasil, a explicação para meu silêncio é justamente essa: enquanto a banda tocava seu show extra naquela quarta-feira, a única noite, entre as que eles se apresentaram, em que eu não estava trabalhando e poderia tê-los visto, eu estava em Miami conferindo essa outra artista no palco… como diria os Rolling Stones, “you can’t always get what you want”). “Monster ball” é tudo: longo, completo, generoso, colorido, coreografado, espontâneo, íntimo e “mega”, histriônico e sussurrante, digno da artista com quem eu havia conversado apenas algumas horas antes – e que passei a admirar ainda mais (como se eu já não fosse fã…). É um show que, infelizmente, não vai passar pelo Brasil – essa turnê termina agora no início de maio, na Cidade do México. Mas em 2012 ela me jurou que vem! E eu tenho certeza de que o que vamos conferir então é uma artista ainda mais dona de seu pedaço, se desdobrando para os fãs, e certa de que ainda tem muita música para oferecer.
(Só lembrando, segunda que vem vou desfrutar de um “descanso de Páscoa, mas na quinta-feira retomamos com notícias d’além mar… Até lá!).
O refrão nosso de cada dia
“Respire”, Mickey 3d – Inspirado pela cidade onde estou, indico hoje um dos meus heróis do pop. Certamente seu desconhecido – ou, pelo menos, desconhecido do grande público no Brasil, Mickey 3d tem o dom de fazer músicas fáceis, mas não tolas. Ele tem uma mão para o pop como poucos – inclusive no seu país de origem (que eu não vou facilitar e dizer qual é – se quiser saber mesmo, dê um clique ali em cima!). E mais: ainda consegue fazer isso mandando uma mensagem importante (no caso, a destruição da nossa natureza). Como se não bastassem todos esses predicados, o clipe ainda é um achado – e para apreciá-lo melhor, tem que assistir até o fim! Aproveite e… respire!Mais do que eu jamais vou conseguir ler
seg, 18/04/11
por Zeca Camargo
Diga-me se você já encontrou uma descrição melhor do que essa de um almoço de família (disfuncional), descrito por um adolescente:
“É o aniversário do meu pai e eu não sei que idade ele tem. Minha irmã e meu irmão estão aqui. Um tipo ridículo canta ‘Careless whispers’. Eles podiam botar um CD. Meu pai diz: ‘Que bonita essa música’, e minha irmã responde: ‘Muito bonita’. Ele está a um passo de tirá-la para dançar. Meu irmão fala ao telefone, a negócios. Meu pai diz: ‘Oba, estou contente de ter meus filhos perto de mim esta noite’.”
Este parágrafo aparece já na segunda metade de “Ilusões pesadas”, de Sacha Sperling (Companhia das Letras) – o livro que mais pessoas escolheram para que eu lesse e fizesse um comentário (antes de eu viajar para os Estados Unidos na semana passada, para um par de entrevistas, com Miley Cyrus e Lady Gaga – mais sobre elas, daqui a pouco). Fiz essa proposta no post de segunda-feira passada, e fiquei surpreso com o retorno, no melhor dos sentidos.
A votação foi bastante apertada. Até o momento de eu decidir que livro deveria ler, “Ilusões pesadas” ganhava por apenas um voto. Comentários que vieram depois disso mexeram nesse placar – mas já era tarde para eu reconsiderar. Engatei então na leitura do trabalho de Sperling – e me comprometi também a comentar o segundo mais votado (que, então, perdia por apenas um ponto), “The evolution of Bruno Littlemore”, de Benjamin Hale (ainda sem tradução no Brasil).
(A pedidos, esclareço aqui quais foram as seis opções que, semana passada, eu ofereci – apenas com breves sinopses, sem títulos ou autores: 1) A biografia de um ex-agente literário em Nova York, que quase se acabou em drogas e sexo, é “Retrato de um viciado quando jovem”, de Bill Clegg, Companhia das Letras; 2) O romance de estréia de um autor brasileiro, sobre um movimento radical nos anos 90 no Rio, é “Todo terrorista é sentimental”, de Márcio Menezes, Record; 3) é o próprio “Ilusões pesadas”; 4) o romance histórico que tem a Guerra do Ópio e a Índia do século 19 como referências, é “Mar de papoulas”, do indiano Amitav Ghosh, Alfaguara; 5) o segundo mais votado, a história do chimpanzé criado como humano, “The evolution of Bruno Littlemore”, de Benjamin Hale; 6) a novela fantástica no Ártico é “Aurorarama”, do francês Jean-Christophe Valvat, ainda inédito no Brasil).
O que mais me deixou surpreso na votação foi justamente o equilíbrio de curiosidade entre as opções que sugeri. Fosse por um livro de um novo autor brasileiro (que ficou em terceiro lugar, também apertado), ou por uma enlouquecida aventura em terras geladas (o menos votado, mas não menos instigante), a curiosidade das pessoas que passaram por aqui – a sua curiosidade, enfim – mais uma vez não me decepcionou. Tamanho interesse só poderia significar uma coisa: que nosso fascínio pelos livros está longe de acabar. Quer notícia melhor do que essa?
Nossa atração pelo poder de uma história bem contada (seja ficção, ou não-ficção) é mesmo infinita – e isso é motivo de celebração! O único problema é que, justamente por essa curiosidade ser incomensurável, quem gosta de livros (como eu, e, tomara, como você) tende a desenvolver uma inevitável frustração, decorrente do fato de que, no nosso breve período aqui neste mundo, é virtualmente impossível ler tudo que gostaríamos!
Faço da minha experiência um exemplo. Como se não bastassem esses seis livros que selecionei para me acompanhar nas próximas semanas, nessa viagem de trabalho, consegui passando por algumas livrarias – e, claro, comprei mais alguns livros (a biografia de Tina Fey, “Bossypants”, o novo de James Gleick, “The information”, e “The imperfectionists”, de Tom Rachman, também estão entre eles). Sem falar dos outros que já encomendei pela internet – e mais alguns que peguei nas minhas estantes para as breves férias que vou tirar nos próximos dias (mais sobre isso, também daqui a pouco). São livros demais, eu sei… Mas a eles nos entregamos sempre, reféns da capacidade de cada um deles de nos encantar. Felizmente, somos naturalmente capazes de enganar a nós mesmo, achando que vai dar tempo para ler tudo – uma ilusão renovada a cada nova página que viramos de um livro novo.
E foi nesse espírito que abri “Ilusões pesadas” – e comecei a ficar admirado com a escrita de Sperling, que, como já havia adiantado, finalizou este livro quando tinha 18 anos. Que talento precoce seria esse, que escrevia frases como: “E foi assim que eles se amaram enquanto se traíam, ora um, ora outro, e foi assim que eles se odiaram sem admitir isso, reencontrando-se sem chorar” (sobre o relacionamento dos pais de, Sacha Winter, o protagonista adolescente)? Ou: “Você não me daria a idade que eu tenho. A minha idade, de todo o jeito, eu me empenho em perdê-la” (refletindo sobre a própria adolescência)?
Sacha, o personagem, expressa momentos brilhantes de Sacha, o autor. E meu entusiasmo inicial teria sido ainda maior se, de vez em quando ele não soltasse um clichê na linha: “Nós somos dois exploradores ávidos em busca de emoções artificiais” (ai!). Ou, pior: “Se eu pudesse dormir, saberia, talvez, como sonhar”… Aos poucos, no entanto, você vai se acostumando com esse equilíbrio – entre o óbvio e o poético – e a leitura de “Ilusões pesadas” ganha seu ritmo. E que ritmo é esse? O de um diário adolescente! O problema é que, no momento em que percebi isso, comecei a criar uma certa resistência à própria leitura, pois passei a achar que aquele livro não era para mim…
Se eu tivesse 16/17 anos, quem sabe? Mas a essa altura, dos meus recém-completos 48? Será que eu precisava mesmo ler um romance sobre o despertar emocional, sexual, erótico, e alucinógeno, de um garoto francês mimado? Tenho certeza que não. Tenho fortes lembranças dos livros que me marcaram nessa época da minha vida – dentre eles, talvez o mais importante tenha sido “Porcos com asas”, do italiano Marco L. Radice (já citado aqui mais de uma vez). E não estou exatamente no clima para ler fábulas de descobertas adolescentes desse tipo. Porém, “Ilusões pesadas”, ao mesmo tempo que me parecia composto de fórmulas previsíveis (frases curtas, capítulos idem, aventuras sexuais, inseguranças emocionais, rebeldia com os pais), também ia me trazendo um enorme prazer em sua leitura. Por isso, a solução foi me transportar por algumas horas a esse tempo em que eu mesmo passava por todas as questões – e aí sim pude aproveitar o livro em todo seu potencial.
Resumindo bem, Sacha Winter, tem 14 para 15 anos, mora com a mãe em Paris, tem um relacionamento distante com o pai, seu meio-irmão e sua meia-irmã (mais velhos), vai muito mal na escola, beija indiscriminadamente todas as meninas que consegue, ao mesmo tempo que desenvolve um “je ne sais quoi” por um novo amigo – o fascinante e enigmático Augustin. Sobre ele, Sacha escreve:
“Quero que ele seja os meus gestos no momento em que eu perco o controle sobre eles (…). Quero virar uma parte dele, tão útil quanto uma mão, tão vital quanto um coração. Só ele pode me levar ao ponto onde tudo desaparece. Desaparecer com ele”.
Quem não teve um amigo assim na adolescência? Um companheiro que, na confusão da idade em que supostamente estamos amadurecendo, acabamos tomando por ídolo, por exemplo, por ideal? E nem precisa ser um modelo muito positivo. No seu desejo de ficar cada vez mais perto de Augustin, Sacha revela: “Ele permanece opaco, insondável. É seu gosto pelo segredo, pela mentira, que lhe permite manter uma superioridade sobre mim”. Viver um pouco da vida de Augustin é, como diria Lou Reed, “dar uma volta pelo lado perigoso (da vida)”! (A trilha sonora de Sacha, claro, reflete mais sua adolescência nesse início de século 21, mas mesmo assim vale o exemplo).
E é nessa relação nunca declarada, mas intensa, entre uma espécie de mestre e uma espécie de aluno, que “Ilusões pesadas” se constrói – e te leva junto. Namoradas aparecem e são descartadas (“Nada é mais previsível que uma garota de quinze anos contrariada”). A escola nunca é mais que um pano de fundo – um obstáculo desagradável que Sacha tem que superar (“Esse boletim, daqui a dez anos, nem vou me lembrar mais dele. Tenho que me concentrar no que há de ser memorável”). Os pais beiram a caricatura – a mãe ainda é ligeiramente poupada, mas o pai… (“Em volta da piscina há três amigos do meu pai. Não gosto deles. Eles são gordos, vulgares e ricos. Eles gritam para dizer bom-dia, eles cantam para dizer até logo. Mesmo imóveis sob o sol, eles continuam barulhentos”). E para onde vai tudo isso?
Bem, aí é com você – se você decidir ler esse livro… Ou algum dos outros que eu indiquei. Eu já estou de partida hoje para outra viagem – essa, de férias (ou melhor, uma folga, de dez dias) –, e ao longo dela vou ler não só “o livro do chimpanzé”, como também alguma coisa “imprevisível” que vou colocar (como já me conheço) na última hora na mala.
E prometo que não vou deixar você sem notícias – pelo menos nesta quinta-feira. Afinal, sei bem, estou devendo notícias de Lady Gaga – e mesmo algumas de Miley Cyrus, minhas entrevistadas. E ainda acho que vou ter uma boa história para contar sobre o lugar onde vou descansar… Digamos que esse vai ser meu presente para você de Páscoa – já que, de chocolate, como você talvez esteja acompanhando no “Fantástico”, eu não posso nem chegar perto…
“É o aniversário do meu pai e eu não sei que idade ele tem. Minha irmã e meu irmão estão aqui. Um tipo ridículo canta ‘Careless whispers’. Eles podiam botar um CD. Meu pai diz: ‘Que bonita essa música’, e minha irmã responde: ‘Muito bonita’. Ele está a um passo de tirá-la para dançar. Meu irmão fala ao telefone, a negócios. Meu pai diz: ‘Oba, estou contente de ter meus filhos perto de mim esta noite’.”
Este parágrafo aparece já na segunda metade de “Ilusões pesadas”, de Sacha Sperling (Companhia das Letras) – o livro que mais pessoas escolheram para que eu lesse e fizesse um comentário (antes de eu viajar para os Estados Unidos na semana passada, para um par de entrevistas, com Miley Cyrus e Lady Gaga – mais sobre elas, daqui a pouco). Fiz essa proposta no post de segunda-feira passada, e fiquei surpreso com o retorno, no melhor dos sentidos.
A votação foi bastante apertada. Até o momento de eu decidir que livro deveria ler, “Ilusões pesadas” ganhava por apenas um voto. Comentários que vieram depois disso mexeram nesse placar – mas já era tarde para eu reconsiderar. Engatei então na leitura do trabalho de Sperling – e me comprometi também a comentar o segundo mais votado (que, então, perdia por apenas um ponto), “The evolution of Bruno Littlemore”, de Benjamin Hale (ainda sem tradução no Brasil).
(A pedidos, esclareço aqui quais foram as seis opções que, semana passada, eu ofereci – apenas com breves sinopses, sem títulos ou autores: 1) A biografia de um ex-agente literário em Nova York, que quase se acabou em drogas e sexo, é “Retrato de um viciado quando jovem”, de Bill Clegg, Companhia das Letras; 2) O romance de estréia de um autor brasileiro, sobre um movimento radical nos anos 90 no Rio, é “Todo terrorista é sentimental”, de Márcio Menezes, Record; 3) é o próprio “Ilusões pesadas”; 4) o romance histórico que tem a Guerra do Ópio e a Índia do século 19 como referências, é “Mar de papoulas”, do indiano Amitav Ghosh, Alfaguara; 5) o segundo mais votado, a história do chimpanzé criado como humano, “The evolution of Bruno Littlemore”, de Benjamin Hale; 6) a novela fantástica no Ártico é “Aurorarama”, do francês Jean-Christophe Valvat, ainda inédito no Brasil).
O que mais me deixou surpreso na votação foi justamente o equilíbrio de curiosidade entre as opções que sugeri. Fosse por um livro de um novo autor brasileiro (que ficou em terceiro lugar, também apertado), ou por uma enlouquecida aventura em terras geladas (o menos votado, mas não menos instigante), a curiosidade das pessoas que passaram por aqui – a sua curiosidade, enfim – mais uma vez não me decepcionou. Tamanho interesse só poderia significar uma coisa: que nosso fascínio pelos livros está longe de acabar. Quer notícia melhor do que essa?
Nossa atração pelo poder de uma história bem contada (seja ficção, ou não-ficção) é mesmo infinita – e isso é motivo de celebração! O único problema é que, justamente por essa curiosidade ser incomensurável, quem gosta de livros (como eu, e, tomara, como você) tende a desenvolver uma inevitável frustração, decorrente do fato de que, no nosso breve período aqui neste mundo, é virtualmente impossível ler tudo que gostaríamos!
Faço da minha experiência um exemplo. Como se não bastassem esses seis livros que selecionei para me acompanhar nas próximas semanas, nessa viagem de trabalho, consegui passando por algumas livrarias – e, claro, comprei mais alguns livros (a biografia de Tina Fey, “Bossypants”, o novo de James Gleick, “The information”, e “The imperfectionists”, de Tom Rachman, também estão entre eles). Sem falar dos outros que já encomendei pela internet – e mais alguns que peguei nas minhas estantes para as breves férias que vou tirar nos próximos dias (mais sobre isso, também daqui a pouco). São livros demais, eu sei… Mas a eles nos entregamos sempre, reféns da capacidade de cada um deles de nos encantar. Felizmente, somos naturalmente capazes de enganar a nós mesmo, achando que vai dar tempo para ler tudo – uma ilusão renovada a cada nova página que viramos de um livro novo.
E foi nesse espírito que abri “Ilusões pesadas” – e comecei a ficar admirado com a escrita de Sperling, que, como já havia adiantado, finalizou este livro quando tinha 18 anos. Que talento precoce seria esse, que escrevia frases como: “E foi assim que eles se amaram enquanto se traíam, ora um, ora outro, e foi assim que eles se odiaram sem admitir isso, reencontrando-se sem chorar” (sobre o relacionamento dos pais de, Sacha Winter, o protagonista adolescente)? Ou: “Você não me daria a idade que eu tenho. A minha idade, de todo o jeito, eu me empenho em perdê-la” (refletindo sobre a própria adolescência)?
Sacha, o personagem, expressa momentos brilhantes de Sacha, o autor. E meu entusiasmo inicial teria sido ainda maior se, de vez em quando ele não soltasse um clichê na linha: “Nós somos dois exploradores ávidos em busca de emoções artificiais” (ai!). Ou, pior: “Se eu pudesse dormir, saberia, talvez, como sonhar”… Aos poucos, no entanto, você vai se acostumando com esse equilíbrio – entre o óbvio e o poético – e a leitura de “Ilusões pesadas” ganha seu ritmo. E que ritmo é esse? O de um diário adolescente! O problema é que, no momento em que percebi isso, comecei a criar uma certa resistência à própria leitura, pois passei a achar que aquele livro não era para mim…
Se eu tivesse 16/17 anos, quem sabe? Mas a essa altura, dos meus recém-completos 48? Será que eu precisava mesmo ler um romance sobre o despertar emocional, sexual, erótico, e alucinógeno, de um garoto francês mimado? Tenho certeza que não. Tenho fortes lembranças dos livros que me marcaram nessa época da minha vida – dentre eles, talvez o mais importante tenha sido “Porcos com asas”, do italiano Marco L. Radice (já citado aqui mais de uma vez). E não estou exatamente no clima para ler fábulas de descobertas adolescentes desse tipo. Porém, “Ilusões pesadas”, ao mesmo tempo que me parecia composto de fórmulas previsíveis (frases curtas, capítulos idem, aventuras sexuais, inseguranças emocionais, rebeldia com os pais), também ia me trazendo um enorme prazer em sua leitura. Por isso, a solução foi me transportar por algumas horas a esse tempo em que eu mesmo passava por todas as questões – e aí sim pude aproveitar o livro em todo seu potencial.
Resumindo bem, Sacha Winter, tem 14 para 15 anos, mora com a mãe em Paris, tem um relacionamento distante com o pai, seu meio-irmão e sua meia-irmã (mais velhos), vai muito mal na escola, beija indiscriminadamente todas as meninas que consegue, ao mesmo tempo que desenvolve um “je ne sais quoi” por um novo amigo – o fascinante e enigmático Augustin. Sobre ele, Sacha escreve:
“Quero que ele seja os meus gestos no momento em que eu perco o controle sobre eles (…). Quero virar uma parte dele, tão útil quanto uma mão, tão vital quanto um coração. Só ele pode me levar ao ponto onde tudo desaparece. Desaparecer com ele”.
Quem não teve um amigo assim na adolescência? Um companheiro que, na confusão da idade em que supostamente estamos amadurecendo, acabamos tomando por ídolo, por exemplo, por ideal? E nem precisa ser um modelo muito positivo. No seu desejo de ficar cada vez mais perto de Augustin, Sacha revela: “Ele permanece opaco, insondável. É seu gosto pelo segredo, pela mentira, que lhe permite manter uma superioridade sobre mim”. Viver um pouco da vida de Augustin é, como diria Lou Reed, “dar uma volta pelo lado perigoso (da vida)”! (A trilha sonora de Sacha, claro, reflete mais sua adolescência nesse início de século 21, mas mesmo assim vale o exemplo).
E é nessa relação nunca declarada, mas intensa, entre uma espécie de mestre e uma espécie de aluno, que “Ilusões pesadas” se constrói – e te leva junto. Namoradas aparecem e são descartadas (“Nada é mais previsível que uma garota de quinze anos contrariada”). A escola nunca é mais que um pano de fundo – um obstáculo desagradável que Sacha tem que superar (“Esse boletim, daqui a dez anos, nem vou me lembrar mais dele. Tenho que me concentrar no que há de ser memorável”). Os pais beiram a caricatura – a mãe ainda é ligeiramente poupada, mas o pai… (“Em volta da piscina há três amigos do meu pai. Não gosto deles. Eles são gordos, vulgares e ricos. Eles gritam para dizer bom-dia, eles cantam para dizer até logo. Mesmo imóveis sob o sol, eles continuam barulhentos”). E para onde vai tudo isso?
Bem, aí é com você – se você decidir ler esse livro… Ou algum dos outros que eu indiquei. Eu já estou de partida hoje para outra viagem – essa, de férias (ou melhor, uma folga, de dez dias) –, e ao longo dela vou ler não só “o livro do chimpanzé”, como também alguma coisa “imprevisível” que vou colocar (como já me conheço) na última hora na mala.
E prometo que não vou deixar você sem notícias – pelo menos nesta quinta-feira. Afinal, sei bem, estou devendo notícias de Lady Gaga – e mesmo algumas de Miley Cyrus, minhas entrevistadas. E ainda acho que vou ter uma boa história para contar sobre o lugar onde vou descansar… Digamos que esse vai ser meu presente para você de Páscoa – já que, de chocolate, como você talvez esteja acompanhando no “Fantástico”, eu não posso nem chegar perto…
O refrão nosso de cada dia
“Say hello wave goodbye”, Soft Cell / “Say hello wave goodbye”, David Gray – como fiquei devendo um refrão para você na semana passada, aqui vai uma música sublime, em dose dupla! É a mesma música, na verdade, mas uma tão boa, que ganhou duas interpretações bem distintas – e bem fortes. A primeira é da banda que compôs a canção, o sensacional Soft Cell, de Marc Almond. Na sua voz, o refrão é puro desespero de alguém que não suporta reencontrar alguém que tanto amou (conhece esse sentimento?). Na interpretação de David Gray, o desespero vira dor – e a não ser que seu coração esteja passando pela fase mais feliz da sua vida, tenha muito cuidado ao ouvir essa fábula de amor e ódio. A mais linda que alguém já escreveu.Licença poética
qui, 14/04/11
por Zeca Camargo |
Se você contou os votos tão bem quanto eu, o que você está esperando hoje é um texto sobre o livro “Ilusões pesadas”, o romance de estreia do francês Sacha Sperling (editado no Brasil pela Companhia das Letras) – que causou sensação na cena literária parisiense em 2009. (Para você que chegou agora, explico: no post anterior eu convidei os leitores a escolher sobre qual livro eles queriam que eu escrevesse aqui hoje, baseados apenas em uma sinopse sumária, sem os títulos das obras ou mesmo seus autores). Por apenas um voto, a opção de número 3 foi a história que despertou a maior curiosidade entre quem enviou seu comentário – e, em nome da transparência, esclareço que minha “base de cálculo” são os 89 comentários que li até o momento em que escrevo isso.
Como “isso é uma democracia”, ficaram para trás outros livros não menos excelentes – que, abusando da sua paciência, asseguro que você os verá em breve aqui neste espaço. Mas a “reta final” foi tão apertada, que me senti inclinado a comentar também os dois livros que ficaram empatados em segundo lugar: “Todo terrorista é sentimental”, de Márcio Menezes (Editora Record), e “The evolution of Bruno Littlemore”, de Benjamin Hale (ainda sem tradução para o português) – respectivamente as opções 2 e 5, da última segunda-feira.
Eu tinha a nobre intenção de honrar meu compromisso com você, mas duas coisas significativas aconteceram – e elas, de certa maneira me obrigam a adiar esse texto para segunda-feira que vem. Vou me explicar melhor, quem sabe você me dá razão.
O motivo pelo qual comentei no último post que teria tempo para ler muitos livros era uma longa viagem de avião que eu faria – e fiz – até Miami para entrevistar… Lady Gaga! Foi ontem, e foi sensacional – e, claro, pode esperar para ler sobre esse evento (uma entrevista com Lady Gaga nunca é menos que um evento), aqui mesmo neste blog, em breve. Ocorre que ontem no meio da tarde, sou comunicado de que vou a outro destino, aqui mesmo nos Estados Unidos, para uma outra entrevista – que, por enquanto, prefiro fazer mistério sobre ela… Ou seja, minha quinta-feira ficou bem curta – com reflexos para toda a semana!
Mas não foi só isso. Eu também acabo de chegar do show “The monster ball”, da própria Lady Gaga. E depois de um espetáculo como esse, as palavras realmente me faltam…
Apesar de querer fortemente comentar o show à larga, o esquema de viagens de hoje, e o consequente tempo curto que ele me deixou, me impedem de fazê-lo da maneira como eu gostaria. Sim, com um texto mais elaborado! Como resumir em apenas algumas frases uma noite como essa, em que “Bad romance” finalmente ganha uma versão definitiva? Em que a palavra “Jesus” é pronunciada 14 vezes, ao longo da música “Teeth”? Em que um piano pega fogo – e ainda é tocado com os pés? Em que ela liga aleatoriamente para uma pessoa da plateia e convida para ir à festa privada no seu camarim? Em que o público está praticamente todo vestido como a artista que está no palco? Em que “Alejandro” revela ser um sucesso ainda maior do que você imaginava? Em que cada frase dita entre os números parece sair das entranhas de Gaga?
“The monster ball” já é um dos 5 shows mais incríveis que eu vi na minha vida – e olha que que não vi poucos nessa carreira no “show business”. Por isso, vou guardar tudo que passou pela minha cabeça hoje para uma outra oportunidade – que também será em breve…
Aos que talvez tenham se decepcionado, peço perdão. Aos que confiam em mim – e sabem que no próximo post serão ainda mais recompensados em sua leitura –, obrigado pela compreensão. Só para dar um gostinho, digo que fiquei ligeiramente incomodado com a escolha do livro de Sperling – ao mesmo tempo que feliz com o entusiasmo pelo de Menezes. Mas acho que estou me adiantando… Segunda-feira tem mais (inclusive 2 músicas na seção “O refrão nosso de cada dia”, que hoje não será publicada).
Deseje-me sorte – vou precisar muito dela nas próximas 48 horas…
Como “isso é uma democracia”, ficaram para trás outros livros não menos excelentes – que, abusando da sua paciência, asseguro que você os verá em breve aqui neste espaço. Mas a “reta final” foi tão apertada, que me senti inclinado a comentar também os dois livros que ficaram empatados em segundo lugar: “Todo terrorista é sentimental”, de Márcio Menezes (Editora Record), e “The evolution of Bruno Littlemore”, de Benjamin Hale (ainda sem tradução para o português) – respectivamente as opções 2 e 5, da última segunda-feira.
Eu tinha a nobre intenção de honrar meu compromisso com você, mas duas coisas significativas aconteceram – e elas, de certa maneira me obrigam a adiar esse texto para segunda-feira que vem. Vou me explicar melhor, quem sabe você me dá razão.
O motivo pelo qual comentei no último post que teria tempo para ler muitos livros era uma longa viagem de avião que eu faria – e fiz – até Miami para entrevistar… Lady Gaga! Foi ontem, e foi sensacional – e, claro, pode esperar para ler sobre esse evento (uma entrevista com Lady Gaga nunca é menos que um evento), aqui mesmo neste blog, em breve. Ocorre que ontem no meio da tarde, sou comunicado de que vou a outro destino, aqui mesmo nos Estados Unidos, para uma outra entrevista – que, por enquanto, prefiro fazer mistério sobre ela… Ou seja, minha quinta-feira ficou bem curta – com reflexos para toda a semana!
Mas não foi só isso. Eu também acabo de chegar do show “The monster ball”, da própria Lady Gaga. E depois de um espetáculo como esse, as palavras realmente me faltam…
Apesar de querer fortemente comentar o show à larga, o esquema de viagens de hoje, e o consequente tempo curto que ele me deixou, me impedem de fazê-lo da maneira como eu gostaria. Sim, com um texto mais elaborado! Como resumir em apenas algumas frases uma noite como essa, em que “Bad romance” finalmente ganha uma versão definitiva? Em que a palavra “Jesus” é pronunciada 14 vezes, ao longo da música “Teeth”? Em que um piano pega fogo – e ainda é tocado com os pés? Em que ela liga aleatoriamente para uma pessoa da plateia e convida para ir à festa privada no seu camarim? Em que o público está praticamente todo vestido como a artista que está no palco? Em que “Alejandro” revela ser um sucesso ainda maior do que você imaginava? Em que cada frase dita entre os números parece sair das entranhas de Gaga?
“The monster ball” já é um dos 5 shows mais incríveis que eu vi na minha vida – e olha que que não vi poucos nessa carreira no “show business”. Por isso, vou guardar tudo que passou pela minha cabeça hoje para uma outra oportunidade – que também será em breve…
Aos que talvez tenham se decepcionado, peço perdão. Aos que confiam em mim – e sabem que no próximo post serão ainda mais recompensados em sua leitura –, obrigado pela compreensão. Só para dar um gostinho, digo que fiquei ligeiramente incomodado com a escolha do livro de Sperling – ao mesmo tempo que feliz com o entusiasmo pelo de Menezes. Mas acho que estou me adiantando… Segunda-feira tem mais (inclusive 2 músicas na seção “O refrão nosso de cada dia”, que hoje não será publicada).
Deseje-me sorte – vou precisar muito dela nas próximas 48 horas…
Leitura de bordo
seg, 11/04/11
por Zeca Camargo |
Então o mundo se divide entre as pessoas que odeiam axé e as que não toleram funk – com uma pequena, mas significativa zona de intersecção que odeia os dois, e ainda joga pagode no meio para não deixar dúvidas de que os gêneros mais populares do Brasil são também os mais hediondos. Pelo menos foi essa a impressão que tive depois que fiz uma pesquisa informal no último post, perguntando inocentemente qual seria a – se é que ela existe – a pior música do mundo.
Antes que você se arme de ironia, a pergunta foi realmente inocente – mais uma defesa em favor da pobre “bola (de escárnio) da vez”, Rebecca Black (que até o final desta semana deve bater os 100 milhões de acessos ao seu clipe no youtube), do que na tentativa de eleger aquela que é (ou foi) de fato a pior canção de todos os tempos. Foram 242 comentários – até o momento em que escrevo isso – e o que mais me surpreendeu não foram as escolhas individuais, focadas em apenas um artistas, uma banda, ou uma canção, mas a corrente negativa, em massa, contra esses dois (ou três) gêneros que, insisto, estão entre os mais populares no gosto do brasileiro.
A pergunta que vem é: “se tanta gente detesta axé, funk, e pagode, como é que esses artistas ainda fazem sucesso”? A resposta fácil, claro, é que este blog não está muito em sintonia com “o popular” – ou ainda, que os nobres leitores que juntei nesses quatro anos e meio, não representam bem nosso povão. Mas será mesmo? Em defesa própria, tenho a dizer que, pelo retorno que tenho deste trabalho, chego em regiões do Brasil – e até mesmo em camadas sociais – que jamais seria capaz de alcançar se esta coluna existisse, por exemplo, em uma tradicional folha de jornal. O que, claro, me deixa muito orgulhoso, mas me obriga a achar outras explicações para a estranha relação de amor e ódio que tais gêneros musicais provocam.
Uma delas é o que podemos chamar de “bairrismo musical” natural. Tenho quase certeza de que aqueles que odeiam pagode nutrem um gosto especial pelo funk – assim como os militantes contra o funk não resistem a um bom axé (e não preciso nem falar que os que preferem ver o axé banido da face da Terra, muito provavelmente não tiram o pagode da sua seleção musical…). Os três estilos musicais, embora não excludentes, tendem a polarizar seus adeptos – ou seja, se você quer gostar “disso”, é melhor odiar aquilo…
Outra explicação possível é a já conhecida hipocrisia popular: gente que critica fortemente alguma coisa publicamente, mas a abraça secretamente, sem confessar esse seu “pecado do gosto” nem sob a ameaça de surra! É mais ou menos o fenômeno da eleição de Tiririca: você, assim como eu, não conhece ninguém que diga em alto e bom tom que votou sim no palhaço (sem nenhum preparo, sequer projeto de preparo, para exercer um cargo público) – mas mesmo assim ele está lá, cumprindo seu mandato, com a glória duvidosa de ter sido o deputado mais votado do Brasil… Quem aí é capaz de levantar a mão e dizer: “Eu adoro funk”? Ou: “Eu não vivo sem pagode”? Entendeu o que eu quero dizer? Todo mundo ouve, mas ninguém quer admitir…
Para mim, as respostas mais sensatas, entre tantas boas participações, eram as que apelavam para o velho clichê: gosto não se discute. Que é, como me vejo obrigado a esclarecer novamente, o mote velado deste espaço. Geralmente uso uma palavra mais “bonita” para definir a essência deste blog, preferindo chamá-lo de “eclético”. Mas no fundo o que eu gosto mesmo é de propor que você venha aqui e encontre qualquer coisa: de um elogio à Rebecca Black a outro para Pina Bausch – que, no caso do último texto, estavam mesclados (coisa que boa parte dos leitores que mandaram seus comentários apenas em cima da pergunta que fiz no título do post, sequer perceberam… mas eu divago!).
Assim como a você, leitor, leitora, eu sempre me dou o direito de gostar e desgostar de tudo, de me influenciar pelos outros, de ser volúvel nas minhas opiniões, de simplesmente mudar de idéia. É essa multiplicidade de “apetites” que eu sempre gosto de celebrar aqui – e dividir essas minhas idiossincrasias com vocês tem sido um dos meus maiores prazeres, desde que comecei a escrever aqui, nos idos de 2006.
Essa maleabilidade de gostos, ou ainda, essa flexibilidade de interesses é algo de que me gabo bastante – e que me sinto orgulhoso de ter desenvolvido toda a vez que leio alguma coisa relacionada a Montaigne. Sim, Montaigne – um dos meus pensadores favoritos, que cito aqui sem medo de achar que você vai abandonar este texto simplesmente porque eu esbarrei na filosofia…
Quando eu fiz 40 anos – no longínquo abril de 2003 (aliás, quero agradece aqui a todos os votos de felicidades que quem lembrou do meu aniversário, na última sexta-feira, teve a gentileza de enviar!) -, um amigo me recomendou que eu lesse os ensaios de Montaigne, garantindo-me que, ao chegar naquela idade tão preciosa, tudo que eu precisava saber da vida estava contido nos seus “Ensaios”.
Meu interesse por filosofia, esclareço, foi sempre marginal. Cheguei até a cursar dois anos de faculdade só sobre o assunto, mas abandonei o pensamento, quando achei que o corpo estava falando mais alto. Eram os anos 80, e eu – já tendo completado dois cursos superiores – achei que não queria mais estudar tanto, e escolhi embarcar no universo da dança. A filosofia, ou ainda, as idéias, estariam sempre ali, para quando eu quisesse explorá-las. Já o corpo, pela própria juventude, quase que demandava que eu o descobrisse naquela época. Mas fiz essa opção com o compromisso de não me afastar da filosofia – e foi assim que fui me aproximando de (entre tantos pensadores) Montaigne.
Hoje em dia, Michael de Montaigne está apenas a um clique do seu conhecimento – basta acessar a wikipédia, claro. Se você quiser descobrir mais sobre esta mente fascinante, vá em frente! Mas, para efeito do que eu quero escrever aqui hoje, basta dizer que o que mais me fascina em seu trabalho é a capacidade de sempre questionar o que está acontecendo. “Quando eu estou brincando com meu gato, como eu sei que não é ele que está brincando comigo?” – é uma pergunta típica de Montaigne, que, embora pareça banal, esconde um sofisticado dilema filosófico. E foi com questionamentos assim, sobre si mesmo, e sobre o mundo a sua volta, que ele me conquistou.
Na época, li todos os ensaios (editados em três volumes, no Brasil, pela Martins Fontes) – e de vez em quando ainda abro os livros para uma consulta aleatória. E sempre que vejo um lançamento interessante ligado a ele, corro atrás. Por essa razão, nas últimas semanas estou envolvido com um livro fascinante “How to live: a life of Montaigne in one question and twenty attempts at an answer”, da escritora Sarah Bakewell (numa tradução literal apressada, “Como viver: a vida de Montaigne em uma questão e vinte tentativas de achar uma resposta”).
Ainda inédito no Brasil, “How to live” é uma leitura fascinante, e não só por jogar novas luzes (pelo menos para mim) sobre a biografia do pensador que eu tanto admiro, mas também pelas novas conexões que a autora faz entre o pensamento de Montaigne e a nossa vida cotidiana. Isso mesmo: a obra do filósofo é tão rica, tão inteligente, tão elástica – como todo boa reflexão sobre o pensamento deve ser – que, mesmo lendo-a hoje em dia, parece que ele escreveu não para o seu tempo (o século 16), mas para nosso enlouquecido mundo atual. Montaigne, numa atitude que quase prevê nossa dispersão cultural, não se acanha de mudar constantemente de ideia – e muitas vezes se contradizer num mesmo ensaio. Nada o aborrece por completo e tudo o fascina – e acho que é por isso que eu o tenho como um grande ídolo.
(Quisera mais pessoas pensassem assim. Quisera todos aqueles, donos de um gosto imutável, donos de convicções ditas irreversíveis, se permitissem conhecer novos horizontes. Num mundo polarizado como este nosso, onde a própria internet, ironicamente, colabora para que as pessoas tornem-se não mais flexíveis e abertas, mas mais radicais e teimosas – algo que já foi assunto aqui neste blog, Montaigne se faz mais que necessário… Mas quem está pronto para ouvir o que ele tem a dizer? Eu sei… divago…).
E é sempre pensando como Montaigne – quer dizer, eu sempre humildemente tentando simular sua curiosidade – que eu faço minhas escolhas. Aliás, estou diante de uma delas – e peço sua ajuda. Nos próximos dias, por motivos que você vai entender à medida que me acompanhar aqui no blog, vou passar muitas horas dentro de aviões. O que, claro, não me incomoda nem um pouco. Amanhã mesmo já vou embarcar num deles – num vôo diurno. E avião, para mim, é sinônimo de leitura! Por isso, já coloquei na minha bagagem de mão “How to live” – que estou lendo aos poucos, como a gente sempre deve ler os livros que nos encantam. Mas isso é pouco…
Tenho várias outras opções de livros para levar aqui na minha frente – e como já faz algum tempo que não comento sobre esse assunto, prometo que no post de quinta-feira vou falar sobre uma dessas leituras. Mas qual delas?
Resolvi passar a bola para você. Vou descrever brevemente as opções que tenho diante de mim – sem o título do livro, sequer o seu autor. Todas são alternativas interessantes, uma vez que eu já as escolhi numa primeira seleção – em lojas virtuais e livrarias por onde andei circulando nas últimas semanas. O que vou oferecer aqui é um breve parágrafo com uma descrição sumária sobre o que versa o livro. Sobre qual deles você quer ler aqui no próximo post? Mande seu comentário com o número da opção – que, só esclarecendo, não tem uma ordem de preferência pessoal. Acho que vamos nos divertir – você escolhendo, eu lendo, e depois você lendo sobre o que eu li! Vamos às opções:
1) Ex-agente literário americano – bonito e brilhante – conta como se deslumbrou com as tentações do universo da mídia de Nova York, e se perdeu em drogas e sexo, colocando a própria vida em risco várias vezes, sobrevivendo apenas para contar essa história
2) Mais sexo – e muita bebida – numa trama de ficção que se passa no Rio de Janeiro dos anos 90 – mas com uma diferença: esses rebeldes deste livro têm uma causa, ainda que utópica: acabar com a corrupção no Brasil. Esses amigos proclamam um movimento que mistura idealismo e cultura pop. Livro de estréia de um autor brasileiro
3) Em Paris, um garoto mimado vive com sua família num mundo de muito dinheiro, protegido por uma boa situação social. O sexo (novamente ele) é a saída para as aventuras menos caretas, uma brecha que ele aproveita ao extremo. As drogas também têm papel importante nessa educação alternativa. Detalhe: o autor desse livro – um francês – tinha 18 anos quando o escreveu
4) Romance histórico situado num período logo anterior à Guerra do Ópio, em meados do século 19. Uma espécie de saga indiana, onde disputas pessoais se misturam ao painel sócio-político da Índia, numa aventura em que um navio (Ibis) é quase um personagem. De um dos mais aclamados autores indianos contemporâneos
5) Chimpanzé é criado como um ser humano e o mundo inteiro se curva diante dessa façanha, já que o animal tem todo o comportamento de uma pessoa. Ele e sua criadora, são admirados por todos, até que o chimpanzé começa a ficar humanos demais – para o lado negativo – com consequências terríveis para todos. De um jovem autor americano
6) Novela fantástica, que se passa no exótico território Ártico, numa cidade chamada Nova Veneza – um cenário tão espetacular quando a narrativa, que envolve uma rebelião popular, uma história de amor que ficou perdida no passado, e uma aventura de ação. Quem escreve é um autor-revelação francês
Por onde devo começar?
O refrão nosso de cada dia
“Shake it out”, Tilly and the Wall – temos aqui um caso peculiar, de uma banda, aliás, deveras peculiar também (quantas bandas você conhece que usa o sapateado como percussão?). Tilly and the Wall são meus favoritos de longa data, sempre com canções bem fortes e alegres. Mas essa é especial, porque segura o refrão durante quase toda a duração da música – apenas para soltá-lo, quatro vezes seguidas, no final. “So come on baby, let’s dance, get your body in motion”… Pode deixar que eu obedeço…Agora, sério: qual a pior música do mundo?
qui, 07/04/11
por Zeca Camargo |
Pelas minhas contas, ontem assisti ao sétimo espetáculo da companhia de Pina Bausch: “Ten chi” – mais um, de um repertório de dezenas de danças. Pina, cuja morte foi lembrada aqui mesmo, há dois anos, foi (e é) um dos nomes mais importantes da dança contemporânea – e, pelo que vi ontem, seus bailarinos estão firmes no propósito de levar o espírito da coreógrafa alemã adiante (algo que o documentário do diretor alemão Win Wenders , recém-lançado na Europa – e que deve chegar aqui em breve – só vem ajudar a perpetuar).
“Ten chi” é um dos “balés temáticos” de Pina – peças que ela fazia “inspirada” por algum lugar do mundo (uma vertente deveras criticada do seu trabalho, mas que, do que eu pude conferir, resultou em espetáculos belíssimos, como o “Mazurca fogo”, que veio de suas experiências em Portugal). O foco ali foi o Japão. E a experiência foi – como sempre é com Pina – sublime. Os solos de dança, de tão sofisticados no gestual, pareciam penalizar cada piscada de quem assistia, exigindo atenção absoluta – um desafio que era recompensado a cada troca de bailarinos no palco. Mas era sobretudo nos “retratos” – os pequenos “tableaux” que ela coloca mansamente em cena – que estavam as maiores preciosidades da noite. Como quando uma bailarina entra com dois pires com comida para passarinho nas mãos e é suspendida do solo por um bailarino pelas axilas, para ganhar um beijo nas alturas… Ou a mulher que ganha um leque de outro bailarino, mas precisa que este movimente seu braço em pequenas rotações para que ela consiga se abanar. Ou ainda o sutilíssimo movimento de um casal, onde o homem leva lentamente, com o topo da sua cabeça, as mãos de uma mulher até os ombros…
Qualquer palavra é vã para reproduzir esses momentos. Os balés de Pina Bausch são essencialmente eventos de palco (o youtube está cheio de boas cenas, mas que apenas esboçam o que é o impacto de ver aquilo ao vivo). E nem quero aqui hoje discorrer (mais uma vez) sobre essa minha relação (de extrema gratidão) com a mulher que ensinou o mundo inteiro que um corpo não é apenas seu contorno, mas também tudo aquilo que ele leva dentro de si. Comecei a falar hoje sobre o que vi ontem por uma razão inesperada que vou explicar agora.
Além dos movimentos estupendos e sedutores, um balé de Pina Basch é conhecido também pela peculiar seleção musical. Cada música que ela escolhe é em si especial, mas, melhor do que as partes, o “todo” é genial. A trilha sonora de cada espetáculo se fortalece pelo cruzamento de sons, pelo contraste entre os ritmos, e pelas associações inesperadas. Com isso em mente, imagine o que Pina não fez com um tema tão rico quanto o Japão…
Não obstante, a certa altura do segundo ato (“Ten chi” tem meras três horas de duração!), durante um número bizarro, em que uma bailarina faz sons com o microfone bem perto da boca sobre uma batida eletrônica, sabe-se lá por que razão, eu me lembre de… “Friday”! Sim, “Friday”, de Rebecca Black! Como assim?
Não perdi tempo com explicações – e, felizmente, logo eu já estava com minha atenção concentrada de novo no palco (especialmente quando ele foi invadido por homens de terno com mais gravatas que um pescoço normal pode comportar, correndo de um lado para o outro, enquanto mulheres, em longos esvoaçantes, gritavam a plenos pulmões simulando saltos em abismos!). Mas hoje de manhã me lembrei dessa “interferência” sonora, e pensei: se “Friday”, quase um mês depois de seu “lançamento”, já está tão enraizada no meu imaginário (e no de populações de países inteiros, já que o vídeo está com quase 90 milhões de acessos no youtube ), será que essa é mesmo “a pior música do mundo”?
Como você que acompanha o universo pop – e este blog – sabe bem, parte do, hum, sucesso, de “Friday” é por puro escárnio. Fonte de inúmeras paródias na própria internet, e assunto de todo tipo de jornal (da MTV à CNN, passando pelo próprio “Fantástico”!), não tenho dúvidas de que boa parte dessa repercussão deve-se à estranha reputação que Rebecca conquistou – involuntariamente: a de ser, na opinião de muitos internautas, jornalistas (já leu o que o “NME” escreveu sobre ela? ), e público em geral, a pior canção de todos os tempos…
Sem querer defender propriamente “dona” Rebecca, mas sim o poder da música pop, pergunto para você: será mesmo? Uma canção que simplesmente não sai da sua cabeça, que inspira humor, que faz você dançar, e que exerce estranho fascínio – ainda que pelos motivos errados – sobre você, é mesmo tão ruim assim?
A partir daí, comecei a remexer meus arquivos musicais para ver se eu mesmo tinha uma candidata melhor ao título. Mas logo vi que isso seria um problema para mim – justamente por eu ter um gosto, digamos, pouco ortodoxo. Leitores frequentes deste espaço sabem da minha admiração por sucessos bem populares, muitas vezes execrados pela crítica musical dita séria – “I want it that way”, do Backstreet Boys, é talvez o exemplo mais fácil. Mas existem outros…
Há anos tento convencer alguns amigos de que um modesto sucesso cantora panamenha Catherine, “No me castiguies” é uma dos mais perfeitos lamentos pop que alguém já gravou – sem sucesso… Outro favorito meu – que, para muitos talvez seja forte candidata à pior música do mundo – é “Pecatore”, do italiano Tonino Caratone . Mas eu seria incapaz de detestar essa “obra-prima”! Já ouviu “The mummy”, de Bob McFadden – uma canção obviamente “de gozação”, onde uma múmia (sim, uma múmia!) tenta convencer as pessoas de que ela não é tão assustadora assim? É terrível! Mas é também tão engraçada, que é impossível chamá-la de “a coisa mais hedionda que alguém já gravou”…
Com tudo isso na cabeça, me pergunto – ou melhor, passo a pergunta para você: qual o segredo de uma música realmente ruim? O que faz de uma canção algo insuportável, a ponto de você nem querer ouvi-la até o final? Qual é o limite de sua paciência musical?
Quero ouvir sua opinião – e não só sobre essas questões mais, hum, filosóficas. Vou propor aqui um concurso às avessas: será que conseguimos eleger “a pior música do mundo”? Será que ela existe?
Enquanto espero sua resposta, se você me permitir, vou me entregar às lembranças das imagens inesquecíveis, que Pina me proporcionou ontem – como a mulher que “nadava no ar”, abraçada pela virilha e pela clavícula por um homem (tente imaginar isso…). E em tantas outras noites mágicas…
O refrão nosso de cada dia
“Juanita Banana”, The Peels – uma pequena balada mexicana, que mistura canto lírico e “surf music” (com direito, claro, a “mariachis”!). E tudo isso em 1966! Você que já conhece bem este espaço, sabe que a música indicada aqui não tem necessariamente a ver com o tema discutido acima. Mas, no caso de hoje, se você quiser indicar “Juanita Banana” como uma das piores canções do mundo, tudo bem. Eu, claro, me reservo o direito de discordar…Como criar humor, fazer amigos, e influenciar pessoas
seg, 04/04/11
por Zeca Camargo |
Há alguns meses, recebi um email de uma colega jornalista com um link para um esquete de Rafinha Bastos genial – ainda que não exatamente original. Baseado num trabalho do jornalista (e humorista) britânico Charlie Brooker – devidamente creditado no final do vídeo brasileiro – ele mostra como se faz uma reportagem na televisão. É uma engraçadíssima “receita” de uma embalagem surrada e conhecida por todos os telespectadores – e, embora hoje seja possível (e desejável) fugir desse modelo, os clichês que os Rafinha e trupe incorporam ainda podem ser testemunhados no dia-a-dia (e, de certa maneira, acabam involuntariamente inspirando, mesmo jornalistas como eu, a pensar de maneira diferente).
Pela data de “upload”, vi que o vídeo de Rafinha circulava pela internet há mais de um ano – o que, claro, me coloca na retaguarda dos mais “antenados”, pelo menos no que se refere a humor de internet. No entanto, a piada não tinha envelhecido – longe disso, parecia “preocupantemente” atual, uma vez que certos clichês custam a desaparecer… É um humor inteligente (crédito de Brooker) e muito bem contado (crédito de Rafinha). Só de não tentar humilhar uma celebridade, não usar nudez ou palavrões, e convidar o público a pensar sobre seu cotidiano, já ganhou um ponto comigo por originalidade. Mas justamente porque o humor contemporâneo parece se apoiar neste tripé que acabei e citar, a piada é também quase fácil.
Sem muito esforço, por exemplo, eu poderia virar o jogo e imaginar (mas jamais atuar, devido à pobreza de meus dons interpretativos) um esquete chamado “Manual de piada” – e que começaria assim: “Preste atenção que o que você vai ver agora é um manual para qualquer pessoa achar que é engraçada e vai ganhar um programa fazendo o que um dia já foi uma piada original”. O vídeo então seguiria instruindo a pessoa a ir com uma fantasia (ou maquiagem, ou aberração visual) até a porta de um evento popular e/ou que vai estar cheio de celebridades. Armado de algumas frases de duplo sentido (sendo um deles sempre o sexual), você deve então abordar quem vem chegando com intimidade, numa primeira tentativa de constrangimento. Se o “entrevistado” passar neste teste, você então insiste com as piadas maliciosas – não se acanhe: abuse dos trocadilhos, inclusive com o nome de quem você está interpelando. No caso de mesmo assim sua “vítima” não demonstrar irritação, parta para o embate corporal, evoluindo da “roçada leve” ao beijo (mas nunca além do “selinho”) – abraços íntimos e puxadas vigorosas, apenas em casos de passividade extrema da pessoa em questão.
Caso tudo isso falhe, olhe para a câmera e dê uma risada – de algo que só você sabe o que é (não precisa nem ser alguma coisa que tenha acontecido, se você for bom e soltar o riso sem vontade). Se, mesmo com todo esse esforço cômico, a cena ainda não parecer engraçada, existe sempre o recurso da edição. Dos efeitos sonoros mais batidos (barulho de soco, mola, ducha d’água, vidro quebrando) às inserções visuais (chifres, caveiras, passarinhos, luvas de boxe, coraçõezinhos), salpique à vontade. Para fechar, faça um comentário supostamente carinhoso sobre a pessoa que você abordou, mostrando que, no fundo, você é um grande admirador dela, e que espera vê-las mais vezes, em outros eventos, para poder repetir a mesma rotina – desculpe, a mesma piada.
Está vendo como é simples fazer você rir?
O problema, justamente, é que fazer humor assim é simples demais. Especialmente nesses tempos, em que todo mundo tem uma ferramenta para mostrar que a sua piada é “a mais engraçada do mundo” – a internet, claro -, estamos quase chegando a um ponto de saturação. E ninguém precisa ser um acadêmico de humor, para concluir que quando todo mundo está contando a mesma piada – oops! Ela já não tem mais graça alguma…
Felizmente, existe sempre talentos que conseguem “dançar fora do quadrado”. O próprio vídeo de Rafinha Bastos, que citei no início do post de hoje – e mais uma boa meia-dúzia de esquetes de sua lavra que também são “hits” no youtube – são um bom argumento a favor dos que querem pensar em humor “moderno” de maneira diferente.
Por que usei o “moderno” na última frase? Ora, porque a forma mais tradicional de humor vai muito bem, obrigado. Falo, claro, de um formato de “sitcom”, mais ligado à dramaturgia, que, apesar de ter sido inúmeras vezes declarado como “morto e sepultado”, dá provas de que ainda têm muito fôlego – para tirar o nosso fôlego, de tanto rir. E aí o exemplos são vários, dos recentes casos de sucesso da TV americana, como “30 Rock” e “Modern family”, passando mesmo por “Glee”, ao melhor da nossa produção nacional, como o perenemente favorito “A grande família”, ou o recém-estreado – e com um excelente “timing” de humor – “Batendo ponto”.
Mas a internet praticamente nos obrigou a descobrir novas maneiras de contar piadas – e aí, nessa nova “conquista do Oeste”, é inegável que tem gente, como Rafinha, que já saiu na frente. Aliás, deve ter muito mais gente como ele, com bons esquetes embaláveis num formato que se encaixe perfeitamente no youtube que eu ainda desconheço (se você tiver algum esquete, algum novo nome de humor para me sugerir, estou aguardando seu comentário – com o respectivo link!). Mas entre tantas descobertas tardias que ando fazendo nesta área, duas me chamaram mais a atenção.
Ou melhor, duas me fizeram rir mais do que todas.
A primeira é quase uma tese sobre “meta humor” na internet – um site chamado Found Footage Festival (mal traduzindo, “Festival de filmagens encontradas”). Desde 2004, dois americanos, Joe Pickett e Nick Prueher, começaram a colecionar “relíquias” da “época do ouro do VHS” – um formato de reprodução de vídeos muito popular na época de seus pais (ou talvez seus avós…). Se você fizer um esforço de regressão e visualizar os anos 80, vale a pena lembrar que foi nessa época que as pessoas se sentiram, pela primeira vez, capazes de dirigir seus próprios filmes: o material era relativamente barato, o manuseio simples, e a reprodução era facilitada – bastava só você ter uma grande idéia! E esse, claro, era o problema.
O que Pickett e Prueher juntaram na sua coleção – agora disponibilizada nesse site – são os momentos mais bizarros desse breve flerte entre a ingenuidade e a tecnologia: registros tão absurdos que, ao conferir os vídeos do FFF (como o site é mais conhecido) a pergunta que não sai da sua cabeça é “como alguém teve coragem de fazer isso?”… O resultado, adivinhe, é um riso incontrolável, por conta de uma mistura de anacronismo, excesso de auto-confiança, e pura esquisitice.
A outra boa surpresa é daqui mesmo, do Brasil: um jornal virtual que só publica notícias absurdas, chamado “Sensacionalista” . Descaradamente inspirado na já clássica publicação americana “The Onion” , ele brinca com notícias do nosso dia-a-dia, distorcendo as informações apenas o suficiente para criar uma estranheza a quem lê – e, com isso, provocar o riso. O tom do texto é sério – de reportagem mesmo. Mas o conteúdo é delirante.
O acervo é enorme – e divertidíssimo. Tenho certeza de que você vai fazer sua própria seleção ao visitar o FFF – e ficar totalmente dependente das atualizações do site para sobreviver. Mas, para uma breve introdução, listo aqui alguns dos meus favoritos. Como o “filme” que Arnold Scharzenegger (então ator pouco conhecido) veio fazer no Rio de Janeiro durante o que parece ser, pela roupa de suas “acompanhantes”, o início dos anos 80 – com impagáveis diálogos bilingues. Ou o vídeo de adestramente de gatos – sim, adestramento de gatos – mais surreal que você jamais vai ver. Tem ainda um “musical” que mostra o cotidiano do Papai Noel quando não está trabalhando no Natal – juro que não estou inventando isso! E, talvez o mais inexplicável de todos: um vídeo de um programa que um dia já foi ao ar em um canal de acesso público nos Estados Unidos, que consiste basicamente em um senhor vestido apenas com uma sunga estampada com a bandeira americana, dançando para um semicírculo de pessoas da sua idade – assistindo, ora incrédulas ora indiferentes, ao bizarro espetáculo. Se você sobreviver a esses vídeos, não pare: as possibilidades de se divertir são inúmeras no FFF.
Veja a manchete de hoje, por exemplo, do dia em que estou publicando este post: “NASA vai lançar foguetes a partir de bueiros do Rio”. A “notícia” é, obviamente, calcada em cima de uma explosão real que aconteceu no bairro carioca de Copacabana, na última sexta-feira. Mas o que faz o texto do “Sensacionalista” ser tão engraçado é a associação absurda dos fatos – NASA, foguetes, bueiros, Rio.
É assim com quase todas as “notícias” que eles publicam – com uma “taxa de acerto” (o nada científico índice de coisas que eles escrevem e que, de fato, fazem você rir) de 90%. E, o melhor, sem nunca apelar para a muleta da baixaria – nem fazer inimigos. Só para ilustrar: a coisa mais fácil, há meses, é fazer piada com Geisy Arruda – a estudante que foi achincalhada por usar um vestido curto demais em sala de aula, no final de 2009. Gracinhas de duplo sentido, ou degradantes, sobre ela existem aos montes. A saída do “Sensacionalista”? Veja a “elegância” da manchete: “Falta de notícias sobre Geisy Arruda faz polícia invadir sua casa: ‘Pensamos que estivesse morta’ ” !
Os leitores da minha geração, que frequentavam as praias cariocas nos meados dos anos 80 e se lembram, com saudade, de um jornalzinho meio chinfrim – porém estupidamente divertido – chamado “O Planeta Diário” (sim, que depois evoluiu para o império do humor chamado “Casseta & Planeta”), têm direito a achar que já ouviu essas piadas antes. Mas, assim como o antigo “Planeta” – feito por um time de humoristas tão brilhante que entrou para o imaginário do brasileiro -, o “Sensacionalista” renova o frescor de algo que, por pura preguiça (nossa, dos ouvintes), esquecemos que ela existe: a arte de contar piadas!
E já que estamos neste astral, deixo você hoje com uma das coisas mais sensacionais – e engraçadas – que vi nos últimos dias (e acredite, com o inevitável mau humor que vem junto com a dieta que estou fazendo, tudo que tenho procurado é coisas que me façam rir). É o encerramento, na última sexta-feira (01 de abril) de um dos melhores “talk shows” da TV americana, “Late Night with Jimmy Fallon” – Rafinha Bastos assiste, tenho certeza… Numa espécie de apoteose musical, ele termina seu show convidando o humorista Stephen Colbert (uma espécie de “deus” do humor americano) para cantar uma versão de “Friday” – sim, Rebecca Black (atualmente com mais de 82 milhões de acessos no youtube) -, junto com uma banda venerada de hip-hop chamada The Roots. Se, como acontece comigo, só a ideia de colocar todas essas coisas juntas já tira você do sério, prepare-se para um choque: este vídeo vai iluminar sua semana!
Pela data de “upload”, vi que o vídeo de Rafinha circulava pela internet há mais de um ano – o que, claro, me coloca na retaguarda dos mais “antenados”, pelo menos no que se refere a humor de internet. No entanto, a piada não tinha envelhecido – longe disso, parecia “preocupantemente” atual, uma vez que certos clichês custam a desaparecer… É um humor inteligente (crédito de Brooker) e muito bem contado (crédito de Rafinha). Só de não tentar humilhar uma celebridade, não usar nudez ou palavrões, e convidar o público a pensar sobre seu cotidiano, já ganhou um ponto comigo por originalidade. Mas justamente porque o humor contemporâneo parece se apoiar neste tripé que acabei e citar, a piada é também quase fácil.
Sem muito esforço, por exemplo, eu poderia virar o jogo e imaginar (mas jamais atuar, devido à pobreza de meus dons interpretativos) um esquete chamado “Manual de piada” – e que começaria assim: “Preste atenção que o que você vai ver agora é um manual para qualquer pessoa achar que é engraçada e vai ganhar um programa fazendo o que um dia já foi uma piada original”. O vídeo então seguiria instruindo a pessoa a ir com uma fantasia (ou maquiagem, ou aberração visual) até a porta de um evento popular e/ou que vai estar cheio de celebridades. Armado de algumas frases de duplo sentido (sendo um deles sempre o sexual), você deve então abordar quem vem chegando com intimidade, numa primeira tentativa de constrangimento. Se o “entrevistado” passar neste teste, você então insiste com as piadas maliciosas – não se acanhe: abuse dos trocadilhos, inclusive com o nome de quem você está interpelando. No caso de mesmo assim sua “vítima” não demonstrar irritação, parta para o embate corporal, evoluindo da “roçada leve” ao beijo (mas nunca além do “selinho”) – abraços íntimos e puxadas vigorosas, apenas em casos de passividade extrema da pessoa em questão.
Caso tudo isso falhe, olhe para a câmera e dê uma risada – de algo que só você sabe o que é (não precisa nem ser alguma coisa que tenha acontecido, se você for bom e soltar o riso sem vontade). Se, mesmo com todo esse esforço cômico, a cena ainda não parecer engraçada, existe sempre o recurso da edição. Dos efeitos sonoros mais batidos (barulho de soco, mola, ducha d’água, vidro quebrando) às inserções visuais (chifres, caveiras, passarinhos, luvas de boxe, coraçõezinhos), salpique à vontade. Para fechar, faça um comentário supostamente carinhoso sobre a pessoa que você abordou, mostrando que, no fundo, você é um grande admirador dela, e que espera vê-las mais vezes, em outros eventos, para poder repetir a mesma rotina – desculpe, a mesma piada.
Está vendo como é simples fazer você rir?
O problema, justamente, é que fazer humor assim é simples demais. Especialmente nesses tempos, em que todo mundo tem uma ferramenta para mostrar que a sua piada é “a mais engraçada do mundo” – a internet, claro -, estamos quase chegando a um ponto de saturação. E ninguém precisa ser um acadêmico de humor, para concluir que quando todo mundo está contando a mesma piada – oops! Ela já não tem mais graça alguma…
Felizmente, existe sempre talentos que conseguem “dançar fora do quadrado”. O próprio vídeo de Rafinha Bastos, que citei no início do post de hoje – e mais uma boa meia-dúzia de esquetes de sua lavra que também são “hits” no youtube – são um bom argumento a favor dos que querem pensar em humor “moderno” de maneira diferente.
Por que usei o “moderno” na última frase? Ora, porque a forma mais tradicional de humor vai muito bem, obrigado. Falo, claro, de um formato de “sitcom”, mais ligado à dramaturgia, que, apesar de ter sido inúmeras vezes declarado como “morto e sepultado”, dá provas de que ainda têm muito fôlego – para tirar o nosso fôlego, de tanto rir. E aí o exemplos são vários, dos recentes casos de sucesso da TV americana, como “30 Rock” e “Modern family”, passando mesmo por “Glee”, ao melhor da nossa produção nacional, como o perenemente favorito “A grande família”, ou o recém-estreado – e com um excelente “timing” de humor – “Batendo ponto”.
Mas a internet praticamente nos obrigou a descobrir novas maneiras de contar piadas – e aí, nessa nova “conquista do Oeste”, é inegável que tem gente, como Rafinha, que já saiu na frente. Aliás, deve ter muito mais gente como ele, com bons esquetes embaláveis num formato que se encaixe perfeitamente no youtube que eu ainda desconheço (se você tiver algum esquete, algum novo nome de humor para me sugerir, estou aguardando seu comentário – com o respectivo link!). Mas entre tantas descobertas tardias que ando fazendo nesta área, duas me chamaram mais a atenção.
Ou melhor, duas me fizeram rir mais do que todas.
A primeira é quase uma tese sobre “meta humor” na internet – um site chamado Found Footage Festival (mal traduzindo, “Festival de filmagens encontradas”). Desde 2004, dois americanos, Joe Pickett e Nick Prueher, começaram a colecionar “relíquias” da “época do ouro do VHS” – um formato de reprodução de vídeos muito popular na época de seus pais (ou talvez seus avós…). Se você fizer um esforço de regressão e visualizar os anos 80, vale a pena lembrar que foi nessa época que as pessoas se sentiram, pela primeira vez, capazes de dirigir seus próprios filmes: o material era relativamente barato, o manuseio simples, e a reprodução era facilitada – bastava só você ter uma grande idéia! E esse, claro, era o problema.
O que Pickett e Prueher juntaram na sua coleção – agora disponibilizada nesse site – são os momentos mais bizarros desse breve flerte entre a ingenuidade e a tecnologia: registros tão absurdos que, ao conferir os vídeos do FFF (como o site é mais conhecido) a pergunta que não sai da sua cabeça é “como alguém teve coragem de fazer isso?”… O resultado, adivinhe, é um riso incontrolável, por conta de uma mistura de anacronismo, excesso de auto-confiança, e pura esquisitice.
A outra boa surpresa é daqui mesmo, do Brasil: um jornal virtual que só publica notícias absurdas, chamado “Sensacionalista” . Descaradamente inspirado na já clássica publicação americana “The Onion” , ele brinca com notícias do nosso dia-a-dia, distorcendo as informações apenas o suficiente para criar uma estranheza a quem lê – e, com isso, provocar o riso. O tom do texto é sério – de reportagem mesmo. Mas o conteúdo é delirante.
O acervo é enorme – e divertidíssimo. Tenho certeza de que você vai fazer sua própria seleção ao visitar o FFF – e ficar totalmente dependente das atualizações do site para sobreviver. Mas, para uma breve introdução, listo aqui alguns dos meus favoritos. Como o “filme” que Arnold Scharzenegger (então ator pouco conhecido) veio fazer no Rio de Janeiro durante o que parece ser, pela roupa de suas “acompanhantes”, o início dos anos 80 – com impagáveis diálogos bilingues. Ou o vídeo de adestramente de gatos – sim, adestramento de gatos – mais surreal que você jamais vai ver. Tem ainda um “musical” que mostra o cotidiano do Papai Noel quando não está trabalhando no Natal – juro que não estou inventando isso! E, talvez o mais inexplicável de todos: um vídeo de um programa que um dia já foi ao ar em um canal de acesso público nos Estados Unidos, que consiste basicamente em um senhor vestido apenas com uma sunga estampada com a bandeira americana, dançando para um semicírculo de pessoas da sua idade – assistindo, ora incrédulas ora indiferentes, ao bizarro espetáculo. Se você sobreviver a esses vídeos, não pare: as possibilidades de se divertir são inúmeras no FFF.
Veja a manchete de hoje, por exemplo, do dia em que estou publicando este post: “NASA vai lançar foguetes a partir de bueiros do Rio”. A “notícia” é, obviamente, calcada em cima de uma explosão real que aconteceu no bairro carioca de Copacabana, na última sexta-feira. Mas o que faz o texto do “Sensacionalista” ser tão engraçado é a associação absurda dos fatos – NASA, foguetes, bueiros, Rio.
É assim com quase todas as “notícias” que eles publicam – com uma “taxa de acerto” (o nada científico índice de coisas que eles escrevem e que, de fato, fazem você rir) de 90%. E, o melhor, sem nunca apelar para a muleta da baixaria – nem fazer inimigos. Só para ilustrar: a coisa mais fácil, há meses, é fazer piada com Geisy Arruda – a estudante que foi achincalhada por usar um vestido curto demais em sala de aula, no final de 2009. Gracinhas de duplo sentido, ou degradantes, sobre ela existem aos montes. A saída do “Sensacionalista”? Veja a “elegância” da manchete: “Falta de notícias sobre Geisy Arruda faz polícia invadir sua casa: ‘Pensamos que estivesse morta’ ” !
Os leitores da minha geração, que frequentavam as praias cariocas nos meados dos anos 80 e se lembram, com saudade, de um jornalzinho meio chinfrim – porém estupidamente divertido – chamado “O Planeta Diário” (sim, que depois evoluiu para o império do humor chamado “Casseta & Planeta”), têm direito a achar que já ouviu essas piadas antes. Mas, assim como o antigo “Planeta” – feito por um time de humoristas tão brilhante que entrou para o imaginário do brasileiro -, o “Sensacionalista” renova o frescor de algo que, por pura preguiça (nossa, dos ouvintes), esquecemos que ela existe: a arte de contar piadas!
E já que estamos neste astral, deixo você hoje com uma das coisas mais sensacionais – e engraçadas – que vi nos últimos dias (e acredite, com o inevitável mau humor que vem junto com a dieta que estou fazendo, tudo que tenho procurado é coisas que me façam rir). É o encerramento, na última sexta-feira (01 de abril) de um dos melhores “talk shows” da TV americana, “Late Night with Jimmy Fallon” – Rafinha Bastos assiste, tenho certeza… Numa espécie de apoteose musical, ele termina seu show convidando o humorista Stephen Colbert (uma espécie de “deus” do humor americano) para cantar uma versão de “Friday” – sim, Rebecca Black (atualmente com mais de 82 milhões de acessos no youtube) -, junto com uma banda venerada de hip-hop chamada The Roots. Se, como acontece comigo, só a ideia de colocar todas essas coisas juntas já tira você do sério, prepare-se para um choque: este vídeo vai iluminar sua semana!
O refrão nosso de cada dia
“Stadsvandringar”, Dungen – quero aproveitar este espaço hoje para agradecer as mais de 200 (por enquanto) sugestões de trilhas sonoras que quem passou por aqui mandou, para me ajudar na inglória atividade de… correr. Descontando algumas escolhas óbvias, boa parte das seleções me surpreendeu pelo ecletismo – que é, como você que me acompanha aqui, o grande credo deste blog. Nenhuma das sugestões, devo confessar, tornou menos penosa a minha missão de correr – que está, com talvez você tenha visto, relacionada ao meu esforço de entrar em forma nos próximos 90 dias. Mas todas elas me inspiraram a ouvir novos sons – e relembrar coisas conhecidas. A sugestão de hoje de um bom refrão surgiu sem querer no meu iPod, justamente enquanto corria no último domingo. Vem da Suécia – e eu não tenho idéia do que essa banda (que é sensacional, e nunca previsível) está dizendo. Mas só sei que eu canto esse corinho junto – e ainda acelero no trajeto da Lagoa…Ajude-me
qui, 31/03/11
por Zeca Camargo |
Preciso de inspiração! Atribulado como estou com um novo projeto de uma reportagem de fôlego, é para você que eu resolvi pedir ajuda.
Explico melhor: como talvez você já saiba, este domingo, no “Fantástico”, estréia uma nova série, na qual eu e minha colega Renata Ceribelli (sob o comando do preparador Márcio Atalla, com a gente, na foto) vamos nos empenhar em mudar nossos hábitos de alimentação e de exercício nos próximos 90 dias. Os detalhes da série, vou deixar para o próprio programa – afinal, este espaço aqui, como você que me acompanha sempre, não é exatamente uma “zona de ‘merchan’ “! Mas o que eu queria sugerir – e é aí que você entra – é um “empurrãozinho” musical, para eu driblar um obstáculo – ou melhor, um dos obstáculos – que já estou encontrando (o primeiro episódio vai ao ar agora, dia 03 de abril, mas as atividades já começaram desde 21 de março!): como não me aborrecer correndo…
Entre tantas atividades física que eu tenho de encarar – sob a tutela de bons profissionais – nenhum, para mim, é mais penoso do que… a corrida! Eu acho chatíssimo! Meu problema não é com exercício aeróbio não (se você é do tempo em que esse tipo de atividade se chamava “aeróbica”, toque aqui – e me ajude a entender o que mudou!). Posso ficar literalmente horas numa piscina, nadando. Bicicleta é um pouco menos penoso, mas suportável. E eu queria erguer uma estátua em homenagem ao criador de um aparelho que se chama “transport”! Mas só correr… é uma tortura!
Logo que soube que teria de incluir isso nos treinos, decretei: esteira, jamais! A perspectiva de ficar minutos a fio correndo no mesmo lugar era das mais nefastas. O acordo que fiz, então, foi abusar das outras atividades aeróbias. Mas, como nem assim fui liberado da corrida, acertei que teria de ser sempre ao ar livre – algo que, para quem passa boa parte da semana no Rio de Janeiro é relativamente fácil.
Porém… nem assim, a corrida se tornou menos incômoda. Como ainda tenho várias semanas pela frente, achei que tinha de encontrar uma saída – e foi aí que pensei em você!
Para me convencer de sair correndo, mesmo ao ar livre, eu tenho de fazer um pequeno “ajuste mental”. Eu digo para mim mesmo: vou ouvir música no meu iPod pelos próximos 30 minutos… e já que eu estou ouvindo música nessa paisagem tão bonita, acho que eu poderia… correr! E é assim que tem sido nas últimas tentativas.
Ocorre que eu não gosto de monotonia – e mesmo as minhas seleções variadas, uma hora chegam ao seu limite. Percebeu onde você entra? Dando uma sugestão de trilhas sonoras para eu correr! Isso mesmo: quero que você me ajude a montar uma trilha inspiradora, que tenha a ver com esse tipo de exercício que eu tanto “adoro”…
Não precisa ser muito longa não. Corro cerca de 25 minutos todo dia. Isso dá mais ou menos cinco, seis, ou sete músicas. Que músicas seriam essas? Note que nem todos os sons combinam com a corrida! O que eu queria era que você pensasse no exercício, na minha dificuldade, e, com o poder da música, me ajudasse a tornar essa atividade um pouco mais agradável. Pode ser?
Como sempre, quanto mais surpreendente a sua lista, melhor – quanto mais variada, mais eu vou me distrair… e logo passo para outra coisa! Então vamos lá – estou esperando a sua sugestão. E também qualquer outro comentário sobre essa empreitada. Só me poupe de piadas na linha “se você quer emagrecer deveria voltar a fazer dança do ventre”… Eu mesmo achei engraçado – da primeira vez que eu ouvi! Não passe esse recibo de falta de originalidade – falo mais para o seu bem…
E agora, com licença, que eu vou para meus “training”, com a seguinte seleção musical:
- “Tour de France”, Kraftwerk
- “Fool’s gold”, Stone Roses
- “Elements”, Lemonjelly
- “Black math”, The White Stripes
- “Baby said”, Hot Chip
- “Everything you wanted”, Kele
- “Perpetum mobile”, Penguin Café Orchestra
Mais uma vez, ajude-me!
O refrão nosso de cada dia
“Save me”, Aimee Mann – independente de qualquer trilha que você me sugerir para eu correr, essa é sempre a música que eu quero ouvir para descansar depois… Escute e entenderás…
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