domingo, 20 de março de 2011

DOT.COM

Realização: Luis Galvão Teles
Argumento: Suzanne Nagler, Gonçalo Galvão Teles (adaptação portuguesa de diálogos)
Elenco: João Tempera, Marco Delgado, Lia Gama, Adriano Luz, Isabel Abreu, María Adánez, Margarida Carpinteiro, Tony Correia, José Eduardo



Trailer
IMDB

Confesso que parti para o visionamento de Dot.Com, o mais recente trabalho de Luis Galvão Teles, com algumas reservas. Muito simplesmente, numa altura em que somos bombardeados com informação proveniente de todo o lado, estamos habituados a saber mais ou menos o que esperar de um filme quando este estreia. Neste caso, talvez por não saber com o que contar, temia desgostar do resultado final. E a coisa até nem começou bem, com a exibição de uma curta-metragem, O Outro Lado do Arco-Íris, de Gonçalo Galvão Teles, recheada de boas intenções mas que raramente é suficientemente interessante para agarrar o espectador. Até que finalmente nos chega o filme, e rapidamente me apercebi como eram descabidas e infundadas todas as minhas preocupações: Dot.Com é uma hilariante comédia à portuguesa, com aldeões simpáticos e desconfiados, senhores-doutores-engenheiros, televisão, picardias com espanhóis e protestos contra o governo ao barulho. Juntemos a isso a Internet e ficamos com matéria mais do que suficiente para soltar algumas gargalhadas.

Afinal, de onde surge este título tão peculiar? Quando Pedro (João Tempera) é enviado à pequena aldeia de Águas Altas para projectar a estrada (e respectiva ponte) que irá ligar a pequena população ao resto do país, resolve criar um site oficial da aldeia, onde vai deixando registadas algumas notícias sobre os fait-diversÁguas Altas, resolve intimar a aldeia com a ameaça de uma multa de 500 mil euros por utilização indevida da sua marca registada num domínio da net. A partir daí, está lançada a confusão, com alguns habitantes em delírio com a possibilidade de ver Águas Altas nas bocas do país (e o mundo), outros (des)esperando pela venda do domínio à multinacional. Daí até chegarem os advogados, as televisões, a igreja e os políticos é uma questão de tempo, contribuindo cada um deles para a completa anarquia. E, com efeito, devo admitir que dá gosto assistir a esta parada de portuguesismo puro no grande ecrã (e em scope, nada menos), sem vergonhas de qualquer espécie, intelectualismos baratos ou explorações gratuitas de sexo.

O principal destaque vai, em minha opinião, para um elenco verdadeiramente inspirado, estando cada peculiar habitante defendido com unhas e dentes pelos seus respectivos actores. Depois, o argumento surge também ele recheado de momentos interessantes e hilariantes, explorando ao máximo esse espírito tão próprio do Portugal profundo, nomeadamente através de alguns diálogos exímios, muitíssimo bem adaptados ao nosso pequeno grande Portugal por Gonçalo Galvão Teles a partir de um guião original de Suzanne Nagle. Mas o melhor é que, mais do que coleccionar cromos de todas as espécies, o argumento empenha-se em tridimensionalizar as personagens, conferindo-lhes um interesse complementar. E tudo isto aparece bastante bem orquestrado sob direcção de Luis Galvão Teles, tirando o melhor proveito das paisagens naturais da vila de Dornes, onde foi rodado, e dando aos seus actores o espaço necessário para se mostrarem, deixando ainda espaço para um ou outro virtuosismo delicioso, como o plano-sequência na sede de defesa do site.

Esclareçamos: não quero ser mal compreendido na minha apreciação ao filme. Dot.Com não é exactamente uma obra-prima do cinema mundial. Nem tão pouco espero vê-lo a arrebatar prémios internacionais ou a recolher críticas espectaculares. Dito isto, não posso de forma alguma deixar de enaltecer algumas das suas grandes virtudes, nomeadamente aquela que sempre me pareceu a sua principal: a de homenagear a nossa condição de portugueses (com tudo aquilo tem de bom, de mau e de... nosso), sempre com grande humor e carinho pelas personagens. Por momentos, Dot.Com parece para Portugal aquilo que o cinema de Kusturica é para a(s) sua(s) pátria(s), com a diferença de que este país à beira-mar plantado, que sempre resistiu unido a invasões espanholas, napoleónicas, ao fascismo e à má televisão, tem toda uma identidade passível de ser explorada pelo cinema e que me parece até ao momento muitíssimo subaproveitada. Fica então a recomendação para esta singela comédia nacional, quanto mais não seja porque assim ficamos todos a saber que, se fosse vivo, Jesus também teria uma página na Internet.



Paulo Costa 

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