sexta-feira, 13 de novembro de 2009

500 Dias com Ela































Sabe aqueles milagres que o cinema oferece de vez em quando? Aqueles filmes com pinta de produção independente, baixo orçamento, elenco desconhecido, roteiro genial e que força uma absurda identificação com o espectador? Pois é. Em média uma vez ao ano temos algo assim. Simples. Encantador. Como a vida. Exatamente assim é “500 Dias com Ela”.

Talvez haja sim um exagero de minha parte, mas eu vejo esse filme como uma versão contemporânea do clássico de Woody Allen “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”. Os parâmetros são os mesmos. Os filmes têm semelhanças grandes, mas ainda assim esbanjam originalidade e personalidade. E ambos têm uma característica bacana, que é observar a relação através da ótica masculina.

Certa feita, li um texto sobre esse filme, onde o autor passava 90% de sua explanação limitando-se a analisar o longa através de uma ótica técnica. Tudo bem. Eu poderia muito bem dizer: “A fotografia é alegre, o roteiro é original, as atuações são bacanas e a direção remete completamente a um estilo indie, aproveitando-se inclusive de uma edição inteligente”. Porém, o trunfo desses filmes é a sensibilidade. Não cabe observar algo tão humano e visceral de uma maneira técnica. O cinema, definitivamente, não se resume a isso. E o filme tenta nos mostrar isso a todo o tempo.

Mas antes de destrinchar os aspectos do longa, eis uma observação: expectativa pode matar um filme. Literalmente. Portanto não leia esse texto e vá ao cinema achando que você verá a nova revolução das comédias românticas. Não pense que esse é o melhor produto indie de todos os tempos. Talvez seja, mas isso é uma opinião própria. Apenas leia, reflita, e aprecie o filme. Deguste-o. Engula-o. E deixe-se despir por duas horas de pensamentos superficiais e técnicos. Se você já viveu o suficiente, aos poucos sua metade emocional sobreporá a racional; ainda que para a apreciação da película – como cinema – não seja necessário.

A história do filme mostra a vida de Tom Hansen (Joseph Gordon-Levitt), um cara normal com vida medíocre e trabalhador de uma empresa de cartões congratulatórios. Apesar de ter certa estabilidade, Tom sentia-se incompleto. Até que sua vida ganha euforia atípica a partir do momento que Simmer Finn (Zooey Deschanel) se torna sua colega de trabalho, e posteriormente seu objeto de desejo. Eles acabam se apaixonando, contudo o desgaste das situações adversas acaba os separando. Ele acredita em amor. Ela não. E esse pé-na-bunda faz Tom passear sob diversos aspectos de sua vida.

Primeiro destaca-se a dupla de atores principais. Gordon-Levitt e Deschanel estão extremamente a vontade em seus respectivos papéis e a química flui de maneira gostosa. Os demais personagens são adereços que conduzem a história, mas ainda assim tem o tom humorístico das comédias de Judd Apatow, por exemplo. O que acaba constituindo um bom suporte para o casal principal, no qual concentra-se a força do elenco, afirmando o quanto tem condições de manter o nível do filme. Seja Gordon-Levitt ou Deschanel, ambos fazem os diálogos adquirirem vida e seus papéis caminham sob uma linha tênue entre a realidade e a idealização – especialmente o dela. O filme justamente foca nessa ruptura do que se idealiza e no sofrimento que é enfrentar as coisas na frieza que elas verdadeiramente consistem.

Unido a isso temos um roteiro original, não-linear, lotado de referências pop, mas acima de tudo pessoal. Logo no início do longa vemos uma nota dos roteiristas, “dedicando” o filme a uma pessoa. Isso quer dizer que bem provavelmente eles passaram por situações semelhantes as do protagonista. E isso que faz o longa tão divertido: a identificação.

As concepções de amor e romance são “subvertidas” aqui, justamente por serem analisadas pela ótica masculina. Lembrando rapidamente, me vem à cabeça “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”. E aqui vemos outra referência clara: a mulher larga o cara e ele revive sofridamente seus momentos com ela. Ela supera e ele não. E aqui me faz refletir como os filmes mais legais sobre relacionamentos usam de diversas maneiras uma mesma fórmula. As mulheres gostam de relacionamentos intensos e voláteis, enquanto os homens acreditam burramente no “verdadeiro” amor.

A construção da história reincide na genialidade devido a construção dos fatos. Desde o começo somos avisados que aquela “não é uma história de amor com final feliz”, o que possivelmente destruiria a leveza com que a história transcorre. Mas o filme é atemporal e na demonstração dos “500 dias” da relação, ele avança, retorna, avança novamente e dá uma continuidade cíclica à história, fazendo com que, de certa forma, ela não se acabe.

Devido a essa possibilidade do roteiro, a montagem do filme consegue se desvencilhar de convenções e brinca constantemente com a organização dos fatos. E tudo de uma maneira clara e objetiva, que torna a história acessível a um grande público. A edição é eficiente e trabalha belamente em conjunto com os aspectos citados. Há uma cena em especial em que temos a tela dividida e são mostrados a “realidade” e a “idealização” como contrapontos, e toda essa construção exigiu – e obteve – o bom entrosamento de todos os envolvidos, inclusive de Marc Webb, diretor do longa.

Webb vem da indústria dos clipes musicais e isso é notado em alguns momentos. Em uma cena musical em particular, vemos o completo estado de graça da equipe. A sequência contagiante demonstra além de talento, uma interação com o espectador, que provém de boa mão conduzindo toda a obra. Outrora consegue apresentar também uma referência ao velho e bom cinema, onde o personagem Tom projeta-se em filmes de Ingmar Bergman, revivendo cenas de “O Sétimo Selo”, por exemplo. E o êxito ao transmitir os vários sentimentos da história caracteriza essa competência. Competência que mesmo mostrando situações dramáticas, consegue impor uma leveza sutil que traz personalidade ao filme.

Habitual em produções desse estilo, como em “Juno” e “Encontros e Desencontros”, e configurando-se como miscigenada e apaixonante, a trilha sonora percorre clássicos de The Smiths, passando por Regina Spektor, She and Him, Simon and Garfunkel, The Black Lips e Carla Bruni, e define sonoramente aquilo que se vê em tela. Completamente indispensável pelo equilíbrio e bom funcionamento que o longa tem.

É a vida. É simples, sutil, complexo, real, belo. E, reincidindo na observação, a admiração para com o filme dependerá principalmente do seu grau de “abstração”, “entendimento” e identificação para com a obra. Funcionou bastante comigo, porque além de ser um dos bons exemplares de filmes que garantem a sustentação e perpetuação do bom cinema, ainda é uma baita lição e representação da vida. Para mim é a nova definição do que constituem-se relacionamentos hoje em dia; relacionamentos maduros de pessoas não-superficiais, é claro.

Avaliação: 10

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