quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Amor por Contrato

Crônica sobre consumismo surpreende positivamente... até o seu desfecho chegar.



Quem nunca desejou ter um tênis ou uma bolsa igual a do amigo(a)? Quem nunca quis imitar o modo de se vestir de sua vizinha ou de uma mera passante pelas ruas da cidade? Quem nunca arregalou os olhos para o belo carro do bem-sucedido colega de faculdade? E se todas essas pessoas fossem pagas para usarem esses produtos e provocarem a inveja em você, fazendo-o ir às compras imediatamente? Pois esses farsantes existem no mundo cinematográfico. Eles protagonizam este “Amor por Contrato”, uma surpreendente crônica sobre o consumismo que fará os publicitários mais fanáticos vibrarem.



Aqui essas pessoas integram uma única família, mesmo que de mentira. Eles formam os Jones, uma unidade de venda disfarçada, instalada logo na casa ao lado. E eles não poderiam ser mais perfeitos. Bonitos, ricos e extremamente simpáticos, eles acabam de se mudar para um bairro da alta sociedade norte-americana a mando de uma empresa de publicidade chamada LifeImage, que tem como objetivo acelerar as vendas nas redondezas do bairro. Habitando uma mansão nada menos do que espetacular, essa família provoca as mais previsíveis reações nos vizinhos.




Quem lidera a trupe é a mãe Jones, Kate (Demi Moore), uma mulher doce, mas extremamente ambiciosa e competente quando o assunto é promover produtos. Ela faz par (pela primeira vez, depois de seis “maridos”) com Steve (David Duchovny), um novato no ramo que parece ter enorme potencial. Seus “filhos” são o casal Mick (Bem Hollingsworth) e Jenn (Amber Heard), os mais bonitos da escola e da faculdade, respectivamente. Juntos eles são uma estratégia de marketing inovadora e que começa muito bem ao despertar em seus recentes “colegas” a ânsia por comprar impulsivamente, sem medir o que realmente podem gastar.



Partindo de uma premissa bastante original, o primeiro filme do diretor Derrick Borte aposta em uma crítica explícita a sociedade de consumo, onde nunca se está satisfeito com o que tem, onde o “quero mais” é expressão de ordem. Dispensando uma comicidade barata que longas sobre o assunto costumam optar, “Amor por Contrato” adota um tom sóbrio que o permite transitar do romance ao drama, trazendo certa profundidade aos seus personagens e deixando bem clara ao público a seriedade de sua mensagem.



Por mais absurda que possa parecer a ideia principal da trama, a direção segura de Borte e o competente roteiro dele mesmo, a partir do argumento de Randy T. Dinzler, transforma-a em um convincente golpe publicitário que deixará os profissionais da área se lamentando pela oportunidade perdida. Os Jones são uma família-modelo (ou de modelos) que vendem absolutamente de tudo, da mobília da casa ao batom, do tênis ao celular, da comida congelada ao carro importado.



E quando todos começam a os imitar, não há exageros nas cenas escritas pelo cineasta. Talvez a própria realidade já traga consigo o seu grau de absurdo, que se torna dispensável incrementar com caricaturas. Então, aqui não temos patricinhas, dondocas, “filhinhos de papai” ou estereótipos do gênero. Aqui temos pessoas reais que não conseguem controlar o impulso de gastar, que nunca estão satisfeitas se não tiverem em pouco tempo o que o vizinho esbanja a toda hora.



No entanto, depois de construir seu universo satírico, o longa falha em seu terceiro ato ao desviar a atenção da história para um envolvimento amoroso que, por mais que não pudesse ser deixado de lado, ganha uma demasiada notoriedade em frente a mensagem principal da trama. Nem a boa química entre o casal justifica o motivo para o exagero de açúcar antes da subida dos créditos, quando tudo deveria terminar no fechamento de um ciclo vicioso e sem esperança apresentado pelo roteiro, o que daria um ponto final ousado para a produção.




Além disso, há excessos de inocência no tratamento dado ao núcleo coadjuvante formado pelos vizinhos da família. São eles os personagens escolhidos para servirem de exemplo dos exageros do consumismo, mas as consequências de seus atos não poderiam ser mais inverossímeis. Em suma, o roteiro força uma lição de moral demasiadamente didática e acaba por desmoronar, em parte, toda a credibilidade e inteligência de sua crítica exibida na primeira hora. E tudo em um nível dramático que vai além do que a direção pode alcançar.



A edição dinâmica e as boas performances do elenco (especialmente por parte de Moore e Duchovny) são mais pontos a favor de “Amor por Contrato”. Dono de uma ótima premissa e uma execução cheia de qualidades, o filme, porém, se rende a necessidade de se tornar comercial e acessível, tornando a tradução de seu título no País mais adequável do que possa aparentemente parecer. Mesmo assim, ainda vale conferir as boas intenções da obra.



Darlano Didimo

http://www.cinemacomrapadura.com.br/

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