Em Outubro de 1979, o Hospital Anseong está prestes a ser demolido.O Dr. Park Jeong-nam (Jeong) revê um álbum de fotografias resgatado do edifício, e as imagens reavivam-lhe memórias do passado, transportando-o a quatro estranhos dias de Fevereiro de 1942, altura em que era estagiário naquele hospital. Sobrepõem-se três histórias, confluindo para o necrotério.
A primeira, parte do cadáver de uma jovem que se suicidou (Yeo); a segunda, concentra-se numa criança traumatizada, única sobrevivente de um acidente que vitimou toda a família (Go); e a última, num casal de cirurgiões (Kim Tae-wu e Kim Bo-gyeong).
O cinema de terror coreano tem trazido ocasionais propostas interessantes.
Ainda hoje é comum referirem-se «Memento Mori» (1999) e «A Tale of Two Sisters» (2003) como os melhores filmes de terror produzidos na Coreia do Sul nos últimos anos, dada a falta de títulos fortes.
«Epitaph» poderia yer dado errado, tendo em conta o ponto de partida de uma estrutura narrativa pós-moderna, que começa no “presente”, 1979, vai até um dia de 1942 e depois apresenta três histórias – interligadas e sobre o mesmo cenário, o Hospital Anseong – em ordem cronológica invertida. Quando a primeira termina, uma legenda anuncia: “Um dia antes”.
No entanto, esta opção narrativa não é apenas desejo de fundir nossa cuca por dos realizadores.
Na medida em que a inversão da cronologia natural não pretende explicar ou rever elementos já apresentados, assinala o início de narrativas que são, afinal de contas, paralelas às que se apresentam depois.
Algumas opções de montagem podem parecer estranhas ou, no mínimo, irregulares.
As personagens centrais à segunda e terceira história são como que removidas da história antes de chegar a altura de entrarem em cena.
Quando avançamos na narrativa, esses momentos são contextualizados com a presença dos que antes estavam escondidos.
A divisão em três capítulos, se assim se pode dizer, quase sugere estarmos perante um filme por segmentos, mas mantém-se a unicidade narrativa centrada na personagem de Jeong-nam (interpretado por Jin Gu, quando jovem), que abre e encerra o filme em 1979 e está presente na acção situada 37 anos atrás, ainda que seja a personagem central de apenas uma das histórias.
Os fantasmas marcam presença, sendo a característica mais saliente do filme – se o quisermos categorizar num sub-género do terror – , mas existe também uma vertente de assassínio em série, a desenvolver no segmento final.
Ainda que a ação decorra em épocas importantes da história recente da Coreia, as características dos períodos não são essenciais em termos narrativos, sendo inclusive tratadas com casualidade. A história inicia-se em Outubro de 1979, no mesmo mês em que o ditador Park Chung-hee [Park Jeong-hui] foi assassinado, e é reencaminhada para uma altura em que o país estava sob o domínio do Japão.
Apesar de uma das linhas narrativas envolver um assassino em série que, aparentemente, tem como alvo apenas soldados japoneses, não existe intenção expressa de vincar noções de patriotismo nem personagem alguma insinua, sequer, desejo de resistência face à potência ocupadora. Mais do que isso, Akiyama (Kim Eung-su), o oficial japonês que investiga os homicídios, é a face da Lei e uma figura do Bem.
Apesar da “casualidade” narrativa, não há inocência dos realizadores (e roteiristas) ao situarem um filme de horror em duas épocas da História recente da Coréia em que a liberdade da população esteve cerceada – primeiro, pela ocupação de uma potência estrangeira que procurou a aculturação da população ocupada, patente, por exemplo, na obrigação da utilização de nomes japoneses por parte dos cidadãos coreanos; depois, pelo regime ditatorial de Park, que continuaria com Chun Du-hwan até 1988.
No seu primeiro longa-metragem, os Irmãos Jeong demonstraram segurança e domínio da linguagem de género, evitando enveredar por caminhos previsíveis.
A componente visual, sobretudo a nível da composição, é também marcante, com algumas imagens muito belas, incluindo a ilustração de sonhos e visões. Poderá surpreender que, tal como os realizadores, também o compositor e o diretor de fotografia, Yun Nam-ju, não tenham créditos anteriores em longas-metragens.
Juntam-se dois ou três momentos realmente arrepiantes e eis que temos um filme de terror que não se pode deixar de recomendar aos fãs do género.
Gidam [Epitaph] (Clique aqui, e assista o trailer)
기담
Realizado por Irmãos Jeong [Jeong Sik & Jeong Beom-sik]
Coreia do Sul, 2007 Cor – 107 min.
Com: Kim Tae-wu, Kim Bo-gyeong, Lee Dong-gyu, Jin Gu, Go Ju-yeon, Kim Eung-su, Ye Su-jeong, Yeo Ji, Jeong Ji-an, Choi Jae-hwan; Participações especiais: Jeon Mu-song, Park Ji-a, David Lee McInnics, Eom Ji-won
Gênero: Drama/Horror/Crime
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