Avaliação: NOTA 7
 
 
 
 

A realização constante de comédias  vem acompanhada de uma série de clichês que o público já espera. Todos os anos, diversas produções do gênero seguem pelos mesmos caminhos de roteiro e são apontadas como pouco originais, por repetirem os mesmos plots e, assim, os mesmos erros. Algumas, obviamente, se destacam por conseguirem contornar os clichês de uma forma verossímil e tem como aliada a simpatia que as situações, mesmo esperadas, causam ao espectador. Esse é o caso da comédia francesa “Uma Doce Mentira”, nova parceria entre Audrey Tautou e o cineasta Pierre Salvadori, após o agradável “Amar Não Tem Preço”.

A trama escrita por Salvadori e Benoît Graffin é centrada em Emilie (Tautou), uma cabeleireira geniosa que mistura doçura no olhar e irreverência. Um dia, Emilie recebe uma carta de amor anônima escrita por Jean (Sami Bouajila), seu empregado no salão de beleza, encantado desde a primeira vez em que viu a chefe. Sem se importar muito com o conteúdo do texto e em uma situação bem constrangedora para Jean, Emilie ignora o admirador secreto. Entretanto, ela resolve encaminhar a carta para a sua mãe Maddy (Nathalie Baye), que ainda não superou a separação do ex-marido e encara a vida sem grandes aventuras. A iniciativa, porém, sai do controle e causa diversas reviravoltas na vida desse trio.

Os clichês existem do começo ao fim, mas o roteiro e a visão apurada de Salvadori contornam diversas situações que não são piegas ou sem graça. Aliás, o script é recheado de bom humor, sempre desenvolvido de maneira adequada pelo elenco. As gags são pontos fortes, estejam em destaque principal na cena ou não. Tautou tem um ótimo timing cômico, cada vez mais se distanciando da sua eterna Amelie Poulain e explorando outras nuances de sua performance. Neste longa, é importante apontar essa evolução porque a personagem Emilie não é lá uma grande inspiração feminina. Por mais que ela seja aparentemente independente, não deixa de ser infantil e orgulhosa, que não mede as conseqüências dos atos e está sempre pronta para transferir a responsabilidade das coisas para os outros.

Assim, a construção de Emilie é um charme, já que mesmo sendo egoísta, não conseguimos criar aversão às suas ações. O elo do estranho triângulo amoroso é fortificado pela doçura da interpretação de Bouajila e de Baye. Nenhum deles é completamente correto ou errado, vilão ou mocinho. Todos são vítimas das ações mal planejadas e dos tiros pela culatra. Eles precisam contornar as perdas e os ganhos durante toda a projeção, e fazem isso de uma maneira coerente de se ver em tela. O balanço com o elenco secundário cria todo um aspecto simpático à trama. As participações de Stéphanie Lagarde como Sylvia e principalmente de Judith Chemla como Paulette são deliciosas, acompanhadas de ótimas piadas.

Ainda que o longa se saia bem como comédia, sempre afiado e sem se preocupar em causar gargalhadas estrondosas, mas apenas aquele humor sutil, um dos grandes problemas de “Uma Doce Mentira” é quando tenta desenvolver o lado do romance a partir da metade da projeção, culminando em um desfecho sem sal. Parece mais que as boas ideias foram todas gastas anteriormente e faltou tato para manter o bom nível que a comédia teve. O bom ritmo é quebrado pela inocência dos roteiristas ao achar que o público sempre quer ver finais felizes.

Aqui, o elenco apenas reproduz o texto que lhe foi determinado, sendo excluídos de qualquer reclamação quanto à falta de originalidade das ações do último ato. Até determinado momento, o público sente que o desfecho pode ser imprevisível, já que os três personagens são irreverentes, fazendo com que tudo seja possível, mas não é o que acontece. A escolha de americanizar o romance acaba descaracterizando um pouco aquela boa história que estava se mantendo nos eixos.
“Uma Doce Mentira” é tão doce quanto o seu título, ainda que não possua grandes atrativos estéticos. Salvadori cria planos interessantes como a sequência onde revela todos os segredos da trama e até mesmo em uma ação no segundo plano envolvendo o caminhão do lixo, mas nada se destaca em cena, nem mesmo optando por uma trilha sonora típica daquelas ruas francesas que esperamos ouvir.

Ainda assim, o longa e é uma ótima escolha para quem gosta de comédias despretensiosas, que agradam os olhos e dão leveza à alma, sem nunca perder o bom humor. Além de ser sempre bom ver alguém escrevendo cartas, prática que se tornou obsoleta de uns tempos para cá…
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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e professor universitário na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.