Avaliação: NOTA 9



Interessante notar como a estrutura inicial de “Thor” é semelhante à do primeiro “Homem de Ferro”. Temos uma cena com o herói-título em perigo, um flashback de como ele foi parar naquela situação, volta para o momento inicial do filme e avançamos na história heróica do longa. No entanto, é apenas esse detalhe de montagem (e certos personagens) que esta nova produção da Marvel Studios divide com a fita do Vingador Dourado.

A escolha de Kenneth Branagh para a direção do filme, baseado no personagem criado por Stan Lee, Jack Kirby e Larry Lieber, surpreendeu muita gente quando foi anunciada. No entanto, considerando o que foi mostrado na tela, não podia ser mais acertada. O roteiro é extremamente shakespeariano, com uma disputa familiar bem no estilo do velho bardo. O resultado da mistura desse elemento, tão familiar ao diretor, à formula de um blockbuster de férias não poderia ter sido mais feliz.

Aqui, Thor (Chris Hemsworth) nos é apresentado como um orgulhoso guerreiro e o próximo na linha de sucessão do trono de Asgard, lar de uma raça outrora adorada pelos humanos como deuses. Seu pai, Odin (Anthony Hopkins), está prestes a cair em um sono regenerativo e coroá-lo rei. No entanto, a invasão de um antigo inimigo e a precipitação do imaturo príncipe diante de tal fato acabam levando Odin a ter de banir o seu filho para a Terra e extirpá-lo de seus poderes.

No reino humano, um perdido Thor acaba sendo encontrado pela Dra. Jane Foster (Natalie Portman), uma astrofísica em busca de respostas em relação a uma série de fenômenos que vêm ocorrendo no Novo México. Enquanto isso, o irmão do herói-título, o malicioso Loki (Tom Hiddleston) assume o trono de Asgard, com intenções que podem significar o fim de uma raça inteira.

Ao contrário de “Homem de Ferro”, cujas atenções se voltavam quase que exclusivamente para Tony Stark, aqui temos um longa que privilegia todo o seu elenco, atentando principalmente para o que é o pilar dramático da produção: o complexo relacionamento entre Odin, Thor e Loki. Deste modo, os atores têm um prato cheio com o que trabalhar, com destaque para Tom Hiddleston, que faz do “deus da trapaça” o antagonista mais interessante de todos os filmes da Marvel Studios até aqui, adicionando uma complexidade ao personagem que faltava aos inimigos dos heróis anteriormente mostrados.

Enquanto Anthony Hopkins empresta sua credibilidade e imponência a Odin, temperando-a com uma farta dose de sabedoria e amor para com seus filhos, Chris Hemsworth dá um show com o seu Thor, retratando bem o guerreiro em sua jornada de arrogante narcisista a um futuro monarca. Hemsworth tem um porte heróico e sabe se portar em tela, algo essencial para protagonizar um projeto grandioso.

É uma pena que o romance entre Thor e Jane Foster seja um tanto quanto apressado, mas quem não se apaixonaria quase que a primeira vista por Natalie Portman, não é? A atriz recém-oscarizada encanta em tela, dando mais profundidade a Jane do que em anos de histórias da personagem nos quadrinhos e exige uma boa química entre ela e seu par, mas seria positivo ter visto mais dos dois na trama.

O elenco coadjuvante também está ótimo. O sueco Stellan Skarsgård nos mostra um calmo e paternal Dr. Selvig, destaque dentre os aliados humanos do Deus do Trovão. A jovem Kat Dennings exagera um pouco nas gracinhas como Darcy, assistente de Jane, mas não compromete. Clark Gregg retorna ao universo Marvel como o Agente Phil Coulson, nos lembrando da presença constante da SHIELD junto aos heróis daquele mundo.

Já em Asgard, Ray Stevenson, Tadanobu Asano e Josh Dallas nos divertem como os Três Guerreiros e Jaimie Alexander empresta sua beleza à leal Lady Sif. Idris Elba, cuja escalação para viver o guardião Heimdall foi alvo de polêmica, se mostrou mais do que adequado no papel do defensor da Ponte Arco-íris, com uma presença deveras intimidadora. Infelizmente, Rene Russo, no papel da mãe de Thor e Loki, praticamente entra muda e sai calada. Considerando o conflito entre seus filhos, seria interessante tê-la visto mais em cena.

Kenneth Branagh impõe um bom ritmo ao filme, algo complicado considerando as narrativas em paralelo. Alguns momentos ficam um tanto “apressados” em cena, mas nada desastroso. Além disso, o cineasta soube como conduzir bem as cenas de ação, algo surpreendente, tendo em vista que esta foi a sua primeira empreitada nesse nível.

O que causou um pouco de estranheza foi o posicionamento da câmera em algumas cenas, com um enquadramento um tanto tombado. O cineasta utilizara enquadramentos mais estilizados em seu subestimado “Frankenstein de Mary Shelley”, mas aquilo condizia com o pendor teatral daquele longa. Em “Thor”, tal opção parece despropositada em vários momentos da projeção. A direção de arte da película emula muito bem os designs feitos por Kirby nos anos 1960, modernizando tais conceitos visuais. Uma bela homenagem ao “Rei”.

Efeitos especiais de qualidade (ainda que tropecem em alguns momentos) e uma trilha sonora poderosa completam o pacote, ainda recheado com referências ao Universo Marvel, incluindo uma aparição de um futuro membro dos Vingadores, que farão os fãs especularem por horas sobre o que virá a seguir (e pelo amor de Odin, não saia da sala até o fim dos créditos! Se acenderem as luzes, trate de ir reclamar imediatamente com a gerência do cinema). A despeito de alguns escorregões bastante pontuais, “Thor” é um poderoso acerto neste promissor universo cinematográfico.
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Thiago Siqueira
é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.