sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Amanhã eu escrevo









Acho que a única coisa que a gente não deixa para depois é o hábito de procrastinar. O termo tem origem no latim: pro (adiante) crastinus (amanhã): passar para amanhã. Adiar, enrolar, fazer amanhã o que se pode fazer hoje. Nada é mais urgente do que isso.



Tão importante é o assunto que a Slate fez um especial sobre o tema no início do ano passado. São doze divertidos artigos abordando as várias facetas desse hábito – pernicioso para alguns, necessário para outros. Já estou há um tempo para escrever sobre isso mas - sabe como é, né? - sempre deixo para depois.



Antes de mais nada, não existe o gene da procrastinação, isto é, trata-se de um comportamento aprendido. Um hábito que desfaz qualquer monge. Algo tão insidioso que existem, inclusive, grupos de ajuda específicos. Entidades como Procrastinadores Anônimos. Mas onde fica isso? Justamente no lugar preferido de 11 entre 10 procrastinadores para matar tempo: a Internet. Tipicamente são grupos de ajuda onde as pessoas contam histórias não terminadas. Ou ainda reuniões virtuais por telefone, através de conference call mas onde, uma vez conectado, você percebe que é o único na sala.



Mas se isso fosse assim tão abjeto, os despertadores não viriam com as famosas teclas "Soneca" - ou Snooze, conforme o idoma. Certamente inventado por um criativo procrastinador, a tecnologia do "só mais cinco minutos" (no meu são nove - por que nove?) é o verdadeiro concorrente do café-da-manhã e da última olhada no espelho. Afinal, o tempo que a gente gosta de perder não é tempo perdido.



Diversas explicações já foram tentadas para esse anticomportamento: do medo do fracasso ao perfeccionismo paralisante, vários são os impeditivos para que terminemos aquelas tarefas que começamos. Neurologistas e psiquiatras têm uma maravilhosa descrição para o fato de procrastinarmos: somos reféns de nossos sistemas de recompensas tardias.



Mesmo para nossos pequenos prazeres, a preferência está sempre no agora: vadiar agora e trabalhar depois. Precisamos pesar o presente versus o custo e benefício de ações futuras. Antecipar benefícios futuros (visualizando a satisfação e felicidade em completá-los) ou avaliar os custos daquilo que atrasamos (através dos desastres que podem causar).



Segundo pesquisas, o hábito de deixar coisas inacabadas atinge cerca de 20% da população. Algumas descrições de procrastinadores mais se assemelham a perfis patológicos de serial killers ou assaltantes de velhinhas indefesas, tão terrível parece ser seu pecado.



Para o Dr. Joseph Ferrari há dois tipos de procrastinadores: os que gostam de fazer as coisas sob pressão (o “pânico do último minuto") e os que temem a avaliação que sua obra receberá. O fato é que ambas as formas não parecem fazer parte de nosso repertório de decisões conscientes. Isso significa que procrastinar talvez fuja ao nosso controle por não ser um comportamento planejado.



E onde se procrastina mais? Leon Mann, um pesquisador social da Universidade de Melbourne pesquisou o tema para identificar os atrasantes hábitos de diferentes culturas: do individualismo anglo-saxão, ao coletivismo asiático. Concluiu que estes tendem a adiar a tomada de decisão, enquanto que aqueles parecem mais resolutos.



Os resultados, contudo, podem ser parcialmente atribuídos à forma como os questionários eram respondidos, pois algumas culturas expõem mais seus comportamentos, enquanto outras tendem a ocultar e amenizar atitudes pouco aceitáveis.



Essa auto-crítica indulgente representa, aparentemente, uma limitação de método que não invalida essa variação cultural. Mas certamente deve haver alguém pensando em experimentos mais precisos. Qualquer dia desses...



Algumas profissões também são características: segundo o Dr. Ferrari, quem trabalha em escritórios procrastina mais do que empregados de fábricas (mais controles?), funcionários de empresas adiam mais do que médicos e advogados (compensação por produtividade?) e vendedores enrolam mais do que gerentes (será que são promovidos quando passam a cumprir seus compromissos?).



Qualquer que seja a desculpa, em seu Predictably Irrational, Revised and Expanded Edition: The Hidden Forces That Shape Our Decisions* Dan Ariely testou seus alunos dando às turmas diferentes opções para entregar seus trabalhos. Para os quatro papers exigidos, um grupo recebeu um calendário fixo; outro escolhia os prazos finais de cada um; e o terceiro tinha apenas uma data final para entregá-los. Como esperado, a turma que teve deadlines impostos cumpriu as datas mais do que a que podia deixar tudo para o fim - que foi a pior das três.



Ele reconhece que todos temos problemas com a procrastinação, mas aqueles que reconhecem essa dificuldade estão em melhor posição para utilizar as ferramentas disponíveis para disciplinar mais o seu trabalho e ajudar-se a superar esse vício. Pois, tal como dizia Lord Acton, "O sábio faz de uma vez, enquanto que o tolo finalmente faz. Ambos fazem o mesmo, mas em tempos diferentes."


Pior ainda é que lendo os artigos da Slate descobri que aquilo que eu achava ser a maior causa da procrastinação não tem nada a ver com ela: a preguiça. Como é possível, perguntará a leitora? Simples: procrastinar quer dizer que você não quer terminar aquela tarefa específica.



E enquanto você foge dela é capaz de fazer uma porção de outras coisas, não tão tediosas para você. Tem gente que corre dez quilômetros para não lavar a louça. Outros lêm um livro inteiro (exceto os das novas regras ortográficas) antes de arrumar o quarto ou passam horas organizando as músicas no seu iPod. Não dá para chamar nenhum desses de preguiçoso, só porque tem algo que ele prefere fazer antes daquilo que ele é obrigado. Já ouviu alguém reclamando que não consegue terminar um jogo de paciência porque não consegue largar o trabalho?



E por que, então, não ganhar dinheiro com os procrastinadores? Sim, porque há verdadeiras indústrias para atendê-los! Afinal, eles estão em toda a parte e representam um setor de mercado que não pára de crescer. Lucre com suas eternas pausas para o café, venda-lhes comidas prontas, preste-lhes serviços de arrumação ou organização (são recorrentes - você arruma hoje, ele bagunça amanhã e te chama de novo na semana que vem), alugue-lhes carros (os deles quebram por falta de manutenção), empreste-lhes dinheiro (sempre duros...), crie videogames, cubo mágico, Sudoku, escreva blogs! Aliás, sabe qual o programa da Microsoft mais usado no mundo? Não? Paciência...



A parte boa é que você tem companhias famosas: Da Vinci deixou diversos projetos inacabados. Truman Capote levou quase 20 anos para (não) terminar o inacabado Answered Prayers (perfeccionismo?). Depois do fenomenal Invisible Man, Ralph Ellison morreu antes de finalizar seu romance seguinte, 40 anos depois. E eu quase não termino esse texto! Bom, você já perdeu seu tempo hoje, agora volte ao trabalho!



Você não foi, né? Prefere ficar lendo bobagens na Internet, perdendo seu tempo. Não é verdade? Então me responda: como você chegou aqui? Estava por aí sem fazer nada, certo? Ou foi durante alguma grave crise de procrastinação que você achou esse artigo no Google? (É, porque você não é um leitor habitual desse blog. Eu nunca te vi por aqui...)
Chega, vai, acabou! Vá fazer suas coisas! Ou será que ainda há tempo dar uma olhadinha naquele post do
Iconoclasta...? Aliás, o que é Iconoclasta...?

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