sábado, 20 de fevereiro de 2010

'Karl Max way'

Karl Max estrela documentário sobre motoboys brasileiros em Londres



Brasilleiro de Goiânia é o personagem central de 'Karl Max way'.

Além de não ter o 'R' no nome, Max reforça: 'Eu sou capitalista'.



Meu nome é Karl Max. Tipo o filósofo, sabe? Mas o outro era socialista. Eu não. Eu sou capitalista.” Foi dessa forma que o brasileiro nascido Karl Max de Almeida Macedo se apresentou à jornalista Flavia Guerra, um ano atrás, quando ela se preparava para concluir o mestrado em direção de documentários na Goldsmith College, em Londres.


Apesar do papo-cabeça, Max (sem o R do ideólogo do comunismo, Karl Marx) não era estudante de sociologia, mas um entre os milhares de imigrantes ilegais que trabalham na capital britânica como motoboys, fenômeno tipicamente brasileiro que acabou tomando as ruas de Londres e que, apesar de atender por outro nome por lá (“courrier”), é praticamente dominado por falantes do bom português.


“Imigrante, ilegal, goiano, capitalista chamado Karl Max. É um argumento de filme pronto!”, comemorou Guerra por ter finalmente encontrado tema e personagem ideais para seu documentário de estreia – feito em parceira com o fotógrafo e montador Maurício Osaki. “Não tive dúvida de que ele era o 'nosso motoboy'. Sem querer, com aquele jeito tão engraçado de ser, Max estava praticamente pedindo 'conta minha história'.”


Ainda inédito (veja cenas do filme em primeira mão acima) e em fase de pós-produção, o documentário “Karl Max way” pode pré-estrear no Brasil em abril de 2010, caso seja aprovado pela comissão do festival É Tudo Verdade. “Ainda não saíram os selecionados, estamos esperando e não se pode comemorar antes”, pondera a diretora. “Depois, vamos colocar o filme no circuito de festivais internacionais e queremos exibir na TV também."



Max não vai a passeatas



Como sugere o seu título, o filme segue o caminho de Karl Max, que antes de subir numa moto para fazer entregas em Londres, já havia morado dois anos na Espanha – também como imigrante ilegal –, trabalhado como pedreiro, faxineiro e garçon.


“Ele tinha uma vida confortável em Goiânia. Trabalhava em um frigorífico. Sua mulher, Juliana, trabalhava em uma loja. Mas foi o sonho da casa própria, de juntar algo para o futuro, que o levou a se aventurar pela Europa”, diz Guerra, ressaltando que o documentário não pretende ser “um panfleto sobre os direitos dos ilegais”. “Todas as contradições sobre o tema estão no filme. Algumas vezes nas entrelinhas. Algumas vezes bem escancaradas. Mas sempre de uma forma natural. Porque este assunto é natural para todo imigrante em Londres. Max e tantos outros ilegais não vão a passeatas por seus direitos”, completa.


Foi só depois de um ano na Inglaterra que Max decidiu ser motoboy, profissão que, segundo Guerra, “por ser de fato mais exposta e perigosa, paga melhor”. Mas em 4 de maio de 2009 Max caiu da moto. Era feriado e ele não estava usando equipamento de proteção. A moto se arrastou pelo asfalto e levou Max junto. “O pé dele foi literalmente queimado no asfalto. Ele perdeu o calcanhar e toda a pele do pé, que quase teve de ser amputado. Foram necessárias mais de dez cirurgias e 46 dias de internação”, explica a diretora.



O jeitinho inglês



Surpreendidos pelo acidente ainda durante a fase de filmagem do documentário, Guerra e Osaki acabaram descobrindo, nos hospitais públicos, um terceiro tema para o filme. “Foi complicadíssimo. Mas eu aprendi que também existe o jeitinho inglês. Quando o Max foi resgatado, ele não tinha documento nenhum. Era só olhar para ele para saber que ele era imigrante. Ele podia ter sido denunciado ao Home Office. Mesmo assim, ninguém no hospital jamais pediu documento nenhum. Numa espécie de acordo tácito, ele foi tratado como se fosse um legítimo cidadão europeu”, lembra Guerra.


“Quando teve de fazer uma batelada de transfusões de sangue, ele brincou: Quero ver alguém me deportar agora. Ninguém mais vai poder dizer que eu não tenho sangue inglês. Isso é que faz do Max um grande personagem. Ele lá, com aquele pé caindo, ilegal, sem um tostão, com a mulher grávida... E ainda assim era capaz de rir de tudo aquilo”, conclui.



Em tempo: Karl Max continua em Londres, usou o dinheiro do seguro da moto para comprar uma van e continua fazendo entregas e mudanças. Usa uma botinha ortopédica e ainda aguarda para fazer novas plásticas para reconstruir o pé. Em setembro do ano passado, conta a diretora, foi pai pela primeira vez. "A Luana é totalmente legal. Tem registro e tudo. Mas seus pais continuam tão ilegais quanto antes. Quer maior contradição que esta?"


Diego Assis

Do G1 em São Paulo

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