domingo, 15 de janeiro de 2012


Crítica: Sentidos do Amor
O encontro perfeito entre o poético e o trágico. Cotação: OURO.



Sentidos do Amor“: difícil achar uma tradução nacional tão criminosa quanto esta. Você que a leu já deve estar pensando “Olha! Comédia romântica com o gatinho do Ewan McGregor!”. Não minha cara amiga (ou amigo, vá saber…), não se trata de comédia. Perfect Sense é um drama apocalíptico que traz consigo um final triste e trágico, mas ao mesmo tempo de rara beleza. Um filme que deverá passar batido por muita gente, isso se der a sorte de chegar aos circuitos comerciais.

Sinopse oficial do Festival do Rio: “Recuperando-se do fim de um romance que não deu certo, a médica Susan encontra um paciente com um caso peculiar: depois de sofer uma incontrolável crise de choro, ele perdeu completamente o olfato. Susan descobre que, nas últimas 24 horas, outras centenas de casos idênticos apareceram tanto na Inglaterra quanto em outros países próximos, como França, Espanha e Itália. É quando Susan conhece Michael, um chef, e os dois se apaixonam. A jovem médica vive a promessa de um novo amor, enquanto o mundo à sua volta começa a mudar drasticamente.” Escrito por Kim Fupz Aakeson  e dirigido por David Mackenzie.

Só completando a informação da sinopse oficial: as pessoas não perdem apenas o olfato após uma crise de choro. Depois disso, a cada nova crise de emoções, outro sentido é perdido, até que só sobra a visão e o tato. Enquanto isso, acompanhamos também a paixão crescente entre Michael (Ewan McGregor) e Susan (Eva Green), que embora sofra um pouco do mal dos “romances hollywoodianos”, funciona dentro da proposta do filme. 

A própria forma como o relacionamento é filmado por David Mackenzie, mostrando momentos de intimidades do casal e conversas fora de contexto (tipo conversas banais de namorados, não necessariamente ligadas aos eventos da trama), resulta numa naturalidade muito boa, desviando a atenção dos possíveis descasos no texto.

Além disso, Ewan McGregor e Eva Green encarnam seus personagens com muita entrega, assumindo as responsabilidades de prender o espectador aos protagonistas. (Os mais atentos darão um sorrisinho de alegria ao pensar que Obi-Wan está pegando uma Bond girl, mas deixa isso pra lá!)

A parte mais interessante de Perfect Sense é o evento que está tirando os sentidos dos seres humanos a cada crise de emoção. Passível de muitas interpretações, algumas mais óbvias espertamente oferecidas pelo próprio filme (novo vírus, terrorismo, ação radical do mundo capitalista, etc), a “epidemia” ganhou para mim uma conotação muito interessante de crítica ao modo como nos relacionamos hoje em dia. Se numa primeira leitura, o filme parecia flertar com Ensaio sobre a Cegueira, num ponto adiante, a gente começa a perceber  que talvez ele se aproxime mais de A Rede Social do que se imagina. É interessante a forma que David Mackenzie retrata os reflexos da epidemia. Não com pânico constante ou declarações de líderes políticos, mas a partir do restaurante em que Michael trabalha. A cada sentido que vai embora, o restaurante continua. Não mais como um lugar em que se vai apenas para comer, mas como um lugar para sentir e se relacionar. O olfato e o paladar foram embora, mas o ato de ir ao restaurante com os amigos ou com a família, curiosamente, se fortalece.

Então, o terceiro sentido vai embora. Depois de um acesso de raiva coletivo, em que os protagonistas se afastam por causa de uma briga, a humanidade começa a perder a audição. Neste momento, David Mackenzie realiza seus maiores acertos no filme, ao apostar de forma muito ousada na completa ausência de som, imitando a situação vivida pelos personagens, e trazer talvez uma das sequências mais significativas de todo o projeto. Michael, num ato de inocência, liga para a amada mesmo sabendo que está surdo e não poderia ouví-la de volta. O celular perdeu o significado. A imagem do rapaz falando “cegamente” no telefone é muito forte, ao constatarmos que aquele aparelho, e qualquer outro com funções semelhantes, não serviria para mais nada. É o Rede Social ao contrário. A cada sentido perdido, precisamos estar mais perto ainda para nos comunicar.

Até que a triste verdade vai se aproximando e mundo já fica preparado para perder o quarto sentido. Novamente, uma crise de emoção toma conta de todos antes da perda. Mas desta vez, a humanidade vivencia um surto de, vejam só… alegria e redenção. O casal brigado se perdoa e saem atrás um do outro. Ao se encontrarem, se amando mais do que nunca, perdem a visão a centímetros um do outro, mas conseguem se achar na escuridão. Neste momento, completamente inaptos de viver no mundo que a humanidade criou, mesmo sabendo que em breve estariam mortos de fome, o casal se toca, se abraça e se beija. E só assim, eles encontram a paz.

Filme certificado com o Prêmio Panda de Ouro.

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