quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Aparecida – O Milagre - Crítica 2




Certo e errado, bom e mau, céu e inferno: o maniqueísmo no cinema brasileiro.



Abordar temáticas religiosas no cinema é sempre arriscado. O natural distanciamento da religião é traço de uma juventude que prefere gastar o tempo livre com filmes de grandes estúdios. Aqueles que seguem os ditames de outras crenças também passam longe. O que resta ao diretor é procurar fisgar o público específico de fiéis daquela religião que se propôs a retratar. E se vai falar para camadas inteiras de religiosos em nível consideravelmente praticante, fugir do didatismo é quase impossível.



A cineasta Tizuka Yamasaki não teve medo de tornar explícita sua opção pelo didatismo religioso em seu novo trabalho, “Aparecida – O Milagre”. Em meio ao lançamento de filmes e livros que divulgam a doutrina espírita e alcançam grande êxito comercial, os católicos brasileiros podem encerrar o ano com uma mensagem de fé e resignação bem ao gosto do que é ensinado pela igreja. Se a direção não estivesse nas mãos de uma personalidade conhecida no mercado audiovisual brasileiro, qualquer um apostaria que seria resultado do projeto pessoal de algum padre superstar em voga na mídia.



A trama se aproveita do drama familiar vivido por Marcos (Vinicius Franco) para divulgar os benefícios de uma vida ligada a fé. Quando criança, o protagonista gastava seu tempo entre as ladeiras da cidade de Aparecida, considerada o santuário da fé no estado de São Paulo. Filho de devotos de Nossa Senhora Aparecida, Marcos assistiu, durante toda a sua infância, ao papel de destaque que a imagem sacra recebia em sua casa e na vida de seus pais. A reviravolta em sua existência acontece após a morte do pai (Rodrigo Veronese), que despencou das alturas enquanto trabalhava na construção da Basílica Nova.



Com um salto de 30 anos, e após rejeitar qualquer traço da cultura católica, conhecemos o novo Marcos (Murilo Rosa), um empresário bem sucedido que não precisa do auxílio divino para administrar suas posses e sua vida. O conflito da vez fica a cargo de Lucas (Rodrigo Faro), o filho rebelde que prefere o mundo do teatro ao mundo dos negócios. A discordância é motivo para brigas frequentes, e em uma delas o jovem foge de casa e sofre um acidente quase fatal. Desenganado pelos médicos e rejeitando qualquer demonstração de fé, Marcos inicia uma jornada espiritual em que todas as suas crenças esquecidas serão reavivadas.



É evidente o tratamento maniqueísta que o filme concede aos personagens em suas diferentes concepções de catolicismo. Enquanto criança, embora sem dinheiro para uma chuteira de futebol, o protagonista encontrava força na fé dos pais e compartilhava um ambiente de alegrias constantes e paisagens bucólicas. O Marcos empresário e cético não consegue desenvolver relações duradouras, destruiu o seio familiar e ganhou o vício do alcoolismo. Ao público é apresentado, sem disfarces, o que Deus dá e o que Deus tira.



A preocupação dos roteiristas (Carlos Gregório, Paulo Halm, Pedro Antonio e Marco Schiavon) em didatizar o conteúdo é tamanha que tudo parece funcionar de modo acessório para o real propósito do filme. Afinal, para quem importa a trilha sonora, direção de arte e fotografia quando a mensagem divina está em projeção?



Pressionada pela força descomunal de uma crença milenar, nem Tizuka nem sua equipe puderam cuidar de aspectos importantes do filme. Se comparado aos lançamentos do ano com temática religiosa, “Aparecida” ganha posição de destaque pela falta de qualidade técnica e visual. As falhas de edição e os cortes precipitados entre as cenas permeiam toda a duração do filme, assim como a trilha sonora infantil e pouco eficiente. A composição dos quadros parece artificial e pouco trabalhada, de modo a não roubar a atenção do público para assuntos de importância “secundária”.



O time de atores parece desconfortável – talvez constrangido – com a qualidade do trabalho. Murilo Rosa, Jonatas Faro, Rodrigo Veronese, Leona Cavalli, Maria Fernanda Cândido e Leopoldo Pacheco não alcançam uma atuação convincente e parecem pouco expressivos durante todo o filme. A atriz Bete Mendes, como a mãe do protagonista, e o ator que viveu Marcos quando criança são os destaques da trama, com interpretações mais encorpadas e naturais.



Ao final do longa, o que nos resta é o convencimento de que o pior tipo de cinema é aquele explicitamente doutrinário. A pobreza dos argumentos, as tentativas de imposição de valores, o maniqueísmo das situações e o desleixo com a parte técnica são motivos para fazer de “Aparecida” um filme que deve ser esquecido. O “milagre”, neste caso, é permanecer no cinema até o final de sua exibição.



Jader Santana



Nenhum comentário:

Postar um comentário