Conpresp abre processo de tombamento do Belas Artes
Proprietário diz que o aluguel do cinema está fora do valor de mercado
GUSTAVO FIORATTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Após duas horas de reunião, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental de São Paulo (Conpresp) deliberou ontem pela abertura do processo de tombamento do Cine Belas Artes, um dos cinemas mais antigos de São Paulo.
Com a decisão, o tombamento ainda não é definitivo. Segundo o presidente do conselho, José Eduardo de Assis Lefèvre, a partir de hoje o órgão da prefeitura tem 90 dias para a instrução do processo. "Até lá, os elementos serão trazidos para um exame", diz. "Nesse prazo, todos os interessados poderão apresentar suas razões e também serão feitos diálogos com os proprietários."
Isso significa que o cinema, que funciona desde 1943 na esquina da avenida Paulista com a avenida Consolação, ainda corre o risco de ter suas portas fechadas. O proprietário do imóvel onde a sala funciona, Flávio Maluf, em dezembro, pediu, por meio de notificação judicial, para que o dono do cinema, André Sturm, devolva o edifício até fevereiro.
Além dos nove integrantes do conselho, dois advogados de Maluf fizeram uma rápida participação na reunião. Segundo Lefèvre, o locador considera a possibilidade de renovar contrato com o Cine Belas Artes, sob a condição de o aluguel se adequar ao valor de mercado.
Segundo André Sturm, o proprietário já havia acordado novo valor de aluguel, que subiria de cerca de R$ 52 mil para R$ 65 mil. "Nós dissemos que toparíamos pagar esse valor. E mesmo assim, alguns dias depois, ele pediu o prédio de volta, dizendo que havia recebido uma oferta maior", diz Sturm.
Os representantes de Maluf não quiseram fazer declarações a respeito do assunto.
NOVO PATROCÍNIO
Não é a primeira vez que o Cine Belas Artes passa por uma crise. Quando Sturm assumiu sua administração, em 2002, seu antigos proprietários haviam considerado que o negócio era comercialmente inviável.
A diferença é que agora o Cine Belas Artes consegue se manter com patrocínios de grandes empresas. Desde 2003, até março de 2010, o HSBC bancou a manutenção de uma programação eclética, que exibia tanto filmes de arte como comerciais.
Uma das marcas do Cine Belas Artes era o "Noitão", sessões realizadas nas madrugadas de sexta-feira que chegaram a reunir até mil espectadores. Segundo estimativa da própria administração do cinema, em 2010, o público mensal de suas salas flutuava entre 25 mil e 28 mil pessoas.
Em 2010, a cidade se mobilizou para salvar o Belas Artes. Diversas manifestações e abaixo-assinados resultaram em um novo patrocínio para o cinema.
Sturm afirma que a empresa interessada em bancar o cinema ainda está disposta a fechar acordo. "O problema é que não podemos assinar a parceria até termos certeza de que ficaremos naquele endereço", diz.
ANÁLISE
Tombamento não pode garantir a continuidade do cinema
DECISÃO RECONHECE VALOR QUE A SOCIEDADE ATRIBUIU AO CINEMA, MAS DEIXA PERGUNTA NO AR: O TOMBAMENTO SERÁ MESMO CAPAZ DE SALVARO BELAS ARTES?
ANA PAULA SOUSA
DE SÃO PAULO
O Conpresp, com sua decisão, pontuou, em primeiro lugar, que o valor que a sociedade atribuiu ao cine Belas Artes não pode ser desconsiderado pelo poder público.
Os conselheiros seguiram mais ou menos a seguinte lógica: se esse cinema tem tanta importância assim para a cidade, ele não pode, simplesmente, ser destruído.
Com isso, ficou afastado do horizonte o risco de destruição imediata do espaço. Mas a pergunta que fica é: essa decisão será mesmo capaz de salvar o Belas Artes?
Mesmo dentro da prefeitura, admite-se que o tombamento não é, nesse caso, a medida ideal.
O procedimento foi defendido pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP) porque a sociedade protocolou pedidos formais na secretaria de Cultura, mas também por ser essa a única solução emergencial às mãos do poder público. A desapropriação do edifício, defendida por alguns arquitetos, é, não apenas cara, mas demorada.
DESTINO IMPREVISÍVEL
O que não se pode prever é o desenrolar do cabo de guerra entre os proprietários do imóvel e do cinema.
Se houver um novo acordo de aluguel, o filme deve ter um final feliz. Se o negócio continuar desfeito, o prédio na esquina da avenida Paulista com a rua da Consolação pode, simplesmente, ficar com as portas cerradas.
O Estado, afinal de contas, não pode obrigar o proprietário do imóvel a tocar ali a atividade cinematográfica.
O tombamento garante a estrutura física do bem, mas se Flávio Maluf quiser manter as luzes do Belas Artes apagadas, ninguém poderá obrigá-lo a acendê-las.
Cabe lembrar que a cidade de São Paulo possui, na região central, sete cinemas tombados: Cine Art Palácio, Cine Dom José, Ipiranga, Marabá, Marrocos, Metrópolis e Paissandu. Todos eles foram considerados patrimônio da cidade no processo de tombamento da área do Vale do Anhangabaú, em 1992.
Quase 20 anos depois, o único que voltou a funcionar como cinema foi o Marabá, transformado em Multiplex. Os outros estão fechados.
O Ipiranga e o Marrocos já foram decretados como bens de utilidade pública e a secretaria de Cultura tem projetos prontos para ambos.
Se a história ensina que o tombamento, por si, não basta, o episódio mostra que São Paulo, tradicionalmente desapegada de sua feição antiga, desenvolveu um instinto de preservação patrimonial e cultural. Além de um espaço que resistiu ao tempo, os paulistanos parecem ter decido manter um espaço que resistiu à mesmice cultural.
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