“Eu achava que era judeu, era muito feliz por isso. Mas aí descobri que era nazista, quer dizer, minha família era alemã. Eu entendo Hitler. Claro que ele fez algumas coisas erradas. Mas eu o compreendo. Claro que não sou a favor da Segunda Guerra, não sou contra judeus, nem Susanne Bier, Israel é complicado. Mas e agora, como termino essa frase?”

 

Nem foi preciso terminar. A celeuma estava instaurada em Cannes. Menos de 24 horas depois de declarar as palavras reproduzidas acima, o cineasta dinamarquês Lars Von Trier foi sumariamente banido da 64ª edição do Festival de Cannes. Voltou pra casa com o título de persona non grata e nenhum prêmio nas mãos. A única categoria em que seu “Melancolia” saiu vitorioso foi a de Melhor Atriz, para a norte-americana Kirsten Dunst.

Os frequentadores assíduos do festival francês já julgam como certas as declarações polêmicas de Von Trier, e o diretor nunca frustra as expectativas de sua audiência. Em 2009, após a sessão de exibição de “Anticristo”, como se o longa não carregasse em sua extensão motivos suficientes para inflamar debates calorosos, o cineasta declarou que havia escolhido o projeto sob a influência da mão de Deus, e que era o melhor diretor de cinema do mundo. O circo estava montado e dividia opiniões: críticos de peso trataram o filme como um fracasso em potencial, dada a sua apelação desnecessária, enquanto outros preferiam classificar a obra como a mais onírica e sexual representação de um pesadelo. A resposta de Von Trier veio seca e direta: “eu trabalho para mim mesmo, não fiz este pequeno filme para você ou para o público, por isso não acho que deva explicar nada a ninguém”.

E quem não se lembra da sutil troca de farpas entre o cineasta e a cantora Björk, após a estreia de “Dançando no Escuro”, em 2000? Apesar de ter recebido a Palma de Ouro e o prêmio de Melhor Atriz em Cannes, o filme foi palco da batalha de esquisitices dos dois astros. De um lado, Von Trier declarava que sua protagonista era “louca” e que trabalhar ao lado dela foi uma experiência “terrível”. Björk rebateu com a seguinte declaração:

“Mas minha experiência com Lars foi bastante aturdida. Fui à casa dele várias vezes e minha sensação era de que ele estivesse apontando uma arma para mim e eu tendo sempre de virar o cano para outra direção. Lars e eu não temos nada em comum. Tudo entre nós é o oposto completo. O 1% de sintonia que tínhamos foi o que fez o projeto ganhar um forma mais humana.”

Sobrou até para a musa Catherine Deneuve, coadjuvante em “Dançando no Escuro”, que declarou que Björk havia ficado tão traumatizada durante o processo de filmagem que seria preciso uma década de descanso até que se recuperasse completamente. Entre tantos desentendimentos, portas batidas e poeira levantada, o resultado do trabalho do diretor e da atriz foi um filme esteticamente deslumbrante e completamente visceral em sua execução.


Uma xícara de polêmica, por favor
 
Não é só Von Trier que carrega em seu currículo uma lista de declarações infelizes e atitudes controversas. Alguns outros grandes nomes também tiveram seus dias de cão e foram alvo de críticas ferrenhas saídas de todos os cantos do globo. O caso mais conhecido talvez seja o do cineasta franco-polonês Roman Polanski, que em 1977 admitiu ter mantido relações sexuais com uma garota de 13 anos. Antes que pudesse ser julgado pela corte dos Estados Unidos, o diretor fugiu para a França e esperou o assunto sumir das páginas da imprensa internacional.

Quando assumiu o caso com a garota, aos 43 anos, Polanski já era reconhecido por filmes que mais tarde se tornariam ícones da Sétima Arte. Em 1965, com “Repulsa ao Sexo”, ele havia iniciado sua “trilogia do apartamento”, que seria finalizada com “O Bebê de Rosemary”, em 1968, e “O Inquilino”, em 1976. Nesse intervalo de tempo, em 1974, Polanski também dirigiu um perfeito representante do cinema noir, “Chinatown”, estrelado por Jack Nicholson e Fane Dunaway. Tantos sucessos colocaram o cineasta em posição de destaque nos holofotes, e não é difícil imaginar o alarde criado em torno de suas declarações.

Antes disso, Polanski já havia experimentado a sensação de estar no centro das atenções: em 1969, o grupo comandado pelo psicopata Charles Manson assassinou a atriz Sharon Tate, grávida de sete meses do cineasta. Em 2003, quando seu filme “O Pianista” foi agraciado com o Oscar de Melhor Direção, o cineasta não estava presente no teatro Kodak, em Los Angeles, e teve que esperar sentado até que o troféu fosse transportado até seu colo. A última polêmica que marcou a vida de Polanski foi sua detenção inesperada, aos 76 anos, em terras suíças, enquanto viajava para o Festival de Cinema de Zurique de 2009. O cineasta foi liberado após pagar fiança de 4,5 milhões de francos suíços (4,4 milhões de dólares).


 

O cineasta, poeta, escritor e filósofo italiano Píer Paolo Pasolini também construiu sua carreira sobre fatos polêmicos que permearam toda a sua vida. Com sua maneira crua e original de ver o mundo, Pasolini fez de seu cinema um grito contra os hábitos de uma sociedade artificial que se consolidava. Seus filmes ousados e contestadores somaram-se ao fato de ser homossexual assumido e ex-militante do Partido Comunista Italiano e serviram para colocar seu nome no centro de discussões sobre o papel da arte. Antes de se dedicar ao cinema, Pasolini havia trabalhado como professor, e é desse período de sua história que surgiu o primeiro boato sobre suas preferências: ele havia tido seu primeiro caso homossexual com um aluno.

Enquanto militava pelo Partido Comunista, destacou-se por sua atuação incisiva e constante participação em manifestações e congressos. Em outubro de 1949, no auge de sua trajetória política, foi expulso do Partido após ser acusado de corrupção de menores e atos obscenos em lugares públicos. Em 1950, para fugir do passado, mudou-se para Roma com a mãe, quando começou a se dedicar ao cinema. A partir da década seguinte, Pasolini realizou verdadeiras obras, como “Desajuste Social”, de 1961; “Mamma Roma”, de 1962; e “Teorema”, de 1968. Entre os temas mais recorrentes em seus projetos: prostituição, perversões sexuais e política.

A carreira de Pasolini foi interrompida em 1975, após o término de “Salò ou os 120 Dias de Sodoma”, crítica ferrenha ao sistema fascista. O diretor foi encontrado morto, com o rosto desfigurado em uma zona histórica de Roma. O processo instaurado concluiu que o diretor havia sido assassinado por um garoto de programa. O fato continuou sendo investigado por dezenas de programas e filmes da TV italiana.

Então, não se surpreenda com a próxima declaração de algum cineasta mais ousado. Afinal, já diziam por aí que genialidade e loucura caminham de mãos dadas.

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Jáder Santana é crítico do CCR desde 2009 e estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Experimentou duas outras graduações antes da atual até perceber que 2 + 2 pode ser igual a 5. Agora, prefere perder seu tempo com teorias inúteis sobre a chatice do cinema 3D.