quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Entrevista RS: Marcelo D2



O rapper carioca assume o samba em grande estilo, homenageando o mestre e parceiro Bezerra da Silva em novo disco solo



A carreira solo de Marcelo Maldonado Peixoto está entre as mais bem sucedidas do país. Depois de cinco discos azeitando a mistura de rap com samba, ele se entrega de corpo, alma e voz ao mais brasileiro dos ritmos, homenageando um de seus mestres, Bezerra da Silva, em um disco só de sambas de verdade - sem rimas, scratches, samples ou batidas eletrônicas. Criticado por grande parte da cena hip-hop, se diz excluído pela imprensa de São Paulo, cidade que concentra seu maior número de fãs. Marcelo D2 não é Zagalo, mas sentencia: "Eles têm de me engolir!", correndo à margem das críticas e deslizando suave pelo caminho do sucesso que escolheu lá atrás, antes de fazer parte do hoje quase lendário Planet Hemp, "uma banda tensa", segundo o seu mais famoso integrante. É um D2 tranquilo, alguns casamentos nas costas, quatro filhos e 42 anos, que abre a porta do quarto de hotel, no bairro paulistano dos Jardins, pausando o videogame. Cervejas depois, ele está à vontade para falar de drogas, Bezerra da Silva, a volta do Planet Hemp, as diferenças entre rap e samba, a confusão com os Racionais, as eleições e os sonhos que ainda pretende realizar.



Você já realizou seus sonhos?

Meus sonhos de quê?


Aqueles que você tinha antes de fazer sucesso.

Os sonhos que eu tinha, sim. Mas eu tenho outros, né, cara? Eu sou um sonhador fodido. Sonho acordado direto, sabe qual é? Minha vida é um sonho legal mesmo... Sei lá, cara, meus sonhos são outros agora. O que era pra mim antigamente, hoje eu sonho mais pros meus filhos, tá ligado? Agora em fevereiro, por exemplo, vou com a família toda pra Los Angeles, pra morar uns dois anos lá. Vai eu, minha mulher, nossos dois filhos, o Luca e a Maria Joana, e o meu filho mais velho, o Stephan. Lógico, eu tô indo pra fazer um disco de rap lá, cantar com os caras de lá, mas, porra, tô indo mais por eles, sabe qual é? Pra eles estudarem inglês. O Stephan tá começando a fazer som, tem banda e tal, vai estudar engenharia de som, tá ligado?


Ele está com quantos anos?

18.


E as conversas sobre drogas já rolaram?

Já, cara, mas o Stephan é sossegado.

Ele fuma erva?

Maconha ele fuma, cara. Tá com 18 anos, não dá nem pra proibir mais. E quer saber, cara? Não tenho muita preocupação com isso, não. O Stephan é um moleque muito com a cabeça no lugar, tranquilão pra caralho. Só não gosta de estudar, mas isso é normal. Ele repetiu o ano passado.



E álcool ou cocaína?

Eu falo pra ele: "Se quiser experimentar, cara, é comigo. Cuidado aí! Vai cheirar não sabe o quê, pó vagabundo, essas coisas". Mas é o tipo de coisa, cara, o moleque tem 18 anos, tem a galera dele, não é uma coisa muito que o pai... Só fico ali do lado, vendo o que tá acontecendo, com quem que ele tá andando. O Stephan é mesmo muito sossegado, tipo: "Tá tranquilo, pai. Você acha que eu vou cheirar essa merda?"




Você já foi o usuário de maconha mais notório do país. Como lidar com isso perante os seus filhos?

Primeiro que meus filhos mais novos nem sabem disso, né, cara? Não pegaram essa época.



Quantos anos eles têm?

A Lourdes tem 11 anos; o Luca, 9; e a Maria Joana, 5. Eu não sou o tipo de pai que proíbo as paradas, sacou? Com os mais novos é lógico que imponho coisas, limites. Mas com o Stephan eu não vou proibir nada. Sento com ele e converso. Este ano falei: "Ó, tu repetiu, era pra ter terminado o ano passado e tu repetiu. Não vou ficar pagando R$ 30 mil, R$ 20 mil de escola por ano pra tu repetir, tá ligado? Agora, acaba essa porra! Vai pra uma escola mais barata, um supletivo, de dia, acaba essa porra logo, meu irmão, e aí vê o que tu quer fazer da tua vida. Quer ser músico? Então vamos investir nisso".




Como surgiu a ideia do disco em homenagem ao Bezerra da Silva, com sambas que ele gravou?

Quando ele morreu, cheguei no velório e o Zeca [Pagodinho] tava lá, sentado com a cervejinha aberta. O caixão ali, o Zeca sentado perto, lá no [teatro] Carlos Gomes. Eu cheguei sozinho, às 10 da manhã, com o olho cheio de lágrima, e o Zeca: "Ô, D2! Ta chorando? Tá maluco, rapaz? Em enterro de sambista a gente não chora, não! Em enterro de sambista a gente comemora! Senta aí e pega um copo, parceiro!" Peguei um copo e começamos a beber. Porra, aí chegou o Dicró contando história: "Esse é um 171 mesmo! Morreu em 17 de janeiro, 17 do 1!" [risos] Aí chega não sei quem, chega outro, e mais outro, e daqui a pouco tava a maior galera, a gente conversando, contando história do Bezerra. A gente chorava de rir. E no velório mesmo veio esse papo, tá ligado? "A gente tinha que fazer uma coisa pro Bezerra", não lembro exatamente quem falou. "Porra, o Marcelo é quem tinha que fazer o disco. Todo mundo já gravou pra caralho com o Bezerra, todo mundo conhece o Bezerra há muito tempo. Marcelo era o amigo mais novo dele. Tu tinha que fazer o disco!" Saí de lá, cara, sem sacanagem, às 7 da noite, bêbado, exausto. Fui pra casa, dormi e sonhei com ele pra caralho. Sonhei que a gente tava no palco.



E você abraçou essa ideia na hora?

No dia seguinte, eu acordei, peguei todos os meus vinis dele e fiquei ouvindo. Fiz uma lista das músicas que eu queria gravar dele. Fiquei amarradão, mas também fiquei meio com medo. Nunca tinha feito um disco cantando e tal. Mas aí, cara, fiquei meio que esperando. Pensei: "Vai chegar a hora", tá ligado? Porque com todos os meus discos e todos os meus projetos é e sempre foi assim. Tinha uma música que quase ninguém conhece, e que eu sempre gostei e dizia para ele: "Essa música foi feita pra mim, não foi feita pra você, não, Bezerra" - [cantando] "...partideiro indigesto, sem nó na garganta / Defensor do samba verdadeiro que nasce no morro, fonte de inspiração / É, eu sou assim, sem papa na língua meu bom camarada, não soucaôcaô,nemconversafiada/Etambémnãogostode acaguetação / Sei que na minha ausência os invejosos me malham sem pena e sem dó / Eles dizem até que eu fumo maconha, que ando com a venta entupida de pó". [risos] É de um disco bem antigo dele. Foi a primeira música dele que eu pensei em gravar.



Foi difícil para você, que faz rap, cantar samba?

Foi tranquilo gravar a voz, sabia? Mas fiquei um pouco nervoso. Me deu uma rouquidão, cara, que eu nunca tive na minha vida. Nunca fiquei rouco três dias seguidos.



Insegurança, talvez?

Acho que foi um nervosismo, uma energia estranha. Gravei quatro músicas num dia e fiquei tão nervoso, cara, que no dia seguinte não consegui gravar nenhuma.



Ficou de fora algum clássico do Bezerra?

Porra,cara,o Bezerra tem clássico pra caralho![risos]. Tem neguinho que falou: "Porra, tu não colocou 'Zé Fofinho de Ogun'?" Tem uma que ele diz: [canta] "Se quiser cafungar ou dá dois vai na sacristia com o sacristão", essa também não gravei. Vou te falar: eu fugi um pouco das músicas de pó, cara. Eu não queria cantar "Cocada Boa".



Por quê?

Ah, cara, eu tô meio de saco cheio de pó. Não sou contra ninguém nem contra nada. Se quiser cheirar aí pode cheirar, tá ligado? E não vou nem falar que eu parei totalmente, que nunca mais. Mas é que agora eu não gosto mais dessa balada, todo mundo falando pra caralho, cada um falando de si e ninguém se entendendo, a mesma coisa a noite inteira. Aí falei: "Aaaaah, não vou gravar essa, não!" Pó antes era uma parada mais yuppie, festa de rico, depois era mais normal e hoje tem pó de 5 [reais], porra! Era uma coisa mais escondida, tá ligado? Hoje é t odo mundo no banheiro. Mas aí o Leandro [Sapucahy, cantor, compositor e produtor do disco]encheua porra do saco pra gravar "Cocada Boa". Eu gravei a voz dessa meio na má vontade. Aí, quando a gente acabou, o Leandro falou: "Beleza, essa daqui tá boa. Agora, faz com vontade que ela entra no disco" [riso,/i>].


Como você conheceu o Bezerra da Silva?

Conheci a obra do Bezerra muito cedo. Lembro que lá em casa tocava muito Bezerra da Silva, tá ligado? Era no meu quintal. Meu pai, principalmente, ouvia muito com os amigos. Era mais coisa de homem. A minha família morava em casa, com quintal e tal, e, antigamente, não existia essa parada de churrasco. Hoje em dia que tem essa fartura fodida de carne, todo mundo só quer fazer churrasco. A ntigamente, era tudo e nsopado, m ocotó, rabada, peixada, feijoada, todas essas paradas, comidas mais baratas. Fazer uma feijoada em vez de churrasco tu gasta um terço do dinheiro. Ia maior galera lá em casa e eu lembro muito disso, Bezerra da Silva rolando. Lembro sobre a volta do Planet Hemp que eu queria falar. Primeiro: nós não somos mais aqueles moleques. Ia ficar ridículo, tá ligado? Pulando no palco igual a 97[risos].Não dá mais, tá ligado? Meio ridículo eu acho, tá ligado? Por mais que eu pule fazendo o meu som atual, entendeu?



Doem os ossos.

Doe mas costas,doemosjoelhos,dóiaporratoda![risos]. Se fosse um show ou uns shows pra que a gente se reunisse de novo, pra galera tomar uma cerveja e ver a gente tocan- do de novo, eu acharia interessante, cara. Mas, pô, cara, eu tenho um receio tão grande disso.Doem os ossos.


Por quê?

Porque o Planet Hemp foi uma parada daquela época, sacou? Daquelas pessoas que a gente era. Um disco maconha lançado menos de dez anos depois que a ditadura tinha acabado? Foda, cara, é uma parada muito importante pra você ficar, sabe qual é?, remexendo. E, porra, cara, dinheiro não é o caso, tá ligado? Acho que mesmo que se tivesse faltando pra mim ou pra quem tiver duro, tenho certeza de que ninguém entraria nessa só pra ganhar um dinheiro, tá ligado? Com o Planet Hemp ninguém vai fazer isso. Todo mundo tem um carinho muito grande com a banda. E todo mundo consegue se virar fora, sem precisar disso. Ninguém vai morrer de fome e ninguém vai ficar milionário com o Planet Hemp. Sei lá, tenho medo de mexer, sabe qual é? E ficar parecendo essas bandas que voltam com os caras velhinhos e os fãs vão lá e falam: "Puta, que merda! Era tão legal antes" [risos].Melhor que fiquem só com aquela imagem que, porra, era tão legal antigamente. Mesmo os caras que dizem que "Marcelo D2 era legal quando era do Planet Hemp" prefiro que continuem pensando assim do que voltar pro Planet Hemp pra agradar esse tipo de gente. E, outra coisa, cara, o Planet Hemp dava muito problema. Voltar pra tudo isso, cara? [risos]. A coisa de Justiça, puta que o pariu, cara! Imagina, a Justiça batendo na minha porta de novo... puta merda, cara! Processos e processos. E só eu que assinei os processos. Foram 18 processos. O Planet era meu, é meu, né, cara? O bagulho é meu, eu registrei tudo.




Mas e um show como os Los Hermanos fizeram, abrindo para uma banda como o Radiohead?

Isso aí é legal. Sei lá, se vem um Rage Against the Machine aí, bota o Planet pra abrir. Ou Beastie Boys. Ao mesmo tempo, é muito difícil mexer com tudo isso, foi há muito tempo e era muito intenso, cara. Não é que nem ser Raimundos ou Rappa. Os caras ganharam dinheiro pra caralho, a gente não. A gente só se fodeu. Tomava porrada da polícia, foi preso, não sei o que lá. E a gente vendia disco pra caralho, os shows lotavam, mas era uma merda. Não tinha garantia de que ia ter o show. Ao mesmo tempo, no Planet a gente não tinha essa mentalidade de fazer sucesso a qualquer custo. Por exemplo, a gente não ia no Faustão porque eu não queria, tá ligado?




A banda foi chamada?

Três vezes. A única vez que a gente falou que ia, eu disse que a gente ia porque tava envolvido com o MST - "Mas eu quero levar 50 integrantes do MST, com bandeira do que é é meio babaca. Quando fui tocar na Daslu, cara, o que caiu de pedrada. Hoje, dez anos depois tão aí, agora, neguinho indo atrás disso tudo, tá ligado? E fazendo a mesma coisa. Quer dizer, perdeu dez anos nessa.




Que diferenças você vê entre o povo do rap e o povo do samba?

No rap existe um pouco de vergonha de assumir ídolos, sabe qual é? Parece que tem medo de babar ovo, de falar: "Esse cara é foda!" Entre os outros rappers ninguém fica falando muito, né. É muito babaca. Minha mulher falou uma coisa muito, muito séria, cara, que isso é um prejuízo pro rap, tá ligado? Numa mesma noite a gente foi num baile de rap e no pagode do Arlindo [Cruz]. Chega no rap, fica todo mundo te olhando de cima a baixo, que tênis você tá, qual a tua roupa, não sei o que, ninguém vem apertar a mão, sabe, olha pra tua mulher com um preconceito fodido, tá ligado? - " Olha o cara, tá com a loira..." Pô, chega no samba, os caras puxam a cadeira pra minha mulher, me dão um abraço que quase quebra a porra das costelas - "Caralho, D2! Desce um frango à passarinho, desce uma cerveja. Aqui não vai pagar, não, D2". Então essa relação, cara, é quetinha que ter no rap, de , parece um pouco babaca esta palavra, mas não é: respeito pelo outro, pelo que o outro tá fazendo, cara.




O que houve entre você e os Racionais?

Ah, cara, foi uma besteira muito grande,sabe qualé? Porque, pô, eu usei um pedaço de uma música deles e os caras nunca me falaram nada. De repente, vieram falando uma coisa que eu tinha que ter pago os direitos, não sei o que lá. Aí, pô, saiu uma confusão fodida. Mas, cara, pra mim isso foi uma besteira fodida, tão grande quanto a que eu fiz com o Caetano. Um tipo de briga dessas é um puta atraso de vida. Eu fiquei maior chateado porque, pô, sou o maior fã dos caras, mas eles vieram com essa coisa de querer intimidar na porrada, sabe qual é?




Mas você os procurou?

Lógico que não, cara! Os caras querendo me jantar, querendo me pegar e eu vou atrás? Falei: "Vou procu- rar? Vou ligar? Não!" Eu sempre falei que a minha música preferida dos Racionais é "Voz Ativa", tá ligado? Eu achava aquela música foda. Foi uma das músicas que me fizeram cantar rap. E eu usei o começo em "Qual É?" Porque eu vi o Guru num show começando uma r ima cantando Public Enemy e achei demais, cara. Falei: "Caralho, que sacada!" É tipo uma homenagem, sacou? Pensei: "Vou pegar essa música dos Racionais que eu acho foda e começar a minha música com ela". Pô, nunca tinha dado problema. Sei lá, cara, acho que foi alguma outra coisa que não isso.




Você fez os caminhos normais nesses casos?

Cara, eu procurei a editora, que é o caminho legal que eu faço sempre. Se eu sampleio o Arlindo Cruz, que é meu parceiro, porra, não vou falar assim: "Arlindo! Sampleei você e tal". Acho uma falta de educação até. Vou lá procurar a e ditora e s e tiver algum problema e a editora não quiser liberar eu falo pro Arlindo: "Pô, dá um papo lá". Não sei o que aconteceu. Mas isso aí, eu vou te falar, cara, não é trabalho meu, é trabalho da minha editora com a editora dos caras. Fiquei meio decepcionado porque eu sempre fui fã dos Racionais. Me senti um pouco... é... agredido. Mudou um pouco a minha visão sobre a banda. Eu achava os caras meio intocáveis, os caras que nunca vacilam, sa- cou? Mas acho que comigo deram um vacilo, cara.




Você segue a Marina Silva no Twitter. Ela é a sua candidata a presidente?

Não é minha candidata. Vou te falar por quê: porque ela é muito religiosa. Tenho medo de pessoas religiosas. Mas acho que dentro da coerência dela ali foi o que sobrou mesmo, cara, porque é a que tem um plano legal, tá preocupada com a educação. Mas porra, cara, vou te falar: se a Dilma ganhar, vou ter que fugir desse país. Não aguento. Imagina a Dilma presidente do Brasil. O Serra a mesma coisa. Mas eu nunca votei na vida.




Por quê?

Porque eu nunca tive candidato de fato. O Gabeira é o único cara que me tiraria de casa pra votar.

 







 http://www.rollingstone.com.br/edicoes/47/textos/entrevista-rs-marcelo-d2/

2 comentários:

  1. cara essa foi a entrevista mais loca qe ja li esse cara e o cara valeu d2 vc e de +

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  2. e legal sermos verdadeiros.

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