domingo, 13 de março de 2011

No escurinho do TEATRO

Cresce o número de cineastas que se voltam à direção teatral; criadores negam que custo menor das montagens seja chamariz
 
Lenise Pinheiro/Folhapress

Cena da peça "O Ruído Branco da Palavra Noite", codirigida por Caetano Gotardo

LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

Em um debate sobre o filme "Por Trás do Pano" (1999), que espia os entreveros do elenco de uma montagem de "Macbeth", a atriz Denise Fraga comentou o fato de o longa de Luiz Villaça ter sido rodado em um teatro:

"Era curioso porque a gente entrava todo dia no teatro, mas para fazer cinema. A câmera ficava no lugar onde fica a plateia, mas tinha de ser uma interpretação para cinema. Mesmo as partes em que a gente fingia que representava no teatro eram representadas [...] como se não estivéssemos num palco".

Doze anos depois, na hora de escolher o texto que marcaria sua estreia na direção teatral, Villaça resolveu mais uma vez embaralhar definições. "Sem Pensar" ("Spur of the Moment", no original), que chega aos palcos em maio, é, nas palavras dele, "absolutamente cinematográfico, em termos de ritmo e simultaneidade da ação".

Veremos então cinema em cena? "Se isso acontecer, vai ser engraçado, porque falaram que "Pano" era teatro no cinema. E quando faço TV [como o quadro "Retrato Falado", do "Fantástico'], dizem que é cinema", afirma.

O "assentamento" audiovisual no território das artes cênicas também abriga Laís Bodanzky, Esmir Filho, Hector Babenco e Caetano Gotardo (veja quadro à dir.), entre outros cineastas que não querem saber de rótulos estanques. Além da inquietação criativa, haveria motivação prática, de caráter financeiro a justificar a intensificação desse movimento -já que peças, a rigor, custam menos do que filmes?

Recentemente, ao anunciar que transformaria o romance "Leite Derramado", de Chico Buarque, em um monólogo, o cineasta Miguel Faria Jr. deixou escapar que a ideia inicial era rodar a saga do ancião Eulálio. No entanto, o orçamento para filmar o ziguezaguear da memória do personagem por vários períodos da história brasileira era proibitivo. Adaptar o enredo para o teatro foi a solução.
CENA SEM CORTE
Ouvidos pela reportagem, cineastas que já se aventuraram pelos palcos ou começam agora a fazê-lo afastam a noção de que o teatro seria um escoadouro de projetos inviáveis para a tela grande.

"Me interessa o desafio de resolver uma cena sem plano e contraplano, corte", diz Villaça. "O mais difícil será desenvolver a intenção certa, o ritmo certo, porque só se tem uma chance [por dia]. No cinema, você faz a cena, monta e nunca mais toca. No teatro, pode mexer no dia seguinte. Dá uma sensação de liberdade, mas também apreensão: a cena nunca vai estar "aprisionada", pronta."

A mesma aflição sente Laís Bodanzky, que estreia "Menecma", sua segunda direção teatral, neste mês. "Às vezes, experimentando nos ensaios, sai uma cena genial, mas só eu vi! Por isso é que o teatro exige uma memória e uma consciência enorme do ator. Não adianta ter o "take" [tomada] perfeito, único. É preciso que ele compreenda aquilo para ser capaz de reproduzir com o mesmo frescor, no palco, várias vezes."

O curta-metragista Caetano Gotardo, que debutou recentemente na direção cênica com "O Ruído Branco da Palavra Noite", lembra que a angústia do efêmero não ronda a sala de ensaios sozinha. "Há a riqueza inerente ao efêmero: o ator depura seu trabalho a cada apresentação, alcança novas dimensões."

Esmir Filho, do curta viral "Tapa na Pantera" e do longa "Os Famosos e os Duendes da Morte", vai registrar esse amadurecimento do elenco com câmeras instaladas no palco de "Kollwitzstrasse 52", peça-instalação que ele começa a ensaiar em breve. "Elas vão fechar planos nos atores, que estarão em diálogo com imagens documentais feitas durante um inverno em Berlim", adianta.

Na mão inversa, o que Laís diz "importar" do teatro para o cinema é o "colo" oferecido ao ator. "Um set de filmagem é um ambiente nada simpático para o elenco: não tem a concentração, o ritual de silêncio do teatro. A grua é tão importante quanto o ator."

Cineasta que começou no teatro, Hector Babenco não se importa com as miudezas a distinguir a direção para teatro daquela para cinema -ou prefere esconder seus ardis para lidar com elas. "É o mesmo que perguntar a um jogador como faz uma jogada. Não há tanta teoria assim por trás das coisas."


FONTE:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0703201109.htm

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