sábado, 9 de maio de 2009

CATARINA DE JAH





Catarina Lins de Aragão, Catarina do Amparo, Catarina Dee Jah. Ou simplesmente Catarina. Olindense, 28 anos, nascida em berço de artista (filha da artista plástica Iza do Amparo), mãe de dois filhos, DJ e agora cantora. Sim, isso mesmo.

Catarina, antes conhecida por suas pinturas, agora canta suas próprias músicas com ajuda de seus amigos, que estão na pilha de lançar seu disco e mostrar uma nova faceta dela ao mundo. Ou pelo menos a quem quiser ouvir.

Tivemos a oportunidade de conferir parte dessas músicas em um momento bem peculiar da cena recifense. Foi durante o prvojeto União Aurora que trazia a brodagem das bandas do Recife, ou mais precisamente, aquele pessoal que mora pelo centro da cidade. Estavam lá músicos do Mombojó, Negroove, A Roda e Academia da Berlinda, mas quem roubou a noite foi realmente Catarina.

Com um humor afiado e uma ironia cortante, a ponto de fazer a platéia rir (in)voluntariamente com pequenas piadinhas entre as músicas, Catarina fez um tipo “não-tou-nem-aí-se-acharem- que-não-sou-cantora-profissional” e seguiu cantando na companhia dos amigos que tinham feito pequenas jamsessions autorais há alguns minutos antes. Tentar arriscar o estilo dela é complicado. Até porque na entrevista ela vai explicar melhor como começou a ouvir tudo isso que hoje ela está reprocessando.

Conversamos com Catarina em Olinda, no ateliê onde trabalha e mora com a mãe, seu marido e com seu filho mais novo. Conhecemos uma Catarina que enfrenta os problemas de dona-de-casa, preocupa-se com quem vai deixar seus filhos para poder tocar a noite e, ainda, se pela manhã vai manter a disposição para cumprir seu papel de pintora e mãe.

Fomos apresentadas a uma mulher forte que encontrou na música mais uma maneira de se redescobrir e se divertir. Tanto que está preparando o lançamento de seu primeiro disco, Cola na Matéria, gravado e produzido com os amigos China, Filipe S., Chiquinho, Junior Black e outros. Se você ficou curioso para conhecer a música de Catarina, pode conhecê-la todas as quintas na festa que ela organiza na Caverna do Dragão, no Quintal do Rossi, em Olinda. Ou pode arriscar uma visita em seu atelier, na Rua do Amparo, que está sempre aberto. Aqui, você será apresentado às diversas Catarinas na sua busca de se tornar uma só.

“Eu nasci nesse ambiente artístico, em Olinda, e o ateliê, a minha casa, sempre esteve aberto. Os meus pais são artistas formados em arquitetura. A gente sempre teve acesso a esse mundo e sempre o encarou com naturalidade, sempre teve um ambiente muito musical. Eu tinha um vizinho que tinha a Mulher do Dia, uma boneca muito tradicional, e ele gostava de ir pros inferninhos, os cabarés e quando voltava ele começava a colocar o som no talo. Então, vinha toda essa coisa da gafieira, do brega e isso foi me pegando um pouco. Ao mesmo tempo, o meu pai escutava jazz, Beatles, MPB, bossa nova”."Isso é um processo de crescimento. Eu não estou com um prazo de verão para entregar o disco pronto. As coisas estão acontecendo naturalmente"



Como você começou a ser DJ?
Naturalmente comecei a trabalhar como DJ. O meu irmão [Paulinho do Amparo] pesquisava muito, ele estudava Eletrotécnica e fazia pedais, também fez a guitarra dele. Então, o meu interesse ia crescendo. Ele até tentou me ensinar a tocar baixo, mas eu não consegui transcender a fase dos calos nos meus dedos. (Risos) O meu trabalho como DJ não é uma coisa virtuosa, eu não tenho muita técnica de mixagem, é meio que um depoimento muito pessoal das coisas que eu gosto, que eu quero passar através da música. Eu danço, eu canto também, falo no microfone. Até sou bem criticada: “Ah, Catarina bebe e faz besteira, pára a música no meio”. (Risos)








E quando descobriu que era cantora?
Eu tive Joãozinho há pouco tempo e foi um baque para mim porque eu estava no auge, começando a pegar uns trabalhos grandes como DJ, era mãe independente com a minha casinha, segurava a onda de aluguel. O meu marido, Hugo, é músico, então, viajava muito e eu ficava muito isolada. Comecei a entrar no processo de depressão...

Quando ele começou a interagir com China e a ensaiar, China começou a ouvir as minhas conversas, ele dava risada e falava: “Porra, porque você não grava o seu disco?”. Aí, a gente foi conversando, eu topei com Junior Black no meio do caminho, dava uns motes para músicas, de situações e a gente fez algumas letras juntos.

Eu também tinha uma batida na minha cabeça, eu simpatizo muito com esse brega novo, não de uma maneira pejorativa e exótica. Eu consigo ver coisas sofisticadas e mensagens subliminares ali. A batida me contagia muito, por questão da sonoridade e por ver que eles pegam som de fliperama que tem perto da casa deles ou pegam tecnologia e usam da maneira deles, autentica. Ao mesmo tempo eu gosto de Kraftwerk, Chromeo, música eletrônica.

Aí ficava esse caldeirão na minha cabeça. Eu comecei a inventar uma batida na cabeça que é o “raigga”, um pouco de raggae com brega, uma coisa que Sly & Robbie fazem até hoje. Eles são uns putas produtores, pegam uns timbres sebosos e fazem pérolas.

Os meninos me reprimiram muito porque acharam que eu ia ficar muito pejorativa. No começo eu ficava puta, mas eles ficavam: “Não Catarina, escuta um pouco a gente”. Agora que está perto do final, o disco está bonito. Ele não está como simplesmente uma pessoa de classe média que tem acesso a informação fazendo uma releitura do brega. O primeiro show que a gente fez eu tive certeza disso, foi contagiante, eu tive carisma, tirei risadas da platéia.





Como você aprendeu a soltar a sua voz?
Não sei, intuitivo. Eu sou autodidata, eu sempre fui avessa à aula, sempre gostei de destrinchar as coisas sozinha. Apesar de ouvir muita coisa que me influencia, eu tento misturar tudo nesse caldeirão, vendo o que vai dar, fazendo do meu jeito. Mas teve o processo de destrinchar as músicas gravadas para o palco, mas eu não tinha experiência. Foi difícil no começo soltar a voz no microfone e aprender a tratar o microfone, saber o tom certo que se encaixa na música, interpretar.



Como são as suas músicas?
Divertidas. Tem uma música que chama “Complexo de Salgadinho” que é falando muito do pessoal que vem aqui no verão e vai para as oficinas de maracatu como se fosse uma aeróbica, uma auto-ajuda. Eu digo que tem dois tipos de visitas no Morro da Conceição: a da Santa e a do Carnaval, que tem aquele pessoal galego que sobe aquelas ladeiras com as alfaias de Macaíba pesadas e quando chega lá o mestre grita: “Errado” e “Presta atenção!”. É um treinamento. Eu acho isso tudo pejorativo porque muda a essência do maracatu. Não que eu seja puritana, mas é um pessoal que tem pouca informação e chega com essa ansiedade de tocar um tambor, de dar pinta, nem se intera na historia, não vê a realidade da comunidade. Fica tudo muito exótico. A música é brincando um pouco com isso, não criticando o maracatu. É um grito de protesto. Mas é muito engraçada também, muito leve. Junior Black fez essa letra comigo. A gente estava um dia conversando e eu falei: “Complexo de Salgadinho é impossível comer um só” porque às vezes essas oficinas viram um pretexto pro pessoal se agarrar.



Como foi a gravação do disco?
A gente gravou na casa de Homero, no armário de Filipe S., olhando as cuecas dele. (Risos) Gravei umas vozes no banheiro, onde o reverberava um pouco, o som ficava um pouco agudo, e aí a gente colocou uns tecidos em volta. Foi legal porque não foi em um ambiente profissional, foi tudo bem caseiro. Eu me sinto mais à vontade na casa dos meninos. A gente sampleou Sly and the Family Stone, uma música do disco Fresh. Eu nem deveria estar contando isso, os meninos ficam com tanto medo de quando o disco sair vir processo, mas eu acho que não existe mais isso, só para Marisa Monte. Eu já falei isso pros meninos, mas eles não me escutam muito.



Poderia contar quem colaborou e como?
Teve colaboração de Junior Black, China produziu, ele leva muitas coisas e fica mixando em casa. Eu acabei tocando aquela bateria de dedo, parece um hambúrguer fritando. Filipe S. fez uma música linda que é “Toca Te Dentro”, parece uma música indiana, gravei exatamente como eu queria a voz. É só uma frase que ficamos jogando de várias maneiras que é “Toca te dentro e te deixa assim tudo”, só brincando com isso. São umas 10 vozes sobrepostas, tem um violãozinho, parece um lual na Índia.



Você sente que isso está funcionando?
Isso é um processo de crescimento. Eu não estou com um prazo de verão para entregar o disco pronto. As coisas estão acontecendo naturalmente, vocês virem aqui, por exemplo, foi um processo natural que veio através de um show, o show veio através de uma pessoa, Carlota, que colocou na pauta do Teatro Arraial. Eu estou doida para fazer mais shows para que o disco cresça mais, as duas coisas vão se alimentando. Eu queria fazer coisas diferentes, não quero ter prazos. Quero mostrar que dá para fazer coisas de outra maneira, sem ter que engolir certas hipocrisias.



Você sente falta de mulheres fazendo coisas aqui em Pernambuco?
Eu acho que a gente tem muita coisa de província, ranço de sinhazinha, das meninas que ficam falando miando, andando em grupinho. Eu sempre fui muito moleca, eu lembro passar as férias na Bahia e eu vi os meninos brincando de jogar lama no rio, quando eu ia pular o muro a minha mãe disse: “Você não pode, você é menina”. Eu chorei pra caramba. Não que eu não goste de ser mulher, eu adoro ser mulher e adoro os homens, mas eu sempre estive no meio dos homens e me identifiquei mais em estar no meio dos homens, com as coisas que eles tinham de liberdade para fazer, do que com as coisas pré-afirmadas para as mulheres. Botar a cara foi natural, sempre interagi com o pessoal de banda.

Os primeiros ensaios da [Academia da] Berlinda foram feitos na minha casa, o repertório eu guiei muito em cima dos meus vinis e eles foram criando uma identidade. Eu sempre tive no meio de produções de festas, participei de alguns ensaios do Punk Reggae, mas sinto falta das mulheres se emanciparem mesmo, botarem a cara.

Eu sempre fui muito crítica dos outros e esse trabalho foi muito bom para me discriminar. Uma coisa meio Clarice Lispector de liberdade e ao mesmo tempo de me jogar na cova dos leões para ver no que vai dar. Então, foi meio punk escutar as críticas dos meninos a primeira vez que eu gravei a minha voz... Essa hegemonia masculina em volta de mim.


Quais foram as críticas?
“Ah, você está muito presa, puta que pariu, se solta” ou “Ai, Catarina, não é por aí, você está viajando” ou “Você está falando muita putaria”. Isso foi me discriminando e me acrescentando porque eu não tinha experiência. Esse processo foi muito bom e eu também acho que acrescentei muita coisa para eles. Homero tinha um puritanismo de tocar na Sinfônica, no Sagrama e tocar conga e bateria. Agora ele está pensando em vender a bateria para comprar um sampler! Não sei até que ponto isso é bom ou ruim, mas foi engraçado ver ele no show com duas congas e aquele equipamento do lado soltando as bases e começando a curtir isso também. Acho que eu também trouxe muita coisa para China, Chiquinho [Mombojó], como sonoridades novas, sons que eles não conheciam, para eles seguirem por outros caminhos. Foi um playground ótimo para eles adquirirem subliminarmente experiência e coisas novas para os projetos deles.



Quais são as suas referências musicais?
Eu gosto muito da coletânea Lambadas Internacionais de um selo de Belém chamado Gravasom que tem música da Guiana Francesa que vieram aportar em Belém de alguma maneira, acho que através do povo e das ondas de rádio. É muito louco porque tem moogs, guitarras, uma coisa caribenha e o dialeto que eles falam muitos franceses nem entendem, lembra a sonoridade do português de Angola. Desde pequena eu escuto isso. Gosto muito de Nina Hagen, Madonna, MIA, que está me influenciando muito, Serge Gainsbourg, Jane Birkin e Brigitte Bardot, que eu amo.



Você colabora com o seu irmão?
Comecei a fazer umas coisas juntas com Paulinho no sistema novo de gravação dele, sempre chamo para tocar lá na Caverna do Dragão, mas não rola tanto. Chamei para fazer uns cartazes. A gente passou muito tempo com briga de irmão, hoje está mais tranqüilo. Sempre o admirei muito, aprendi muita coisa de música com ele, os nomes dos pedais que ele fazia, nomes dos efeitos, coisas de sonoridade. Ele me influencia muito também na pintura. Eu acho que ele é muito rebelde, não precisava ser tanto e ele é rebelde leite com Nescau. Não adianta você criticar o mundo e todo mundo e no outro dia seguinte gritar: “Mamãe, tem leite com Nescau?”. (Risos) Mas eu adoro o meu irmão, admiro muito.



O que você toca?
Eu começo de uma maneira e termino de outra totalmente diferente. Começo muito com essas coletâneas de lambadas internacionais e aí vou misturando, boto Trio Esperança, músicas românticas para o pessoal dançar junto, Trio Irakitan, eu gosto muito de Outkast, Spank Rock, que eu comecei a curtir há uns seis meses, Amanda Blank.

Como você tem acesso a esses artistas novos?
Pesquisa. É engraçado porque é tudo linkado, através do MySpace da M.I.A. eu cheguei no Spank Rock que cheguei em outro e depois eu peço para os meus amigos baixarem.



Como você se vê agora depois de se escutar?
Sem esse papo de auto-ajuda, mas eu acho que cresci muito, fiquei mais segura, mais consciente de quem eu sou. Essas criaturinhas caóticas, que tem um lado que às vezes me oprime por estar parada muito em um canto só, piniqueira do lar, cuidando de criança, mal dormida, mas ao mesmo tempo tem um mulherão aqui dentro, apesar de ser baixinha e magrinha, que toma forma quando eu estou na noite. Eu quero que as duas Catarinas se complementem.



E de onde vem o nome “Catarina Dee Jah”?
Eu era chamada muito de Catarina Dee Jah quando era mais nova, fumava muita maconha e andava muito com Fernando Peres, Luca Barreto e a patota. Era uma fase que eu curtia muito reggae. As pessoas brincavam que eu era DJ, mas não tocava reggae, aí eu falava: “Sou Dee Jah, não sou DJ”.



Existem outras Catarinas?
Tem a Catarina do Amparo, que é a Catarina que pinta. Eu comecei a pintar ajudando a minha mãe nas encomendas e naturalmente eu fui criando. Eu sempre fiquei com muito medo de virar uma Izinha do Amparo, a mini ela. Porque tem muita pressão que paira em cima dos filhos de artistas, mas também não dá para negar toda a influencia que você recebe deles. É muito bonito também ver essa simbiose no ateliê, tem padronagem que é da minha avó, que eu faço, e a minha mãe faz, mas cada uma tem o seu traço e a sua maneira de interpretação. Eu acho que tem o trabalho comercial que dá grana, esse trabalho mais decorativo, em tecido, que é para gringo e piruá. Não que isso não me dê alegria, mas é muito bom trabalhar com escalas de cores, eu pinto várias coisas ao mesmo tempo. E tem os panos que forram as mesas onde esses trabalhos estão que vão ficando com uma densidade muito grande e depois se transformam em outras telas que não são tão comerciais e agregam um valor maior.


Às vezes eu fico meio pilhada porque às vezes o comercial está ligado à hipocrisia. Eu já vendi trabalho para o mundo inteiro, é bonito receber também uma mensagem ou uma fotografia de uma pessoa que mora na Islândia, Noruega, que tem um trabalho meu no ninho dele, aquecendo, trazendo alegria um pouco para aquela frieza que eu não conheço ainda.

Nunca saí do Brasil, tenho uma vontade da porra de viajar, mas aí eu me bato com a coisa da maternidade. Eu lembro depois do show eu cheguei às 6h da manhã aqui em casa e a minha mãe estava estressada com João chorando e eu bêbada, pensando: como irei resolver isso na minha vida? Esse lado da noite, que eu gosto muito, e de estar em casa com os filhos.

Catarina Dee Jah no estúdio da Trama gravando para o quadro 10 Horas no Estúdio do programa Radiola na TV Cultura


* Entrevista publicada originalmente na Revista Coquetel Molotov Nº 4

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