sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Roland Emmerich: "sou um pessimista"


Como foi para o roteiro de 2012?

Sabia um pouco sobre os maias por ter feito pesquisa para um projeto (sobre um sujeito que se veria preso no mundo maia) e foi quando descobri a força da teoria do fim do mundo em 2012. Lemos algumas coisas sobre o assunto – e basicamente é o que o público vai ver no filme – e escolhemos o título depois que Harald Kloser, (roteirista e compositor) mergulhou nesse fenômeno na internet. A data era mesmo o melhor nome possível para essa história.

Qual a ordem de importância da mensagem ecológica e do impacto ambiental em seus filmes?

Sim, isso é muito importante para mim. O dia depois de amanhã é um filme muito especial e foi lançado quando o aquecimento global não era um assunto relevante para o mundo. Hoje posso dizer que estava à frente do meu tempo com aquele filme.

O conceito de Arca sempre está presente...

Meu primeiro filme foi The Noah's ark principle e estava falando com Harald outro dia: “Estou retrabalhando meus filmes antigos”. Não é a mesma coisa, mas o tema tem sido revisitado, sim.

Houve algum momento específico para a gênese dessa história?

É difícil dizer quando isso começou. Acho que foi quando terminamos de fazer 10.000 a.C – e eu não aguentava mais falar sobre aquele filme. Começamos a pensar em outras coisas. Foi então que uma notícia sobre alagamentos gigantescos foi publicada e Harald deu a ideia. Não queria fazer outro filme catástrofe, acho que já exagerei em quantidade, mas fui convencido lentamente. Percebi que a história é realmente interessante e notei que o ponto seria: quem sabe e quem não sabe! A primeira ideia era ter um cara à la Bill Gates controlando tudo, mas aí ficou com cara de James Bond e abandonamos a ideia. Cheguei no formato que me interessou quando pensei nas reuniões do G8. Sempre quis saber o que eles discutiam lá dentro. Acho que todo mundo se pergunta sobre isso. Esse conceito me motivou demais, mas, acima de tudo, por ser meu último filme catástrofe. Queria encerrar em grande estilo e com bastante grandiosidade.

Por que você tem dito que este é seu último filme?

Cheguei no limite, sabe. Estou feliz por ter feito 2012, mas não quero ser conhecido apenas como o Mestre das Catástrofes ou algo do gênero. Minha mãe não gosta da brincadeira e vive me perguntando: por que te chamam disso? Você tem causado confusão”...

Para onde seu futuro vai seguir, então?

Já estou trabalhando em meu próximo filme, Anonymous. É a história da disputa sobre os direitos da obra de William Shakespeare. Quero fazer esse filme há oito anos e finalmente vai acontecer. Já filmamos muitas cenas de background em Londres há um mês e vamos começar a produção pesada assim que encerrarmos a divulgação de 2012. Começamos a filmar em março, em Berlim.

Pode falar sobre o elenco?

Não. Dá má sorte!

Com essa vida online e importância exagerada para elementos visuais, vídeos no YouTube e demanda por mensagens mais condensadas, você acha que o cinema exerce a função que era primordialmente dos livros até 20 anos atrás?

Deus, não! Espero que isso não aconteça, pois adoro ler. Um livre de suspense tem a mesma técnica que os filmes assimilaram: cada cena tem um mini-cliffhanger para a próxima, o que mantém o espectador/leitor doido para conhecer o próximo passo. Adoro histórias com muitos personagens interessantes e atraentes, porque - no caso de 2012, por exemplo, onde acho que isso funcionou muito bem – é possível pular de um personagem para o outro e mostrar vários aspectos. E ao mesmo tempo aprofundar cada um deles. É uma das vantagens dessa linguagem, mas nada supera a relevância da história e do conteúdo. Sempre digo isso e acho que 2012 foi o melhor nesse aspecto.

Você tem medo da mensagem, do poder de amplificação das teses, da magnitude de seus filmes?

Não! Tenho medo de outras coisas, mas nunca do tamanho do filme. Um monte delas pode dar errado, já o tamanho é uma obrigatoriedade: não é possível fazer um filme sobre esse assunto sem ser grandioso.

Mas fazer algo desse tamanho não é contraditório: produzir um filme com tanto custo e possíveis efeitos no ambiente?

Podemos fazer muitas coisas para amenizar isso. Fizemos algo em 2012 que espero muito ser o futuro das filmagens: gravamos tudo num lugar só, praticamente. O maior desafio é evitar o aumento da poluição por causa da quantidade de caminhões envolvidos no transporte do set de filmagem. O tipo de material usado também influencia o aspecto ecológico, então ter isso em mente ajuda a diminuir o impacto ambiental. Na água, por exemplo, reciclamos a mesma quantidade pelo maior tempo possível. Toda a água era filtrada, esterilizada, e reutilizada.

Por que chamou John Cusack para o filme?

Precisávamos de alguém inteligente para o papel. Não há muitos desses na faixa etária dele. Analise com calma e você vai perceber que é uma dura realidade. Ele é um dos poucos e sempre gostei dos filmes dele. Sua presença é algo surpreendente e um dos grandes pontos fortes desse longa é justamente surpreender o público.

E Woody Harrelson? Ele parece ter nascido para o papel...

Com certeza, é uma escolha perfeita. Mas não escrevemos para ele, não. A ideia era Dennis Hopper, mas ele está velho para esse tipo de filme – fisicamente falando. E, quando vemos o filme e as cenas de ação ou de demanda física, temos a certeza de que seria arriscado expor Dennis a esse tipo de situação. Harrelson foi a escolha imediata, mas eu achei que ele nunca toparia. Para minha surpresa, ele aceitou na hora.

Você aprecia teorias da conspiração?

Sempre fui atraído pelo assunto. A existência de uma conspiração torna os assuntos mais interessantes e mantém algumas coisas vivas por muito mais tempo ou mesmo eternamente. Quantas pessoas ainda falam sobre Roswell ou mesmo Kennedy? E isso acontece há décadas. Quando uma história foca apenas no factual das pessoas ou, no nosso caso, sobre todo esse pessoal simplesmente morrendo e o mundo sendo destruído, ficaria muito chato e desinteressante. A teoria da conspiração deixa a coisa toda mais atrativa.

Aliás, é muita teoria da conspiração notar que o nome do personagem de John Cusack (Jackson Curtis) tem as mesmas iniciais de Jesus Cristo?

Não, não, não! Foi sem querer. Uau! Não tinha notado isso!

Tratar filosoficamente da ecologia ou de responsabilidade ambiental é um modo de educar e alertar ou simplesmente entreter?

É sempre uma mistura de tudo isso. Minha atividade prioritária é entreter as pessoas. Esta é a função dos filmes. Felizmente, em alguns momentos, podemos inserir uma mensagem relevante e ideias que acho relevantes transmitir naquele momento. Mas entreter é a base.

Mas seu entretenimento sempre foge dos padrões, por exemplo, ao colocar um sujeito comum normalmente assumindo a responsabilidade e salvando o dia. Essa escolha nasce do fato de ser mais realístico em vez de vermos o militar ou o super-herói surgindo?

Antes de mais nada, não gosto muito de super-heróis. Sempre me oferecem esses filmes e recuso imediatamente (fazendo cara de quem comeu e não gostou). Também não tenho interesse por super-espiões. Isto posto, sobram poucas opções. Nos filmes catástrofe isso é possível por poder escalar qualquer um para o papel principal, em termos de formato. Acredito na capacidade de inovação em termos de personagens nesse gênero. Se analisarmos os filmes de ficção científica e fantasia da atualidade, por exemplo, a maioria deles está apoiada em literatura ou alguma outra mídia. Não sobra muita criatividade nesse aspecto.

Religião foi um tema bastante abordado nesse filme. Por que o islã não foi mencionado na hora da catástrofe, já que todas as demais foram mencionadas?

Eu queria fazer isso, mas Harald disse que não escreveria. Ele não queria uma fatwã (sentença de morte) contra ele por causa de um “filme estúpido”. Provavelmente cortaríamos a cena, mas isso mostra algumas realidades do mundo. Dá para fazer qualquer coisa com Jesus Cristo, mas quando se pensa em Maomé ou outras figuras do islamismo você pode ter problemas sérios. Nosso primeiro trailer foi o budista tibetano e queria ter feito algo com a Basílica de São Pedro e colocar na abertura de Anjos e demônios, quando a Sony lançou o filme, mas o estúdio não gostou da ideia e entendi as razões deles.

O que te surpreende hoje em dia?

Alguns filmes me surpreendem. Distrito 9 foi um deles. Mostrou que é possível fazer qualquer filme, contanto que a história seja boa. Não importa quem seja o astro principal, o filme precisa ser essencialmente bom e isso é uma coisa que sempre aplico aos meus filmes. Quando dá certo é uma grande surpresa e mostra que o cinema está além do marketing.

Mas as campanhas tendem a prejudicar os filmes por superexposição e exageros, não?

Eles estão com medo e querem mostrar os filmes completos o mais tarde possível. Eu queria mostrar 2012 muito antes da data aprovada pela Sony, mas o argumento é de que tudo está muito perigoso e a internet pode prejudicar as bilheterias. Aceitei, mas a contragosto. Queria mostrar justamente por ter orgulho desse filme e querer compartilhar o resultado com vocês.

Agora é hora dos filmes pós-apocalípticos?

Diretores são artistas e como todo artista tem sensibilidade para o que está acontecendo ao seu redor... Vivemos um momento em que pessoas não acreditam mais no futuro. Logo, o fim do mundo entra em pauta. Sou exemplo disso. Era muito mais otimista há 10 anos, e hoje sou um pessimista. Tenho medo de que nossa raça vá, realmente, se destruir. Muita coisa precisa mudar e, cada vez menos, a possibilidade diminui. É triste, mas é verdade.

Você tem um kit de sobrevivência no carro contigo?

Não tenho nem água armazenada ou lanternas em casa.


Por Fábio Barreto, de Los Angeles

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