sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Ainda é possível ver filmes no cinema?




Editoria Cinequanon


1 - Ainda é possível ver filmes no cinema???

Cada dia mais, o comportamento do espectador na sala de cinema tem chamado a atenção. Ele faz da sala de cinema uma extensão da sua casa não diferenciando uma sessão de DVD com amigos de uma sessão de cinema na sala escura. A falta de respeito é gritante, alheio aos vizinhos, o mau espectador fala durante o filme todo sem se incomodar com “psius” ou qualquer outro tipo de reprimenda, atende celular e fala durante a sessão, além de mastigar ruidosamente sua pipoca e chutar o espectador da fileira da frente.


Foi-se o tempo que na sala escura, o espectador, seja ele mais ou menos cinéfilo, podia se entrega a um ritual quase religioso, sagrado. Aquilo que Mauerhofer chamou de “situação cinema” , situação descrita por Arlindo Machado em “Pré-cinema e pós-cinema”:


“Ela se caracteriza, antes de mais nada, pelo completo isolamento do mundo exterior e de todas as suas fontes de perturbação visual e auditiva. Uma sala de cinema ideal deveria ser inteiramente vedada, para impedir qualquer entrada de luz ou de ruídos do exterior. Qualquer outro ponto luminoso que não a tela, mesmo que se trate do letreiro com a indicação de saída de emergência , já é suficiente para distrair a atenção e perturbar esse estado de disponibilidade em que se acham os espectadores. Da mesma forma, uma projeção cinematográfica exige dos espectadores o silêncio e a gravidade de uma cerimônia religiosa. Não se admitem conversas no cinema; o riso ou o espanto só cabem nos momentos programados para eles; uma simples tosse pode ser suficiente para comprometer o envolvimento no espetáculo. Se algum espectador espirituoso penetra na sala de exibição gritando ou falando alto – portanto, despertando os espectadores do estado de torpor exigido pela situação cinema – seguramente provocará nos outros uma ira que não difere muito daquela manifestada pelos pioneiros de Platão ao serem desacorrentados pelo individuo liberto”.


Estatuto do cinéfilo em BH, lanterninha bedel para expulsar da sala os maus espectadores, entre outras medidas estão sendo discutidas e adotadas. Mas será que é possível reverter esse quadro? Ou será que experiência cinema mudou e a situação cinema de Mauerhofer é coisa do passado?


Está aberta a discussão.







Fernando Watanabe
 
2 - Questão de postura

A questão, se não é exatamente nova, vem ganhou proporções mais evidentes com a proliferação de multiplexes no Brasil. Como tais complexos se localizam principalmente em shoppings, assistir a um filme passa a se integrar a um pacote de consumo/divesão/segurança para toda a família. O cinema é complemento ao lanche na praça de alimentação e às compras nas lojas. O que impressiona é que tal tipo de comportamento tenha se estendido para as salas que até então são conhecidas como o "circuito de arte". Afinal, apesar desse circuito ser freqüentado por um outro tipo de público, tais espaços não deixam de ser parte de um parque exibidor comercial, cuja lógica de funcionamento é o consumo. Consumo de cultura. A avalanche midiática nos sufoca com publicidade de massa, notícias fresquinhas, guias de consumo em jornais, tudo isso aliado a um tempo cada vez mais reduzido que os filmes duram em cartaz. Isso nos leva a acreditar que o ataque midiático deve nos instigar a consumir os filmes fresquinhos, para estarmos atualizados, para simplesmente nos distrairmos, para sonharmos, etc. É frágil generalizarmos a coisa, mas parece que hoje o consumo está acima da paixão. O utilitarismo está acima de qualquer desejo. O possuir cultura está acima do aprendizado. O cinema não é encarado como janela para o mundo e auto-descoberta pessoal, mas como produto que satisfaça nossas necessidades de prazer individuais. Cinema é tudo isso. Já o aspecto que consideramos mais importante varia.


E falando em ritual, acho que ele continua existindo, de outra maneira. E mais, parece que hoje o ritual é mais importante do que os próprios filmes. A divulgação na mídia, pré-estréias de gala, festivais, festas, prêmios acumulados, se programar para ver tal filme, ir ao local de exibição, comprar ingresso, entrar na sala. Tudo isso faz parte. O fato insólito ocorre quando somente esses fatores bastam e o filme passa diante de nós, mas, na verdade, nós não vemos nada. Acabou o filme (seja ele bom ou ruim) está finalizado o processo, sem extensão para a vida, e conseqüentemente, sem crença no cinema. Cinema como alienação e fuga. Fora da vida. O que nos leva a praticar o ritual de ir ao cinema? A resposta é individual, claro, e é perigoso falar em "público" de forma genérica. É um velho chavão, mas "cada um é cada um". Da mesma forma, será que no passado, numa sessão popular de Chanchada, com ingressos mais acessíveis, todas as pessoas se comportavam dessa maneira "bem educada" e polida? Se a pessoa que vai ao cinema não se porta adequadamente, esse modelo adequado diz respeito à forma idealizada e religiosa que encaramos o cinema, que não necessariamente precisa ser a de todos. Fazer o quê? Baní-la das salas? O estatuto do cinéfilo de BH diz que sim, mas só depois que esta tiver pago o ingresso. Do contrário, se houver uma seleção darwinista anterior à entrada nas salas que diga "você não está no lugar certo, por favor vá a outro cinema onde você possa se comportar assim", os exibidores irão à falência e o cinema como ritual acaba. E o ritual hoje é importante. Na lógica do consumo, é simples: pagou, tem o direito de assistir. Daí a se comportar de forma adequada ao espaço (seja ele multiplex de shopping, sala de "arte" na Augusta, Cinemateca ou CCBB) é questão de mentalidade individual. Mas acima de tudo, é quando esperamos que os outros pensem como nós, mas não é assim, ir ao cinema pode ter mil motivos obscuros que dão pano pra manga para debates sociológicos e psico-analíticos e as individualidades são múltiplas. A "Situação Cinema" de Mauerhofer não me parece ser um modelo teórico e elitista utópico que define o ritual, mas antes de tudo, uma crença pessoal de como ele encara o cinema.







Fábio Yamaji
 
3 - "Criticar quem fala no cinema tá virando desrespeito ao indivíduo"

Acho que a combinação de vários fatores contribui para este cenário do comportamento das pessoas dentro da sala de projeção. Uma delas é o individualismo que a tecnologia lhes outorga, e mal acostuma: todos têm seu próprio telefone, câmera fotográfica, music player, video player, video game. Esses gadgets oferecem a confortável opção de fazer programas próprios, começar e parar a música, vídeo ou jogo quando for conveniente, em qualquer lugar. Dispensam-se DJs, VJs, curadores, programadores. Assim, as pessoas se vêem no direito de controlar tudo à sua maneira, de compartilhar suas descobertas com quem estiver por perto (ou mesmo longe, pela internet) e de se comportarem como se estivessem sozinhos no mundo. Elas comentam e assistem junto com os amigos os vídeo no youtube, os vídeos no iPod e os vídeos na sala de estar - porque não também os filmes no cinema? Falar durante o filme virou hábito casual. Criticar quem fala no cinema tá virando desrespeito ao indivíduo. E se o cara pagou, supostamente tem direito de falar (testemunhei esse abuso).


Outro possível motivo para este fato é geográfico: as salas de rua fecharam e abriram-se centenas dentro de shoppings. Cinema virou item de "lazer e consumo", e não mais de "lazer e cultura" (nem vou citar aqui "reflexão e cultura"). Neguinho vai lá comprar roupas, eletrônicos, DVDs, cartuchos de impressora, comida e 2 horas de diversão. E pra cada um desses itens existem várias opções. Nada contra, adoro essas praticidades da vida moderna - mas o cinema passou a atrair um público diferente dos que freqüentavam as salas de rua. Um público que hoje é maioria - não-cinéfilo, impaciente, egoísta, folgado. Portanto, não por acaso, as salas de porta de rua que resistem abrigam as platéias mais respeitosas. Platéia formada, em boa parte, por pessoas que conhecem cinema, escolhem o filme por antecipação e se deslocam pra sala certa - com o objetivo único de ver filmes em suas melhores condições. Sem blá-blá-blá.


Mas as próprias salas também têm culpa nisso tudo. Fazem questão de informalizar o ambiente, sem considerar possíveis incômodos que certos luxos possam causar. E não se esforçam em eliminar pontos que dispersam a atenção do espectador. Permitem a entrada de pessoas no meio do filme, vendem pipoca, bebida e sorvete dentro da sala, deixam o ambiente na penumbra - e não na escuridão, localizam portas debaixo da tela, enchem a sala de luminosos, acendem as luzes durante os créditos finais, endossam a conversa em voz baixa (e quem tiver reclamações deve comunicá-las imediatamente, durante do filme) e permitem que seus funcionários usem walk-talkies com a sessão começada.


Enfim, o desrespeito não vem só de casa, mas habita também o local da projeção. Será possível reverter esse quadro? Acho difícil. Tende a piorar. Mas a real experiência do cinema resistirá nos poucos lugares que a valorizam.







Márcia Schmidt
 
4 - Está ficando cada vez mais difícil...

Está ficando cada vez mais difícil entrar na tal "situação cinema". Antes só nas salas do "grande circuito" e shoppings é que nos irritávamos com a falta de educação dos freqüentadores, o que já era esperado, aliás. Agora até nos circuitos mais "alternativos" reina a barbárie. Até na mostra. Conheço muita gente que se irrita com este problema, cada vez mais freqüente, inclusive amigos que comentam como foi a sessão do filme, e não o filme em si, tão desgastante é a situação, agendando revisões, pois não conseguiram "se concentrar". Para poucos o cinema continua sendo um lugar sagrado (que é). Vamos ter que desenvolver técnicas especiais de hiper-concentração, transe, ou sei lá o que, pra conseguir atingir o estado necessário pra se ver um filme? Saco!







Cid Nader
 
5 - Aquilo de que eu tanto gosto é cinema mesmo?

Ano passado: sábado à noite e lá vou contra minhas convicções assistir ao filme “Match Point”, de Woody Allen, num cinema de um shopping-center classe média alta de São Paulo. Contra minhas convicções porque sou daqueles que faz até promessa para não ter que enfrentar o público típico que freqüenta essas salas, nas sessões noturnas e, principalmente, aos sábados. Resolvi correr o risco porque fui convidado por uma grande amiga que queria conhecer melhor aquelas salas que haviam ganhado o sugestivo apelido de “cinema boutique” e porque já havia visto o filme em uma cabine para a imprensa e gostei tanto que me fez imaginar valer o risco tal empreitada na expectativa de conferi-lo novamente. Tensão incontrolável a tomar conta da minha tentativa de racionalidade – sim, porque fui, durante todo o trajeto, tentando mentalizar e racionalizar que assistir a uma obra da qual havia gostado tanto nas futuras circunstâncias desfavoráveis que provavelmente iria encontrar dentro daquele templo do consumismo deveria ser encarado com boa vontade, espírito crítico (quanto a barulhos, mastigadas, chutes involuntários nas costas de minha cadeira e comentários impertinentes) desarmado; situação de semelhança a um passeio antropológico...


Mas não. De nada estavam valendo as minhas tentativas interiores. Já na fila - ouvindo comentários dos mais diversos, entremeados por cálculos estrategicamente calculados sobre quantidade de barulhentas pipocas a serem compradas e momentos propícios para o reabastecimento – ficava antecipando e remoendo o suplício que seria assistir ao filme dentro de meu templo sagrado, no meio de uma multidão de infiéis e impuros ateus consumistas. Filme rolando, as pessoas atentas, conversando, chutando, mastigando, levantando-se para o reabastecimento planejado, rindo nas horas mais impróprias. Eu tenso, não conseguindo me fixar na tela, atento aos mais sutis dos ruídos ou movimentos em meu entorno, não conseguindo perceber a exuberância explosiva de Scarlet Johanson que havia me hipnotizado na silenciosa e civilizada sessão da cabine. Minha cabeça girava. Eu praguejava interiormente. Minha amiga gostando do filme e atentíssima à tela – não conseguia perceber se ela fazia coro em atitudes e ruídos aos outros insanos da sala...


De repente, como um raio, uma iluminação ou a paz celestial, uma verdade brotou dentro de meu cérebro perturbado, e meus pensamentos - que estavam tontos e grogues já há tanto tempo que estavam lutando dentro de minha cabeça que não parava de girar – pausaram e, organizadamente, enviaram-me a mim mesmo algumas questões que perturbaram e criaram outras possibilidades: o que é o cinema mesmo? Aquilo de que eu gosto tanto é cinema? Assistir a um filme imaginando a sala como um templo e a tela como um altar significa que eu entenda ou goste mais do cinema do que aqueles outros que estão lá para se divertir, mediante caro pagamento – preços de ingressos, pipocas e bebidas extorsivos - ? Não foi assim que o cinema surgiu? Não se vibrava e urrava a cada estocada do caubói contra o “irracional” índio pele-vermelha? As pessoas não riam e cantavam acompanhando bolinhas que passeavam sobre as letras das músicas escritas na película? A indústria do entretenimento não passou a se interessar mais e mais pela arte por conta das manifestações ostensivas de apreço do público pelos seus ídolos?


Não consegui mais prestar atenção no filme, mas já não mais por “raiva” do público que me circulava, e sim porque haviam caído algumas verdades no meu colo. Se alguns segmentos do cinema são arte, produtos diferenciados e culturais – e nisso eu creio, e é atrás desse tipo de construção que eu corro – outros tantos, um bocado mais numerosos, estão aí para preencher a questão da diversão pura, descompromissada; a maioria corre atrás do entretenimento. Percebi que, se eu tenho direito de assistir a um filme como se estivesse numa igreja, rezando à procura do divino; outros tantos também devem ter o direito de assistir a seu modo (gostam de participar ativamente – até interagir). A questão passou a ser encarada por mim como algo de teor muito mais particular, cheio de propriedades únicas e próprias do que até então sempre imaginei. Lógico que chutar cadeira é falta de educação. Conversar durante o filme pode significar burrice porque afinal pagou-se para entrar. Atender a um telefonema – isso sim - nem deveria merecer comentário. Mas são casos isolados, dentro de uma discussão que, me parece, sai das cabeças dos cinéfilos mais “respeitosos” para enveredar por opiniões que execram qualquer tipo de manifestação ou balançar um pouco mais agitado de cadeira.


Se o que se discute é a falta de educação, é de se entender que cada um imagina a vida de modo próprio, foi criado dentro de circunstâncias particulares a seu meio, e tentar impor meu modo pareceria uma atitude de pouco respaldo dentro do que compreendo como direitos e individualidades. É de bom tom se exigir um pouco mais de concentração dos que pagaram para “participar” de um evento cinematográfico. Mas, se não gosto do modo de comportamento “somente expansivo” de uma determinada platéia, acho mais de bom tom ainda procurar meus horários, minhas salas, meus lugares diferenciados dentro de uma sala. Uma vez o crítico Luis Carlos Merten questionou esse tipo de comportamento expansivo, perguntando se num teatro, ou num balé, ou numa ópera, era permitido a venda de pipocas; e concluiu: “se o cinema também é uma forma de arte, também acho que deveria merecer o benefício de tal proibição”. Por outro lado, houve alguém, em algum momento qualquer, que sabiamente definiu o cinema como sendo o “futebol das artes”.


São questões e colocações que coloco como uma tentativa de imaginar opiniões mais inteligentes concordando, divergindo, pedindo ou sugerindo mais discussão sobre o assunto. Para terminar, vale lembrar que existe uma lei municipal determinando a aplicação de uma multa para quem atender a um telefone celular dentro da sala de cinema com o filme em execução.







Heitor Franulovic
 
6 - Para mim tudo depende do local, do filme e do publico

Pra mim vocês estão com uma visão um tanto quanto apocalíptica. Sim, pessoas falando são irritantes, mas não é a maioria. Se você não aprova tal atitude, não se aproxime dos locais onde ela é mais comum (shoppings). As salas "cult" continuam bem freqüentáveis por quem quer aproveitar ao máximo, ou em grande medida, a experiência do cinema. Além disso acredito que outro fator é o próprio filme em exibição. Ir assistir a um filme como “Borat” (excelente!) tem a ver com falar, rir e expressar seus sentimentos, sendo tais expressões, ruídos, etc parte da proposta do filme. Pelo contrário, ir assistir a um filme como “O Sussuro dos Deuses” nos traz outro conjunto de ações/reações que se aproximam mais da "situação cinema". Podemos inserir aqui também os diferentes públicos existentes, de acordo com cada. Se você não consegue se concentrar com um mínimo de ruído a solução então é ir assistir filmes como “O Sol” (um porre!), lá certamente pelo tipo de público que busca tal obra, você não encontrará problemas. Para mim tudo depende do local, do filme e do publico. Busque, o que mais te satisfaça.







Anahí Borges
 
7 - É possível um Estatuto de Etiqueta?

Dizer sobre o comportamento adequado e esperado para uma sessão de cinema é algo que considero delicado. Digo isso porque assim como muitos amigos meus, me sinto incomodada com determinadas posturas dentro das salas: como conversas, comentários sobre o filme, barulho de saquinhos, crocantes, pessoas que falam ao celular e, inclusive, aquelas que apóiam os pés sobre a cadeira da frente. Nunca me conformei com essas situações e achava que o correto era de fato não aceitá-las. Até que assisti a uma palestra com Luiz Gonzaga – Diretor de Relações Institucionais do Grupo Severiano Ribeiro (a maior rede de salas de cinema nacional). Nessa palestra compreendi definitivamente o aspecto do cinema como produto comercial, e as salas de cinema como um espaço de consumo, escancarado e esmagador: consumo cultural e de serviços, de idéias, de pipocas. Em algumas salas do México são servidas verdadeiras refeições!!! Nossa. Que absurdo! Será mesmo?

Termos usados por Gonzaga: “circuito café” e “circuito pipoca”. No “circuito pipoca”, o espaço das majors, sejamos claros, o espectador quer consumir. Consumir o programa de sair com os amigos, independentemente do filme que está sendo exibido. Na verdade, qualquer um daqueles 6, 7, 8 filmes disponíveis vale o ingresso. O que mais conta é a quantidade de comes disponíveis, a pipoca que estará em seu colo (e que ainda pode ser recarregável) e a paquera que estará ao lado, ou mesmo a turma toda, porque aí vai ser “mó barato ficar zuando no meio do filme”. A maior preocupação dos executivos desse circuito, segundo Gonzaga, é de torná-lo extensão da experiência doméstica da televisão (por isso as poltronas reclináveis e as comidas, que grosseiramente ilustram o modo como costumamos deitar no sofá e comer para ver algum programa na tv). Contrário a esses espaços, existe o “circuito café”: são as salas dos filmes de arte, de um público mais elitizado e intelectual, muitas vezes, sustentado pelas aparências e pedantismo, espaço onde o que interessa é o filme que será visto. As companhias são sempre bem vindas, antes ou depois da sessão, tomando um cafezinho e conversando sobre filmes e outras expressões culturais. Foi aí que percebi que meu ambiente é o “circuito café” e comecei a questionar a minha classe sócio-cultural e o que antes via como falta de respeito dentro das salas de exibição.

Pensei então na origem do cinema industrial americano: os nickelodeons imensos, espaços completamente populares. Como esse público se comportava na sessão? E na Itália, o surgimento do conceito do “cinema de arte”: como o público se comportava nesses espaços? Muitos filmes ao representar a sala de exibição o contextualizam num universo popular, como espaço de convivência, de confidências, do ti ti ti, de gritaria, de interação do público com a obra.

Então percebi que, de fato, falar sobre um comportamento correto dentro de um cinema não é simplesmente recorrer a algum tipo de "Estatuto de Etiqueta" (que convenhamos, seria redigido pelo público do “circuito café”), mas sim, é falar de classes sociais, de diferenças de classes sociais, reconhecer que existem determinados comportamentos que regem a ordem da pipoca e àqueles que regem a do café, e ambos, evidentemente, seguem a ordem maior e mais importante: a ordem do mercado.

Fernanda Montenegro em entrevista concedida à "Folha de SP" quando da estréia de “O Outro Lado da Rua” disse que não via a hora desse filme ser exibido no Festival de Recife para que ela verificasse, ali, no meio de centenas e centenas de pessoas, o resultado da cena de amor que fez com Raul Cortez. E não poderia ser em nenhum outro lugar. Tinha que ser naquele festival popular, com as pessoas se manifestando ali, na hora, em bom tom. Acabada a cena de amor, o público aplaudiu e gritou incessantemente, assim, no meio da sessão. E naquele instante Fernanda Montenegro acreditou que a cena ficou boa, agradável, bonita. Não ficou vulgar, insólita nem esquisita, mas foi aceita por uma massa de espectadores. De verdade. Então penso como seria uma projeção dessas no "circuito café": durante a sessão, total silêncio. Após a sessão, comentários intelectualizados, palavras bem escolhidas, a emoção contida e a elaboração de um discurso racional.

Estereótipos à parte, para encerrar, depois de muito questionar compreendi que nada é preto no branco, que existem os códigos próprios, construídos, estimulados e financiados em cada um dos circuitos para se vender filmes, produtos, idéias, comportamentos. Aprendi que meu espaço é o “circuito café” e que por isso consumo um determinado tipo de produto, que é o mesmo que também atrai os meus amigos, mas nem por isso o "Estatuto" do circuito pipoca é ilegítimo. Aprendi a entender que esses circuitos, na verdade, tendem a cada vez mais se interceptarem, e por isso, os códigos do circuito pipoca chegaram às salas de exibição que freqüento. Concluo que não tenho respostas a todos esses questionamentos, mas aprendi a ser mais flexível com minhas impressões. Ainda assim confesso: o toque de celular, e pior, atender ao celular no meio da sessão é algo injustificável em qualquer um dos circuitos. Neste caso radicalizo: é pura falta de educação.




Márcia Schmidt
 
8 - Posso entender que nos primórdios ...

Posso entender que nos primórdios os espectadores de cinema gritassem, se levantassem e interagissem com o que se passava na tela; reagiam instintivamente à experiencia inovadora de ver, por exemplo, um trem chegando à estação e avançando sobre eles, dentro daquela sala escura. É bom até lembrar que na época não havia o som, os dialógos, e os barulhos do público não atrapalhavam a música tocada nas sessões. Minha mãe, que é cinéfila desde pequena, sempre me conta também das tais sessões barulhentas nos anos 50, as matinês regadas à pipoca, paqueras, as pessoas torcendo pelos "mocinhos". Não vivi tais épocas. Minha experiência com o cinema se iniciou nos anos 70 e desde então, parece-me que o próprio evoluiu e se sofisticou, mas o público continua fazendo o caminho inverso.



Heitor Franulovic
 
9 - Concordo com a Anahí

Concordo com a Anahí Borges. Visões extremistas justificam pessoas que olham apenas o seu próprio umbigo, individualistas. Por que tudo tem de ser como "você" quer? Existem pessoas diferentes e temos de respeitar isso. Procure o local que mais satisfaça-lhe e aproveite. Essa é minha opinião. Abraço para todos.



Delbrai Augusto Sá
 
10 - Caros amigos...

Caros amigos, sou Secretário de Cultura de União da Vitória - PR, onde também tenho um jornal. A Fundação de Cultura que dirijo administra um cinema e temos enfrentado costumeiramente os problemas apontados no tópico: Ainda é possível ver filmes no cinema? Quando assumi a Fundação em 2003 criei projetos alternativos como o Cinema Alternativo, que exibe filmes fora do chamado circuitão comercial e o projeto Primeira Sessão, para crianças oriundas exclusivamente de escolas públicas. São passos inciais de um árduo trabalho de formação de platéia cinematográfica, tema de minha dissertação de Mestrado em Comunicação. Mas, introdução toda é para solicitar a vcs a permissão para reproduzir em meu jornal a discussão citada. Aproveito a oportunidade para cumprimentá-los pela excelente revista. Grato pela atenção, aguardo notícias.








Liciane Mamede
 
12 - Não sei se concordo com essa divisão...

Não sei se concordo com essa divisão criada pelo gerente de um grande grupo comercial ligado ao circuito exibidor de cinema, como nos contou a Anahí em seu comentário para este tópico. Dividir os públicos usando como critério as salas de cinema que eles freqüentam é uma questão comercial estratégica. Para eles funciona, porque é essencial dividir e demarcar segundo alguns critérios as pessoas (ou clientes) com quem estão lidando. Porém, será que para nos, reles expectadores-cinéfilos, isso também é completamente válido? A grande questão do texto da Anahí, a meu ver, é a tolerância que tem de haver entre os diferentes públicos e eu concordo plenamente com seu relato nesse sentido. Porém, concordo também que não é bem possível demarcar públicos, porque, na grande maioria, muitas vezes, eles se interceptam. Será que mesmo aqueles que freqüentam salas de cinema em shoppings e pagam bem caro por seu ingresso, não querem apreciar o filme de forma a poder de fato ser envolvido por ele? A explanação do Cid Nader prova isso. Ele e sua amiga foram a um desses cinemas “pipocas” com o puro intuito de desfrutar da obra fílmica pela qual pagaram para ver. Eu, muitas vezes, vou ao Bristol na Avenida Paulista - que o sr. Luiz Gonzaga provavelmente deve classificar como fazendo parte do circuito “pipoca” – e, nem por isso, preciso engolir certas atitudes das pessoas em nome da tolerância. Isso é simplificar demais a coisa. Acho que se há um ponto que podemos chamar de “objetivo” nisso tudo é: as salas de cinema existem para que filmes sejam exibidos. Assim, quando alguém, seja la quem for, se dispõe a ir ao cinema, mesmo que seu objetivo seja comer pipoca, tem que saber que terá sim de se submeter a um código de comportamento regido pelo bom-senso em nome do respeito à maioria das pessoas que também freqüentam aquele lugar - caso contrario, ele poderia ficar comendo pipoca em casa. Em todos os lugares onde convivem duas ou mais pessoas existem regras tácitas. Por que não seria assim numa sala de cinema? A princípio, pode não haver nada de errado em comer enquanto se assiste a um filme (principalmente se o lugar aonde você foi vende pipocas, doces e afins), porém tem de haver bom-senso. Afinal, se o filme que eu quero ver não esta passando no circuito “café” (e isso muitas vezes acontece), eu tenho direito de vê-lo em qualquer outro lugar sem que isso seja uma imensa tortura. É claro que, às vezes, temos que fazer concessões, esse é o preço, mas o prazer do espetáculo não pode ser prejudicado por um outro espectador mal-educado. 


Vandré Fernandes
 
13 - É, ainda, possível ir ao cinema, mas

É, ainda, possível ir ao cinema, mas os exibidores terão que adotar na inserção do inicio de cada sessão: "...e por favor desliguem seus bips e celulares... E NÃO FALEM DURANTE O FILME PORQUE SUA VOZ OU SEU SUSSURRO ATRAPALHA MUITO... a sessão já vai começar! 


Julio Guzman
 
14 - Temos que exigir o livro de reclamações

Li atentamente o artigo do Cesar Zamberlan e as respostas dos demais participantes, e acho que deixaram a situação bastante bem contornada. Sem dúvida existem lugares que têm seus próprios códigos e depende de cada um escolher as salas e sessões que melhor lhe sentem. Claro que o desrespeito não esta justificado em lugar nenhum, mas certamente entraríamos numa questão abrangente demais se tratássemos a educação do grande público e da sociedade em geral.

Acho que o caso particular que falta discutir mais é os abusos nas salas, e durante a projeção de filmes para um publico interessado no cinema. Eu já vivenciei infernos não somente durante sessões de filmes "cabeça", mas também durante festivais (chamei assim de propósito, pois já encontrei essa expressão em importantes jornais e dá uma boa idéia da visão que se difunde). A pior experiência: Festival do Rio 2006, Electroma de Daft Punk. Na sinopse advertia que é um road movie e que não tem diálogos nem música do grupo. Então como explicar que depois de 10 minutos de começado o filme, uma pessoa fez um barulhinho com algum aparelho eletrônico e que a sala inteira estourou em gargalhadas. E que dado o sucesso, o individuo e talvez outros mais que adoraram a idéia acordaram espontaneamente uma freqüência de 3 ou 4 minutos para fazer seu chamado e que, inexoravelmente, a platéia riu a gargalhadas durante o filme todo. Não cabe aqui fazer uma critica do filme, mas sim dizer que eu achei alucinante e que teria sido muito mais se houvesse tido a oportunidade de assisti-lo em paz. Aquele dia senti muita vontade de chorar. E não pelo meu filme. Uma coisa sei: muitas pessoas têm horror do silencio. Não suportam a contemplação prolongada duma cena. E é conseqüência da cultura na qual vivemos.

Então, teremos que renunciar ao cinema? Ainda não. Acho que devemos utilizar as armas do meio que propicia tudo aquilo. Sabemos que qualquer medida que possa ser implementada nas salas vai partir do interesse comercial. Então, no final da sessão, temos que exigir o livro de reclamações. Sempre. Cada pessoa que tenha se sentido incomodada. Talvez sejamos mais do que pensamos e representemos uma possível perda econômica. Assim, com certeza não faltará criatividade por parte dos responsáveis pelos cinemas para evitar e desalentar esses abusos.

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