terça-feira, 29 de março de 2011


Vaza na internet inédito de David Bowie
"Toy" deveria ter sido lançado em 2001 e foi engavetado por discordâncias entre o cantor e sua ex-gravadora
Álbum era vendido em sites de compras por mais de 100 dólares, até que fã inglês decidiu compartilhar faixas
DIOGO ANTONIO RODRIGUEZ
DE SÃO PAULO

Depois de se submeter a uma cirurgia no coração, em 2004, David Bowie entrou em silêncio musical por tempo indeterminado.

Desde "Reality" (2003), o cantor inglês não lança um disco novo. O camaleão do pop está em um retiro que não parece ter fim.

Nesse intervalo, fez algumas aparições dando apoio a seus artistas novatos favoritos (como o Arcade Fire), fazendo duetos com Scarlett Johansson e com o David Gilmour (Pink Floyd).

Na semana passada, porém, a voz de Bowie voltou a soar em um disco inédito.

"Toy" deveria ter sido lançado em 2001, mas problemas com a gravadora Virgin -discordâncias a respeito de royalties e os direitos das faixas- condenaram o álbum, o 23º do cantor, ao esquecimento e à clandestinidade.
ALTOS PREÇOS

Algumas versões dele circulavam por sites de venda como o eBay, chegando a custar mais de US$ 100 (cerca de R$ 160).

Até que um fã se revoltou e resolveu que o acesso a "Toy" não deveria ser restrito a apenas alguns fãs endinheirados.

Usuário de um obscuro site de compartilhamento de arquivos, Brigstow, como ele se identifica, decidiu colocar uma versão de alta qualidade de graça na rede.

Em entrevista ao site Torrent Freak, Brigstow, que se diz inglês, disse que "depois de ver que algumas pessoas estavam cobrando 55 libras pelo disco" decidiu "distribuí-lo de graça".

NOVAS VERSÕES

Finalmente, Bowie pode ser ouvido em gravações (quase todas) desconhecidas. Produzido por Tony Visconti, "Toy" é uma mistura de faixas antigas com novas.

"Uncle Floyd" e "Afraid", foram lançadas em "Heathen" (2002), o penúltimo lançado por ele, já em seu próprio selo, ISO. As versões que se ouvem no álbum são um pouco diferentes em relação às lançadas oficialmente.

Depois dos desentendimentos com a Virgin, Bowie decidiu controlar seus lançamentos e se aliou à gravadora Columbia.

Dos tempos mais antigos, "Toy" tem "In The Heat of the Morning", de 1968, uma demo de 1971, "Shadow Man", e "Liza Jane", o primeiro single de Bowie, de 1964, quando ainda se autodenominava David Jones and The King Bees.

"Baby Loves That Way", "Shadow Man" e "You've Got a Habit of Leaving" chegaram a ser lançadas como lados B em singles. As outras cinco faixas restantes eram desconhecidas.

Nem Bowie nem a Virgin comentaram o assunto até agora, mas, a julgar pelas reações na internet, o "lançamento" de "Toy" agradou.




OPINIÃO

"Bowie puro", álbum propõe reflexão sobre as implicações éticas da internet
PAULO RICARDO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais interessante que o fato de que há um novo álbum de David Bowie, o que é uma grande notícia -seu último trabalho de estúdio, "Reality", é de 2003-, é a circunstância na qual ele surge. 

Conceito cada vez mais corriqueiro, o álbum vazou na internet, como se fosse uma espécie de perigoso líquido radioativo. Até aí, tudo bem, álbuns e singles inéditos vazam todo dia dessa improvável caixa de Pandora que é a rede, por definição, cheia de buracos. Mas este caso é diferente. 

Desde "In Rainbows", do Radiohead, um lançamento não propunha tanta reflexão sobre as implicações éticas dessa tecnologia na vida de artistas, fãs e oportunistas. 

Quando eu era garoto, haviam os chamados "bootlegs", gravações raras e caríssimas, em geral de shows. Se o preço de um vinil importado era o triplo de um nacional, um pirata chegava a custar cinco vezes mais. 

Em suas capas de papel-cartão branco, com um folheto mimeografado à frente, cheiravam transgressão, tráfico, aventura, mas, acima de tudo, uma enorme devoção ao artista. Eram trabalhos que jamais seriam lançados por grandes gravadoras. 

Até em 1986, quando compus "Rádio Pirata", o termo ainda continha uma espécie de romantismo, idealismo, contracultura. Mas a coisa mudou. Não preciso explicar que pirataria passou a ser, simplesmente, crime. 

Mas nós, os fãs, usufruíamos desse acesso quase irresponsável que a internet propicia. Até que o Radiohead propôs que cada um pagasse quanto quisesse por "In Rainbows". 

O caso de Bowie, que surgiu no e-Bay e depois foi disponibilizado por um fã, foi ainda mais interessante. 

O CD é muito bom, Bowie puro, alguns momentos melancólicos se mesclando a outros mais dançantes, mas o fato é que, com esse brinquedo novo, as crianças estão se divertindo bastante.
Mesmo tendo diminuído o ritmo desde sua cirurgia no coração, em 2003, Bowie continua sendo o avatar que sempre foi. "Starman."

PAULO RICARDO é cantor, compositor e vocalista da banda RPM.

TOY
AVALIAÇÃO bom

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