sábado, 27 de novembro de 2010

Um Parto de Viagem - Crítica 2




Após o sucesso de "Se Beber, Não Case!", o diretor Todd Phillips retorna às comédias com este hilário longa, que deve muito de sua graça à química entre a dupla Downey e Galifianakis.



Há algo de estranho em “Um Parto de Viagem”. A estrutura e a própria identidade visual do filme não lembram, nem de longe, os exemplares atuais do gênero. O diretor Todd Phillips, a exemplo do que fez em “Se Beber, Não Case!”, decidiu fazer com que seu filme fosse engraçado, não que enganasse o público com risadas fáceis. Os dois filmes são bastante parecidos, mas também são um bálsamo em tempos em que o humor cinematográfico parece se reduzir à piadas escatológicas.
 



A fita, escrita a oito mãos pelo próprio Phillips, ao lado de Adam Sztykiel, Alan R. Cohen e Alan Freedland (com os dois últimos sendo os responsáveis pelo argumento), narra a peculiar história de Peter (Robert Downey Jr.), um arquiteto um tanto quanto esquentado em uma viagem de negócios, que está prestes a se tornar pai. Sua vida vira de cabeça para baixo quando surge em sua vida o desencanado e meio infantilizado aspirante a ator Ethan (Zach Galifianakis).






Graças a um mal-entendido no avião, os dois são colocados na lista de pessoas proibidas de voar. Após perder os seus documentos, Peter se vê obrigado a aceitar uma carona oferecida por Ethan de volta para Los Angeles, sendo esta a única chance que tem de chegar em casa a tempo para ver o nascimento de seu primogênito. Mal sabe ele que este é o começo de uma longa e estranha viagem, que o levará ao limite de sua paciência e de sua sanidade.






Revelar mais do que isso acabaria por estragar boa parte da graça do filme, mas basta dizer que junto à dupla temos um cachorro masturbatório e as cinzas do pai de Ethan dentro de uma lata de café (!). Daí vocês podem imaginar o nível das insanidades que acontecem durante a projeção. E digo isso com todo o respeito do mundo por esta produção.



Seguindo a linha dos antigos anti-buddy movies, como “Cegos, Surdos e Loucos” e “Antes Só do Que Mal Acompanhado”, dois clássicos das comédias oitentistas, temos aqui dois protagonistas que não podiam ser mais diferentes um do outro e se odeiam de maneira brutal (pelo menos Peter não consegue suportar o seu companheiro de viagem), mas que precisam um do outro para alcançarem seus objetivos.






É aqui que entra a dupla Robert Downey Jr. e Zach Galifianakis. Juro que nunca pensei em ver um filme onde Downey convenceria no papel de “certinho”, mas a figura do homem comum prestes a explodir coube como uma luva para o ator, cuja carga de raiva se acumula tanto durante o filme que você fica esperando o momento em que este irá dar uma de Michael Douglas em “Um Dia de Fúria”.



Sabendo fazer piada sobre si mesmo (“Nunca usei drogas na minha vida!”), Downey se sai de maneira absolutamente perfeita como Peter. Ele nos remete aos antigos filmes de Buster Keaton, o comediante de “cara séria” original, nos fazendo gargalhar mesmo sem apelar para tiradas batidas, interpretando apenas um cara comum em uma situação absurda tentando simplesmente não enlouquecer.






Já Zach Galifianakis é um achado. A despeito de seu Ethan ser claramente perturbado, há algo de inocente no personagem, que age como se fosse uma criança, encantada com tudo e aterrorizada em ter de encarar o mundo adulto. O mais hilário é que o próprio Ethan parece verdadeiramente não compreender quão bizarro seu comportamento é e Galifianakis transmite isso de uma maneira tão natural para o público que fica difícil não sentir certa empatia por ele, algo absolutamente necessário para que o filme funcione e para que o relacionamento entre ele e Peter engrene.



Os dois juntos rendem momentos absolutamente hilários, com a tensão entre os dois protagonistas rendendo alguns dos melhores momentos da fita, como a cena em frente ao hospital ou o diálogo no Grand Canyon.






Do mesmo jeito que “Se Beber, Não Case!” era montado e fotografado quase como se fosse um thriller, este “Um Parto de Viagem” foge totalmente das convenções visuais das comédias atuais, lembrando um filme policial em vários momentos, principalmente durante a grande perseguição que ocorre em dado ponto da película.



A fotografia do longa nesse sentido é perfeita. Desde seu momento inicial, quando vemos Downey Jr. encarando a câmera e olhando para nós como se fosse sua esposa, a audiência percebe que não está vendo algo que pode ser classificado no mesmo gênero que “Deu a Louca em Hollywood”, por exemplo. Juro que nunca vi o Grand Canyon tão bem fotografado na minha vida!






Contando ainda com uma das melhores trilhas sonoras de 2010 e participações especiais hilárias de atores como Jamie Foxx, Juliette Lewis, Michelle Monaghan e do sempre ótimo Danny McBride, “Um Parto de Viagem” é uma das grandes surpresas do ano, sendo um filme com alma, e não um mero amontoado de gags que tenta ser engraçado. Recomendado!




NOTA:
9/10
 
Thiago Siqueira
twitter.com/thiagosiqueiraf

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